quinta-feira, março 26, 2009

Poema das árvores



As árvores crescem sós. E a sós florescem.

Começam por ser nada. Pouco a pouco
se levantam do chão, se alteiam palmo a palmo.

Crescendo deitam ramos, e os ramos outros ramos,
e deles nascem folhas, e as folhas multiplicam-se.

Depois, por entre as folhas, vão-se esboçando as flores,
e então crescem as flores, e as flores produzem frutos,
e os frutos dão sementes,
e as sementes preparam novas árvores.

E tudo sempre a sós, a sós consigo mesmas.
Sem verem, sem ouvirem, sem falarem.
Sós.
De dia e de noite.
Sempre sós.

Os animais são outra coisa.
Contactam-se, penetram-se, trespassam-se,
fazem amor e ódio, e vão à vida
como se nada fosse.

As árvores, não.
Solitárias, as árvores,
exauram terra e sol silenciosamente.
Não pensam, não suspiram, não se queixam.
Estendem os braços como se implorassem;
com o vento soltam ais como se suspirassem;
e gemem, mas a queixa não é sua.

Sós, sempre sós.
Nas planícies, nos montes, nas florestas,
A crescer e a florir sem consciência.

Virtude vegetal viver a sós
E entretanto dar flores.

António Gedeão

Foto retirada do Google

4 comentários:

Paula Raposo disse...

Sempre maravilhoso António Gedeão. Muitos beijos e obrigada, mais uma vez, pela partilha de tão belo poema.

Fatyly disse...

Este poema é tão bonito apesar de eu achar que as árvores fazem companhia umas às outras:)

Beijocas e um BOM DIA!

Alien8 disse...

Wind,

Para além do Gedeão, não deixo de deliciar-me com a capacidade da Sophia em dizer tanta coisa em tão poucos versos. E com a ternura perspicaz do Manuel Bandeira.

peciscas disse...

Gedeão, grande como sempre.
Tenho ali no jardim duas árvores (uma clementineira e um pessegueiro) com quem convivo todos os dias.