quarta-feira, junho 04, 2008

Perfume da Rosa



Quem bebe, rosa, o perfume
Que de teu seio respira?
Um anjo, um silfo? Ou que nume
De seu trono te ajoelha,
E esse néctar encantado
Bebe oculto, humilde abelha?
— Ninguém? — Mentiste: essa frente
Em languidez inclinada,
Quem te pôs assim pendente?
Dize, rosa namorada.
E a cor de púrpura viva
Como assim te desmaiou?
E essa palidez lasciva
Nas folhas quem te pintou?
Os espinhos que tão duros
Tinhas na rama lustrosa,
Com que magos esconjuros
Tos desarmaram, ó rosa?
E porquê, na hástia sentida
Tremes tanto ao pôr do Sol?
Porque escutas tão rendida
O canto do rouxinol?
Que eu não ouvi um suspiro
Sussurrar-te na folhagem?
Nas águas desse retiro
Não espreitei a tua imagem?
Não a vi aflita, ansiada...
— Era de prazer ou dor? –
Mentiste, rosa, és amada,
E tu também tu amas, flor.
Mas ai!, se não for um nume
O que em teu seio delira,
Há-de matá-lo o perfume
Que nesse aroma respira.

Almeida Garrett

Foto:Roger Sonneland

2 comentários:

Fatyly disse...

Há tantos anos que não lia este poema:) e foi um dos muitos censurados pela ditadura.

Boa escolha e a foto é linda:)

Beijocas

Special K disse...

Não há rosa sem espinhos nem amor sem dor.
Lindo poema.
Umm beijo