sábado, novembro 30, 2013
Sinais que no amor se adiantam
No teu olhar se esfuma e desvanece
A cidade onde o corpo por enquanto é preciso.
É quando a outra face do luar aparece
E o balir das ovelhas tem o som do meu riso.
Para tapar meu seio já nenhum astro tece
A roupa com que outrora saí do paraiso.
O pudor é da terra. Só por isso anoitece
E a nudez dos amantes é não darem por isso.
A semente do filho que em nós amadurece
Trouxe-a no bico a pomba que o seu reino prepara.
Por isso na cidade já ninguém nos conhece
Pois que ambos trazemos esse filho na cara.
Natália Correia
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quinta-feira, novembro 28, 2013
Da fala
Quando ainda não sabia as palavras possíveis
para passar entre voz e silênco dos outros,
tal como entre troncos das florestas mudas,
eu falava com as nuvens que vinham
sobre nós a cantar, de trémulas asas,
e aspergiam os aromas de êxtase.
Fiama Hasse Pais Brandão
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terça-feira, novembro 26, 2013
Meio dia
Contemplo a mulher adormecida. Ocupa uma metade do terraço, longa e voluptuosamente extensa, constelada de um siêncio que é todo aéreo e ondulante. Em volta o mundo converteu-se num pomar unânime. É um meio-dia interminável. Tudo está imóvel, fixo, como um centro. As superfícies lisas, brancas, sem reflexos, sem sombras. Imperceptível, insondável é o gesto fulgurante da imobilidade. A intensidade da presença identifica-se com o vazio da ausência. O meu corpo entende o corpo da mulher, enrola-se nas volutas da sua música silenciosa, adere às paisagens brancas do seu corpo completo. Imóvel, não procuro palavras, nem as mais leves e transparentes: sinto-me fluido, extremamente aberto. Conheço as sensações da mulher nua: água, terra, fogo e vento. Conheço-a e amo-a através delas, numa relação de felicidade intensa e ao mesmo tempo imponderável. O sono da mulher é de horizontes múltiplos e em si germina o centro abrindo o aberto sem limites.
António Ramos Rosa
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domingo, novembro 24, 2013
Amei demais
Madruguei demais. Fumei demais. Foram demais
todas as coisas que na vida eu emprenhei.
Vejo-as agora grávidas. Redondas. Coisas tais,
como as tais coisas nas quais nunca pensei.
Demais foram as sombras. Mais e mais.
Cada vez mais ardentes as sombras que tirei
do imenso mar de sol, sem praia ou cais,
de onde parti sem saber por que embarquei.
Amei demais. Sempre demais. E o que dei
está espalhado pelos sítios onde vais
e pelos anos longos, longos, que passei
à procura de ti. De mim. De ninguém mais.
E os milhares de versos que rasguei
antes de ti, eram perfeitos. Mas banais.
Joaquim Pessoa
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sexta-feira, novembro 22, 2013
Novembro
A respiração de Novembro verde e fria
Incha os cedros azuis e as trepadeiras
E o vento inquieta com longínquos desastres
A folhagem cerrada das roseiras.
Sophia de Mello Breyner Andresen
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quarta-feira, novembro 20, 2013
O sorriso
Creio que foi o sorriso,
o sorriso foi quem abriu a porta.
Era um sorriso com muita luz
lá dentro, apetecia
entrar nele, tirar a roupa, ficar
nu dentro daquele sorriso.
Correr, navegar, morrer naquele sorriso.
Eugénio de Andrade
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segunda-feira, novembro 18, 2013
Tu és como uma terra
Tu és como uma terra
que ninguém jamais disse.
Tu não atendes nenhuma
senão aquela palavra
que do fundo brotará
como um fruto entre os ramos.
Há um vento que te toca.
Coisas secas e re-mortas
te chocam e vão no vento.
Membros, palavras antigas.
Tu tremes pelo estio.
Cesare Pavese
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sábado, novembro 16, 2013
Quero-te para além das coisas justas
Quero-te para além das coisas justas
e dos dias cheios de grandeza.
A dor não tem significado quando ma roubam as árvores,
as ágatas, as águas.
O meu sol vem de dentro do teu corpo,
a tua voz respira a minha voz.
De quem são os ídolos, as culpas, as vírgulas
dos beijos? Discuto esta noite
apenas o pudor de preferir-te
entre as coisas vivas.
Joaquim Pessoa
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quinta-feira, novembro 14, 2013
Queria que me acompanhasses
Queria que me acompanhasses
vida fora
como uma vela
que me descobrisse o mundo
mas situo-me no lado incerto
onde bate o vento
e só te posso ensinar
nomes de árvores
cujo fruto se colhe numa próxima estação
por onde as comboios estendem
silvos aflitos.
Ana Pula Inácio
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terça-feira, novembro 12, 2013
Trecho da Praia
Como por um ralo atrás da pupila,
vêem-me agir:
nada divide o caranguejo, dividindo
os lodos em seu sulco,
e também suas pinças se amotinam
à passagem, com sombra,
duma ave marinha…
E antes da chegada ascendente do mar,
ou que alguém module a voz
pela que da nuvem soou
no paraíso, amam-se na areia.
Enquanto do largo
o halo dum navio nocturno
se expande e irisa em seu redor.
Sebastião Alba
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domingo, novembro 10, 2013
Da voz das coisas
Fiama Hasse Pais Brandão
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sexta-feira, novembro 08, 2013
quarta-feira, novembro 06, 2013
Canção desesperada
Nem os olhos sabem que dizer
a esta rosa de alegria,
aberta nas minhas mãos
ou nos cabelos do dia.
O que sonhei é só água:
água ou só rumor do frio.
Nenhuma rosa cabe nesta mágoa.
Dai-me a sombra de um navio!
Eugénio de Andrade
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segunda-feira, novembro 04, 2013
Ecce Homo
Nunca amanhecera assim, num inimaginável
barracão perto da cidade gótica.
A sua casa.
Conhecia-o do Fandango,
e sabia apenas que uma tristeza sem lágrimas
lhe iluminava as tardes e as noites.
Dessa vez foi diferente. Eu acabara de partir
um copo no único pub ainda aberto
(a memória já não me devolve o nome).
Ele veio sentar-se ao meu lado, bêbedo
contra bêbedo, unidos pelo quase esplendor
da queda. Convidou-me a segui-lo e eu,
não sei bem porquê, acedi. Acompanhei-o
até às duas assoalhadas em que morava
– sem vizinhos, numa barraca de alumínio
e tabopan que fazia da palavra desespero
um eufemismo inoportuno. O cão,
pelo menos, gostou de nos ver chegar.
Depois chorou, a troco de nada. Queria apenas
um ombro concreto onde pousar a cabeça
que a mulher e as filhas já nem por engano
beijavam. Não precisava de gestos ou palavras,
bastava-lhe ser ouvido, partilhar o impartilhável
a que talvez chamasse (não me lembro bem) a dor.
Adormeceu assim, no meu ombro – e eu estava
capaz de matar (mas não a ele) por uma cerveja,
pelo gin que horas antes encontrara demasiado
cedo o chão. Ao amanhecer, abanei-o levemente,
disse-lhe que tinha mesmo de ir. Beijou-me
a mão, agradeceu com um sorriso estragado
aquele nada de nada entre dois homens
que nunca mais se voltarão a ver. Cá fora,
uma luz amordaçada desaconselhava qualquer
tentação lírica, vinha morrer nas couves,
nos dejectos vários que lhe tornavam menos só a solidão.
Não reconheci a cidade: pálida, desinteressante, reles.
Tremia de sono e frio ao entrar no primeiro
autocarro e quase acreditei – por algumas horas –
que existia, afinal, alguém ainda mais triste do que eu.
Manuel de Freitas
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domingo, novembro 03, 2013
sábado, novembro 02, 2013
Chuvinha cor de rosa
Cor de rosa
Está a cair uma chuva cor de rosa.
Juro que é assim:
os baguinhos lassos,
primeiro miúdos
depois bagos grossos
na luz do sol escondido,
o sol ainda dormindo,
o céu um gosto de rosado.
Cai uma chuvinha quase, quase de agosto.
Bagos pequeninos.
Um ruido de nada por aí tamborilando,
cada bago,
os bagos, uns a seguir aos outros.
Chuvinha de setembro,
chuvinha a seguir ao vento de sueste.
Gostosa esta chuva a marcar diferenças,
a dizer, mansinha, delicada:
olha que o verão acaba,
cuida de arrecadar para o inverno,
cuida de ver se a capa não estará rota,
se a manta não precisa de ser limpa
e a bota ensebada.
E o cachecol...
ai o cachecol... vê lá se o encontras.
Uma chuva cor de rosa,
juro!
Rosadinha de ser o dia no início.
Maria de Fátima
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