quinta-feira, setembro 29, 2011
terça-feira, setembro 27, 2011
A janela
A janela deve estar aberta
mesmo que a chama trema no pavio
e que os risos andem à solta
pelo quarto.
Mesmo que os vivos tenham frio
a janela deve estar aberta.
Manuel Filipe, in"O Rosto Remoto", pág.36
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domingo, setembro 25, 2011
Arte poética
Andara muito, noutro tempo, por Lisboa
até que as ruas de repente se inclinaram
e ficaram viscosas e caladas.
Reparou que nas noites de verão
as esquinas cheiram intensamente a mijo.
Por isso foi ficando pela casa
que se encheu devagar de copos sujos
e de cuecas e meias pelos cantos.
Debruça-se agora muito mais
sobre o que escreve.
Manuel Filipe, in"O Rosto Remoto", pág.48
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sexta-feira, setembro 23, 2011
Reparei
Na incandescência
do sol forte do meio-dia
reparei que a casa estava vazia
e as paredes reflectiam a tua ausência.
Manuel Filipe, in"O Rosto Remoto", pág.29
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quarta-feira, setembro 21, 2011
Por um instante
Na sala de espera, mulheres. A maioria acima dos quarenta. Cuidando de suas vidas. Sós. Exceto duas, sentadas ao lado dos maridos. Dois casais. Um, urbano, classe média, elegante. Outro, do interior, roupas simples, faces marcadas de sol e rugas. E por um instante, só por um instante, aquele em que, quase simultaneamente, as duas entraram na sala de exames, de mãos dadas com os companheiros, a solidão descompassou os corações das outras mulheres, sentadas sós, na sala de espera.
Márcia Maia
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segunda-feira, setembro 19, 2011
Como se faz o poema
Para falarmos do meio de obter o poema,
a retórica não serve. Trata-se de uma coisa simples, que não
precisa de requintes nem de fórmulas. Apanha-se
uma flor, por exemplo, mas que não seja dessas flores que crescem
no meio do campo, nem das que se vendem nas lojas
ou nos mercados. É uma flor de sílabas, em que as
pétalas são as vogais, e o caule uma consoante. Põe-se
no jarro da estrofe, e deixa-se estar. Para que não morra,
basta um pedaço de primavera na água, que se vai
buscar à imaginação, quando está um dia de chuva,
ou se faz entrar pela janela, quando o ar fresco
da manhã enche o quarto de azul. Então,
a flor confunde-se com o poema, mas ainda não é
o poema. Para que ele nasça, a flor precisa
de encontrar cores mais naturais do que essas
que a natureza lhe deu. Podem ser as cores do teu
rosto – a sua brancura, quando o sol vem ter contigo,
ou o fundo dos teus olhos em que todas as cores
da vida se confundem, com o brilho da vida. Depois,
deito essas cores sobre a corola, e vejo-as descerem
para as folhas, como a seiva que corre pelos
veios invisíveis da alma. Posso, então, colher a flor,
e o que tenho na mão é este poema que
me deste.
Nuno Júdice
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sábado, setembro 17, 2011
Espuma
Que me marque
uma vaga branca de espuma
e o mar deixe o verde
odor da maresia.
Que me lembres
os passos na areia
e as conchas me ensinem
o que não sei.
Desejo navegar
e perder-me em cada porto
que não encontro.
Paula Raposo, in"Insubmissa", pág.42
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quinta-feira, setembro 15, 2011
Cair do pano
As acácias já se incendiaram de vermelho
e o zumbido das cigarras enxameia obsidiante
a manhã de Dezembro. A terra exala,
em haustos longos, o aguaceiro da madrugada.
Ao longe, no extremo distante da caixa
de areia, o monhé das cobras enrola
a esteira e leva o cesto à cabeça,
cumprido o papel exacto que lhe coube
e executou com paciente sageza hindu.
Dura um instante no trémulo contraluz
do lume a que se acolhe, antes da sombra
derradeira. Assim, os comparsas convocados
para esta comédia a abandonam, verso
a verso, consignando-a ao olvido
e à erva daninha que, persistente, a cobrirá
irremediavelmente. O encenador faz
a vénia da praxe e, porque aplausos
lhe não são devidos, esgueira-se pelo
anonimato da esquerda alta. É Dezembro
a encurtar o tempo, o pouco que nos sobra.
Rui Knopfli
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terça-feira, setembro 13, 2011
Pardal
A morte de um pardal
é certamente
uma pequena morte.
-E vai para o céu?
Manuel Filipe, in"O Rosto Remoto", pág.13
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segunda-feira, setembro 12, 2011
sábado, setembro 10, 2011
Livre circulação
Andou livremente na cidade
até que a morte lhe pôs a sua máscara.
Guiado pelo néon azul-pálido
e pelas camas de cartão dos sem-abrigo
estragou a alma em condensados de tabaco
e as mangas com gordura e vinho tinto.
Foi seduzido pelas putas e faquistas
que partilham silenciosos as esquinas
e mais-que-bêbedo tropeçou na Lua-cheia
"hei-de marcar-te a face um dia destes..."
Manuel Filipe, in"O Rosto Remoto", pág. 25
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quinta-feira, setembro 08, 2011
Velório
"Morreu como um passarinho"
-insistia a boa mulher
à saída do velório.
"Quando era novo, eu adorava passarinhos"
-repliquei em tom menor
por respeito à circunstância.
Manuel Filipe, in"O Rosto Remoto", pág.12
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quarta-feira, setembro 07, 2011
SuperHeavy - Miracle Worker
Juntam-se uns famosos, faz-se um reggae e há sucesso.
PS:Desligar o som do blog no lado direito.
segunda-feira, setembro 05, 2011
Nos bicos da cereja
Em cada segundo de vida
plantei a semente da ilusão
nos bicos de cereja
das colinas dos teus seios
à espera de um dia colher a flor.
Miguel Barbosa
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sábado, setembro 03, 2011
Espelho meu
As andorinhas não se vêem ao espelho
não creio que percam tempo a mirar-se
num tanque de rega,
no fundo de um poço,
na vidraça daquele prédio...
Tal e qual não se miram as garças no liso do lodo,
e não me consta que façam isso os elefantes.
Talvez a gata que criaste...
Ensinada,
requebra denguices na sua imagem -
cuida que é o gato que não lhe dás em casa...
Que se veja ao espelho,
que pretenda assim (re)conhecer-se,
mirar até o traseiro em jogos de reflexos,
só mesmo o bicho homem!
Só a gente para gostar de ver o pelo que tem na venta...
Maria de Fátima
Tela:John William Waterhouse
quinta-feira, setembro 01, 2011
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