segunda-feira, fevereiro 16, 2009

Prelúdio



Pela estrada desce a noite...
Mãe-Negra, desce com ela...

Nem buganvilias vermelhas,
nem vestidinhos de folhos,
nem brincadeiras de guisos,
nas suas mãos apertadas.

Só duas lágrimas grossas,
em duas faces cansadas.

Mãe-Negra tem voz de vento,
voz de silêncio batendo
nas folhas do cajueiro...

Tem voz de noite, descendo,
de mansinho, pela estrada...

Que é feito desses meninos
que gostava de embalar?...

Que é feito desses meninos
que ela ajudou a criar?...
Quem ouve agora as histórias
que costumava contar?...

Mãe-Negra não sabe nada...

Mas aí de quem sabe tudo,
como eu sei tudo
Mãe-Negra!

Os teus meninos cresceram,
e esqueceram as histórias
que costumavas contar...

Muitos partiram p'ra longe,
quem sabe se hão-de voltar!...

Só tu ficaste esperando,
mãos cruzadas no regaço,
bem quieta, bem calada.

É tua a voz deste vento,
desta saudade descendo,
de mansinho pela estrada...

Alda Lara (Angola)

Imagem retirada do Google

Testamento

À prostituta mais nova
Do bairro mais velho e escuro,
Deixo os meus brincos, lavrados
Em cristal, límpido e puro...

E àquela virgem esquecida
Rapariga sem ternura,
Sonhando algures uma lenda,
Deixo o meu vestido branco,
O meu vestido de noiva,
Todo tecido de renda...

Este meu rosário antigo
Ofereço-o àquele amigo
Que não acredita em Deus...

E os livros, rosários meus
Das contas de outro sofrer,
São para os homens humildes,
Que nunca souberam ler.

Quanto aos meus poemas loucos,
Esses, que são de dor
Sincera e desordenada...
Esses, que são de esperança,
Desesperada mas firme,
Deixo-os a ti, meu amor...
Para que, na paz da hora,
Em que a minha alma venha
Beijar de longe os teus olhos,
Vás por essa noite fora...
Com passos feitos de lua,
Oferecê-los às crianças
Que encontrares em cada rua...

Alda Lara (Poema deixado pela Fatyly nos comentários)

6 comentários:

Paula Raposo disse...

Gostei. Beijos.

Fatyly disse...

Sempre que leio este poema não contenho as lágrimas, porque recordo com tanta saudade a minha Lemba que ainda a oiço: meninê nunca mais vejo a meninê.

Como troca deixo-te outro de Alda Lara, julgo que já conheces:

Testamento

À prostituta mais nova
Do bairro mais velho e escuro,
Deixo os meus brincos, lavrados
Em cristal, límpido e puro...

E àquela virgem esquecida
Rapariga sem ternura,
Sonhando algures uma lenda,
Deixo o meu vestido branco,
O meu vestido de noiva,
Todo tecido de renda...

Este meu rosário antigo
Ofereço-o àquele amigo
Que não acredita em Deus...

E os livros, rosários meus
Das contas de outro sofrer,
São para os homens humildes,
Que nunca souberam ler.

Quanto aos meus poemas loucos,
Esses, que são de dor
Sincera e desordenada...
Esses, que são de esperança,
Desesperada mas firme,
Deixo-os a ti, meu amor...
Para que, na paz da hora,
Em que a minha alma venha
Beijar de longe os teus olhos,
Vás por essa noite fora...
Com passos feitos de lua,
Oferecê-los às crianças
Que encontrares em cada rua...

Beijocas e um bom dia

Mocho Falante disse...

Belo, mas muito triste.

Beijocas

Nilson Barcelli disse...

Não conhecia a poeta.
Gostei, o poema é muito melódico e bem escrito.
Boa semana, beijo.

Alien8 disse...

Wind,

Dois belíssimos poemas da tão esquecida Alda Lara. O do post e o do comentário de Fatyly.

Um beijo.

Eudemim disse...

Alda Lara, nascida na terra das acácias rubras...Benguela!
Tive o privilégio de ouvir “Mãe Negra” cantado pelo Paulo Flores e Carlos do Carmo nas comemorações do dia 10 de Junho/08 aqui em Luanda.
A mistura destas vozes tão diferentes e singulares acompanhadas pelo “chorar” da guitarra portuguesa foi de arrepiar, digo-vos eu !!

Beijos daqui do Hemisfério Sul
Carlota