sábado, julho 31, 2010
Venho de dentro, abriu-se a porta
Venho de dentro, abriu-se a porta:
nem todas as horas do dia e da noite
me darão para olhar de nascente
a poente e pelo meio as ilhas.
Há um jogo de relâmpagos sobre o mundo
de só imaginá-la a luz fulmina-me,
na outra face ainda é sombra
Banhos de sol
nas primeiras areias da manhã
Mansidões na pele e do labirinto só
a convulsa circunvolução do corpo.
Luisa Neto Jorge
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quinta-feira, julho 29, 2010
Parque da cidade, uma vez mais sentado na tarde do dia
Os primeiros grandes dias de Junho
prolongam a luminosidade solar
até ao horizonte indefinido
fortemente tingido de azul-anil
as cores e os pequenos instantes de contraluz
desenham a copa das árvores e as casas
onde habita o silêncio das sombras
escondidos os segredos das crianças
na penumbra da cal
pelo parque da cidade
pares de namorados
e mulheres sós passeiam cúmplices
duma multidão de animais de estimação
sem quebrar a maciez impressionista do canto da cotovia
o efeito doppler ressoa no grito obstinado de uma ambulância
a transportar novos vírus da civilização
sem o lume do verso
cai o último clarão no pano do dia
em breve a tarde sossega
se pressente o vazio da luz
João Nabais
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terça-feira, julho 27, 2010
O encontro
Como se um raio mordesse
meu corpo pêro rosado
e o namorado viesse
ou em vez do namorado
um novilho atravessasse
meus flancos de seda branca
e o trajecto me deixasse
uma açucena na anca
como se eu apenas fosse
o efeito de um feitiço
um astro me desse um couce
e eu não sofresse com isso
como se eu já existisse
antes do sol e da lua
e se a morte me despisse
eu não me sentisse nua
como se deus cá em baixo
fosse um cigano moreno
como se deus fosse macho
e as minhas coxas de feno
como se alguém dos espaços
me desse o nome de flor
ou me deixasse nos braços
este cordeiro de amor.
Natália Correia
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segunda-feira, julho 26, 2010
Atá ao fim dos céus
A deusa Beladona vai comigo
Ornada já de flor’s de mil matizes.
Caminhando p´las ondas, os petizes
Buscam nela calor, buscam abrigo.
A sua boca eu beijo, qual mendigo
Bebendo água dos róseos chafarizes,
E em mim cessam, Amor, as cicatrizes
Que já levando me iam ao jazigo.
E súbito sou pássaro que canta
Rodeado de verde manjerona…
E então alcanço a Paz! Ó minha santa,
Vem comigo dançar na hora nona
Por praias e palmar’s, hierofanta,
Até ao fim dos céus, ó Beladona!
Paulo Brito e Abreu
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domingo, julho 25, 2010
sábado, julho 24, 2010
Cidadania
Buquê de ruídos úteis
o dia. O tom mais púrpura
do avião sobressai
locomovida rosa pública.
Entre os edifícios a acácia
de antigamente ainda ousa
trazer ao cimo a folhagem
sua dor de apertada coisa.
Um solo de saxofone excresce
mensagem que a morte adia
aflito pássaro que enrouquece
a garganta da telefonia.
Em cada bolso do cimento
uma lenta aranha de gás
manipula o dividendo
de um suicídio lilás.
Natália Correia
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sexta-feira, julho 23, 2010
Os amantes sem dinheiro
Tinham o rosto aberto a quem passava
Tinham lendas e mitos
E frio no coração.
Tinham jardins onde a lua passeava
De mãos dadas com a água
E um anjo de pedra por irmão.
Tinham como toda a gente
O milagre de cada dia
Escorrendo pelos telhados,
E olhos de oiro
Onde ardiam
Os sonhos mais tresmalhados.
Tinham fome e sede como os bichos,
E silêncio
À roda dos seus passos.
Mas a cada gesto que faziam
Um pássaro nascia dos seus dedos
E deslumbrado penetrava nos espaços.
Eugénio de Andrade
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quinta-feira, julho 22, 2010
Port-wine
O Douro é um rio de vinho
que tem a foz em Liverpool e em Londres
e em Nova-York e no Rio e em Buenos Aires:
quando chega ao mar vai nos navios,
cria seus lodos em garrafeiras velhas,
desemboca nos clubes e nos bars.
O Douro é um rio de barcos
onde remam os barqueiros suas desgraças,
primeiro se afundam em terra as suas vidas
que no rio se afundam as barcaças.
Nas sobremesas finas, as garrafas
assemelham cristais cheios de rubis,
em Cape-Town, em Sidney, em Paris,
tem um sabor generoso e fino
o sangue que dos cais exportamos em barris.
As margens do Douro são penedos
fecundados de sangue e amarguras
onde cava o meu povo as vinhas
como quem abre as próprias sepulturas:
nos entrepostos dos cais, em armazéns,
comerciantes trocam por esterlino
o vinho que é o sangue dos seus corpos,
moeda pobre que são os seus destinos.
Em Londres os lords e em Paris os snobs,
no Cabo e no Rio os fazendeiros ricos
acham no Porto um sabor divino,
mas a nós só nos sabe, só nos sabe,
à tristeza infinita de um destino.
O rio Douro é um rio de sangue,
por onde o sangue do meu povo corre.
Meu povo, liberta-te, liberta-te!,
Liberta-te, meu povo! – ou morre.
Joaquim Namorado
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quarta-feira, julho 21, 2010
E alegre se fez triste
Aquela clara madrugada que
Viu lágrimas correrem do teu rosto
E alegre se fez triste como se
Chovesse de repente em pleno Agosto.
Ela só viu dedos nos teus dedos
meu nome no teu nome. E demorados
Viu nossos olhos juntos nos segredos
Que em silêncio dissemos separados.
A clara madrugada em que parti.
Só ela viu teu rosto olhando a estrada
Por onde um automóvel se afastava.
E viu que a pátria estava toda em ti.
E ouviu dizer-me adeus: essa palavra
Que fez tão triste a clara madrugada.
Manuel Alegre
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terça-feira, julho 20, 2010
segunda-feira, julho 19, 2010
Anoiteço
Anoiteço
Entro em casa
sobre um tapete de estrelas
e adormeço
no meio delas.
Manuel Filipe, in"Eis uma Casa", pág.34, Edição do Autor
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domingo, julho 18, 2010
Poema XVIII
Impetuoso, o teu corpo é como um rio
onde o meu se perde.
Se escuto, só oiço o teu rumor.
De mim, nem o sinal mais breve.
Imagem dos gestos que tracei,
irrompe puro e completo.
Por isso, rio foi o nome que lhe dei.
E nele o céu fica mais perto.
Eugénio de Andrade
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sábado, julho 17, 2010
sexta-feira, julho 16, 2010
Tango
Um tango na vitrola um vermute
à meia-luz na sala
promessa de pecado e de desfrute
mas inda se cala
aberto até acima do joelho
revela-se o vestido
decote debruado de vermelho
como prometido
e a mão conduz a mão até a dança
desliza no cabelo
daí ao colo à boca ao corpo e avança
mais — sem atropelo
e agora o que era dança beijo seja
e o que se oferecia
tomado e repartido se anteveja
como apetecia
(...)
manhã terno e vestido em desalinho
a um canto do sofá
um corpo noutro corpo faz seu ninho
— o que mais falar?
Márcia Maia
Pintura retirada do Google
quinta-feira, julho 15, 2010
quarta-feira, julho 14, 2010
Ao meio dia
Vivem rosas ao meio dia
sorriem com as mãos do silêncio
sorriem com o coração declaradamente aberto
e clandestino; com o sangue dos espinhos
dentro de agosto, ao meio dia, vivem rosas.
Maria Gomes
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terça-feira, julho 13, 2010
segunda-feira, julho 12, 2010
Há festas na vida
A estrela da manhã é uma festa
para quem perdeu o norte...
e o meu norte é o poente
essa grande festa de vermelho e azul
de pássaros e mar
de força e harmonia!
Escuto lá longe o barulho ensurdecedor
dos tambores das marimbas e dos kissanges
era a grande festa do fogo da noite e dos negros
as chamas consumiam a dança
no seu rodopio fantástico
e havia vozes
muitas vozes em coro síncrono
os mukixes saltitavam entre o cacimbo e o fumo
o feiticeiro perscrutava o céu a lua
e atirava terra para o ar
em gestos rápidos
delirantes
virava a cara para o chão e falava
falava
eu
menino e branco
junto ao embondeiro
olhos grandes para o batuque
para os corpos pintados agitados transpirados
alados
a vida não é uma festa
mas há festas na vida.
António Cardoso Pinto (Angola)
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domingo, julho 11, 2010
sábado, julho 10, 2010
A mão torturada por um olhar
Somos duas chamas ardentes,
somos duas estrelas cadentes.
Somos como cão e gato,
como um ser inadaptado
com vontade de viver
e condenados a amar.
A mão torturada por um olhar
um lírio e uma margarida
amando-se, sem deixar de
abrir a cúpula de uma ferida
sentida e de vida sofrida.
No entanto, a sereia canta como
lira de Orfeu para aliviar
a alma do seu amor ateu...
Tília Ramos
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sexta-feira, julho 09, 2010
Tarde com sol
As coisas simples dizem-se depressa ; tão depressa
que nem conseguimos que as ouçam. As coisas
simples murmuram-se; um murmúrio
tão baixo que não chega aos ouvidos de ninguém.
As coisas simples escorrem pela prateleira
da loja; tão ao de leve que ninguém
as compra. As coisas simples flutuam com
o vento; tão alto, que não se vêm.
São assim as coisas simples: tão simples
como o sol que bate nos teus olhos, para
que os feches, e as coisas simples passem
como sombra sobre as tuas pálpebras.
Nuno Júdice
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quinta-feira, julho 08, 2010
Balõezinhos
Na feira do arrabaldezinho
Um homem loquaz apregoa balõezinhos de cor:
- "O melhor divertimento para as crianças!"
Em redor dele há um ajuntamento de menininhos pobres,
Fitando com olhos muito redondos os grandes balõezinhos muito redondos.
No entanto a feira burburinha.
Vão chegando as burguesinhas pobres,
E as criadas das burguesinhas ricas,
E mulheres do povo, e as lavadeiras da redondeza.
Nas bancas de peixe,
Nas barraquinhas de cereais,
Junto às cestas de hortaliças
O tostão é regateado com acrimônia.
Os meninos pobres não vêem as ervilhas tenras,
Os tomatinhos vermelhos,
Nem as frutas,
Nem nada.
Sente-se bem que para eles ali na feira os balõezinhos de cor são a
única mercadoria útil e verdadeiramente indispensável.
O vendedor infatigável apregoa:
- "O melhor divertimento para as crianças!"
E em torno do homem loquaz os menininhos pobres fazem um
círculo inamovível de desejo e espanto. .
Manuel Bandeira
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quarta-feira, julho 07, 2010
terça-feira, julho 06, 2010
Tempo
O tempo
o pássaro
iluminado
corre
veloz
na minha sombra
e eu
embriago-me
d'enganos
aleitando
a dor
nula
enraiveço
nula
a dor
aleitando
d'enganos
embriago-me
e eu
na minha sombra
veloz
corre
iluminado
o pássaro
Patrícia Lopes
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segunda-feira, julho 05, 2010
Olhar especial com gardénias
O dia
repousa
cada vez mais
azul imperial
coroado
por um velado
e fino disfarce
da realidade
próximo
uma criança
tropeça
o olhar de desejo
inquieta
como vazia
uma flor
desliza
no largo oceano
segue-se
uma data final
sublimada
antes do último acorde
conduzir
a alma dos sentidos
a este espaço
escuro
..............infinito
sobe
o silêncio tonal
matizado com gardénias
a cobrir a pele do mar.
João Nabais
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domingo, julho 04, 2010
Do cão
O cão por aí vai completamente na maior
de pata dada com a sua cadelinha
Na verdade não precisa de bilhete de identidade
cartão de impostos fiscais passe social
ou imposto sobre o valor acrescentado
Hoje começou o seu dia com um coito surrealista e vagabundo
mesmo nas barbas do Sr. Dr. Juiz mesmo nas barbas do polícia
que não o incriminou nem o multou
por ofensas à moral pública
O cão por aí vai completamente na maior
de pata dada com a sua cadelinha
Usa óculos escuros e de preferência cabelo comprido
e não se preocupa com os testes de Biologia do liceu
que não foram feitos para ele
Pois o cão passa pelo meio da Avenida de Roma ou da Place
Pigalle ou do Boulevard de Saint Germain e apenas sonha
com uma posta de carne de vaca ou então com o ânus fofo
e aveludado de uma cadelinha bela pequena e graciosa
que ele acabou de encontrar rendendo homenagem
à grande pancada de Florbela Espanca
O cão pára de vez em quando tira a pata da pata da cadelinha
e ladra aos polícias que insistem em ser inimigos
do seu anarquismo piolhoso e pleno de carraças
O cão por aí vai completamente na maior
de pata dada com a sua cadelinha
Se passar pelo Presidente Mário Soares ou por um
Tenente-Coronel é claro que não lhes faz continência
talvez faça um movimento rápido e circular e frenético
com a pata de trás para coçar mais uma maldita pulga
ou qualquer outro parasita pois é claro pois então!!!
O cão não se preocupa com o anúncio televisivo do
sabonete Lux ou com o outro anúncio da pasta de dentes Colgate
ou com a telenovela a seguir ao jantar
O cão apenas se preocupa com uma posta crua de carne de vaca
ou com a vagina fofa e aveludada da sua cadelinha que não é
cabeleireira nem barbeira nem secretária de escritório
nem tão-pouco vendedeira de mamas de plasticina
O cão por aí vai completamente na maior
de pata dada com a sua cadelinha
O cão adora os homens do talho.
Paulo Jorge Brito e Abreu
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sábado, julho 03, 2010
Uma carta grega
Odeio amor.
E, se me
perguntassem
qual a sua
cor, diria:
– Da terra,
do ar,
misto de toda
cor que
não há.
Não sei.
Odeio
amar
o gomo
o fruto
amargo
da dor
odeio,
amor.
Rodrigo Petrónio
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sexta-feira, julho 02, 2010
Indiferença
Existem momentos em que as cores fogem
dos olhos e palavras param na boca.
Enquanto as mãos descem nas costas
e se penduram no cabide da indiferença.
Ana Maria Costa
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quinta-feira, julho 01, 2010
Entardecer...
O rumor
musical do vento
atravessa
a copa das folhas
na brisa da tarde
flores jovens
e colibris
vestem
a casa do sol
em volta do lago
cúmplices
do mistério da luz
na refracção da cor
mais uma vez
sente-se
uma religiosidade
sedutora
pela ausência
latente
dos vários silêncios
que povoam
a máscara do demiurgo
na abertura da cidade ao mundo.
João Nabais
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