domingo, junho 15, 2008

Nossa truculência



Quando penso na alegria voraz
com que comemos galinha ao molho pardo,
dou-me conta de nossa truculência.
Eu, que seria incapaz de matar uma galinha,
tanto gosto delas vivas
mexendo o pescoço feio
e procurando minhocas.
Deveríamos não comê-las e ao seu sangue?
Nunca.
Nós somos canibais,
é preciso não esquecer.
E respeitar a violência que temos.
E, quem sabe, não comêssemos a galinha ao molho pardo,
comeríamos gente com seu sangue.

Minha falta de coragem de matar uma galinha
e no entanto comê-la morta
me confunde, espanta-me,
mas aceito.
A nossa vida é truculenta:
nasce-se com sangue
e com sangue corta-se a união
que é o cordão umbilical.
E quantos morrem com sangue.
É preciso acreditar no sangue
como parte de nossa vida.
A truculência.
É amor também.

Clarice Lispector

Imagem daqui

6 comentários:

Alien8 disse...

Wind,

Francamente, coitada da galinha :)))

Além do mais, adorei o três em um!

Bom resto de fim de semana e beijinhos.

papagueno disse...

É desta que vou virar vegetariano :)
A imagem está demais.
Bjks

Lola disse...

Wind,

Excelente post.

Mas eu acho que vou passar a veg.

Canibais? ou simplesmente animais?

Beijos grandes.

Paula Raposo disse...

Sublime Clarice!!! A imagem � das mais fant�sticas que j� vi!! Beijos, Isabel.

Fatyly disse...

Clarice tem razão mas eu adoro galinha, agora se a vir matar não consigo comer.

A foto...ai minha nossa senhora...o que eu me ri:):)

Beijos

lena disse...

a imagem foi muito bem escolhida, está extraordinária, foi muito bem enquadrada. mesmo sendo vegetariana li o poema e gostei no teu todo

obrigada, mais um poema que nunca tinha lido de Clarice Lispector e deixas-me a pensar...


beijinhos meus

lena