segunda-feira, abril 20, 2009

Alegoria



Junto do Mar canta a Cigarra.
Canta p'ra iludir
a fome e a solidão;
p'ra fingir que tem pão
e p'ra fingir que está acompanhada.

Tremeluzem os Astros no céu nítido:
Dona Cigarra faz serão.
Como há-de ela dormir, se a vida é curta?
-:Cigarra que se preza quando morre
não deve estar a meio da canção.

Ninguém pára a saber porque é que canta.
Ninguém lhe dá ouvidos nem conforto.
Melhor, assim:assim, não perde tempo
quem não pode cantar depois de morto.

A parte que lhe coube por destino,
tem de morrer deixando-a já cantada.
Que faz que a não escutem nem lhe acudam?
É preciso é sentir que se está vivo.
É preciso é que as asas que sosseguem
o tenham merecido.

Canta a Cigarra à sombra da montanha
e à sua voz a solidão alastra,
deixa-a mais longe, sempre, dos que dormem.
Só a noite a entende e a agasalha.
Mas a voz não acusa nem se cansa
nem laiva de azedume ou amargura.

Ei-la crucificada de indiferença.
Serve-lhe a Noite de mortalha.
Morno ainda do Canto,
seu coração evola-se em ternura
que vai poisar no sonho dos que dormem...

Sebastião da Gama, in"Pelo Sonho É Que Vamos", págs.81,82,Edições Arrábida

Imagem retirada do Google

3 comentários:

Paula Raposo disse...

Pois é...gostei. Beijos.

Fatyly disse...

Um cantar da cigarra bem diferente e que gostei muito sobretudo da parte final do poema.

Beijocas e um BOM DIA:)

peciscas disse...

Neste poema mostra-se uma outra face da cigarra.
Aliás, como me ensinou o velho mestre de Ciências Naturais do meu 7º ano, a cigarra não é a parasita da formiga de que fala a velha fábula. Pelos, vistos, a formiga é que tenta roubar a cigarra que em sinal de desprezo, lhe urina em cima...