quarta-feira, agosto 12, 2009

Estrada



Luanda Dondo vão,
cento e tal quilômetros
mangas e cajus
marcos brancos
meninos nus

Branco algodão
crescendo
corpos negros
na cacimba

O Lucala corre
confiante
indiferente à ponte que ignora

Verdes matas
Sangram vermelhas acácias
imbondeiros festejam
o minuto da flor anual

Na estrada
o rebanho alinha
pelo verde
verde capim

Adivinhados
caqui lacraus
de capacete giz

Meninos
se embalam
em mães velhas
de varizes:

Rios azuis
da longa estrada

E é Fevereiro
sardões ao sol
Cassoalala

Eia Mucoso
tão vazio outrora
tão cheio agora
Adivinhados
permanecem
lacraus caqui
capacetes giz

Não param as colheitas

Que razão seriam
fevereiro
acácias sangrando vermelho
verdes sisais
cantando o parto
da única flor?

Não param as colheitas!

Luandino Vieira

Foto retirada do Google

3 comentários:

Fatyly disse...

e infelizmente ainda hoje "não param as colheitas" dos gananciosos e não é por acaso que as acácias floridas são cada vez mais vermelhas.

Um poema sofrido sobre e para gentes sofridas que tanto foram massacradas pelos "lacraus caqui capacetes giz".

Um grande poeta português tornando-se cidadão angolano para combater ao lado do MPLA, negou e não recebeu o Prémio Camões em 2006. Hoje sei que está em Portugal, e nos seus 74/75 anos será que os seus ideais continuam ligados ao antigo MPLA? pois é...uma descolonização vergonhosa e um país entregue a...a...
"acácias sangrando vermelho
verdes sisais
cantando o parto
da única flor?"

enfim... ainda há tanta coisa debaixo do tapete e por explicar!

Gosto muito de Luandino Vieira e pena que segundo sei, deixou a escrita.

A foto é maravilhosa!

Beijos

Paula Raposo disse...

Um muito belo poema! Beijos.

peciscas disse...

O sabor inultrapassável da poesia de raiz africana.