terça-feira, novembro 16, 2004

Poeta Castrado não!




Serei tudo o que disserem
por inveja ou negação:
cabeçudo dromedário
fogueira de exibição
teorema corolário
poema de mão em mão
lãzudo publicitário
malabarista cabrão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!

Os que entendem como eu
as linhas com que me escrevo
reconhecem o que é meu
em tudo quanto lhes devo:
ternura como já disse
sempre que faço um poema;
saudade que se partisse
me alagaria de pena;
e também uma alegria
uma coragem serena
em renegar a poesia
quando ela nos envenena.

Os que entendem como eu
a força que tem um verso
reconhecem o que é seu
quando lhes mostro o reverso:

Da fome já não se fala
- é tão vulgar que nos cansa -
mas que dizer de uma bala
num esqueleto de criança?

Do frio não reza a história
- a morte é branda e letal -
mas que dizer da memória
de uma bomba de napalm?

E o resto que pode ser
o poema dia a dia?
- Um bisturi a crescer
nas coxas de uma judia;
um filho que vai nascer
parido por asfixia?!
- Ah não me venham dizer
que é fonética a poesia!

Serei tudo o que disserem
por temor ou negação:
Demagogo mau profeta
falso médico ladrão
prostituta proxeneta
espoleta televisão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!


Ary dos Santos

Foto:António Melo

4 comentários:

lique disse...

O fantástico Ary, olhando para si prório com uma lucidez dolorosa. Mas poeta castrado, nunca o foi! Beijinhos amiga e obrigada.

Anónimo disse...

Wind, este poema do Ary, este em especial, lembra-me "alguém" e tu sabes quem. Porisso, sorrio p/ ti. Beijinhos para as "duas" :)/ Lia

wind disse...

Lia:))) beijos***

Anónimo disse...

Olha, já agora sigo a Lia e mando beijinhos para as duas :) este poema... é fantástico!