domingo, junho 08, 2008
La dame à la licorne
Dona Semifofa erguendo o dedo
mindinho arqueado em asa sobre a asa da
chávena (ou xícara) disse: -
- Eu sempre soube que poetas não
são gente em quem confie uma senhora -
e num sorvinho delicado rematou
a mágoa de cinquenta primaveras.
O licorne, num doce balançar do chifre esguio,
gravemente assentiu,
um pouco perturbado
pela insistência obnóxia e recatada
com que a discreta dama confundia,
ou mais que a dama os olhos vagos dela,
o chifre legendário e o metafórico
que de entre as pernas longo lhe descia
ou já de perturbado não pendia.
Torcendo as ancas disfarçadamente
para encobrir das vistas semifofas
essa homenagem à inocência delas
(como o cavalheiro que pousando a mão
assim se esconde em pudicícia o quanto
não esconda muito mais que a discrição obriga),
D. Gil cofiou a capriforme pêra
e de soslaio viu que Dona Semifofa
do branco em ferro assento resvalava
para a verdura em que as florinhas eram
de cores variegadas, salpicantes.
D. Gil era o licorne, e disse com voz cava:
- Mas eu também, minha senhora, nunca
acreditei que de confiança eles fossem.
Se acreditasse, como não teria
a mágoa imensa de não ser centauro? -
No chão, erguendo as pernas, Semifofa uivou:
- Centauro, para quê? Não há centauros.
Licornes, sim, D. Gil, vinde a meus braços.
Jorge de Sena
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
3 comentários:
Muito bom ;)
Bjks
Já conhecia e sorrio sempre que leio "la Dame...". Já li uma versão/adaptação mais malandreca e foi pena não a ter gravado.
Gostei de reler:)))))**
Jorge de Sena... num poema que sempre me faz sorrir...
Bj ;))
Enviar um comentário