quarta-feira, novembro 30, 2011
Namorados de Lisboa
Namorados de Lisboa,
à beira Tejo assentados,
a dormir na Madragoa.
Namorados de Lisboa,
num mirante deslumbrados,
à beira verde acordados.
Namorados de Lisboa,
ao Domingo uma cerveja,
uma pevide salgada,
uma boca que se beija
e que nos sabe a cereja,
a miséria adocicada,
à beira parque plantada.
Namorados de Lisboa,
sempre, sempre apaixonados,
mesmo que a tristeza doa,
namorados de Lisboa.
Namorados de Lisboa,
na cadeira dum cinema,
onde as mãos andam à toa,
à procura de um poema,
namorados de Lisboa,
que o mistério não desvenda
até que o escuro se acenda.
Namorados de Lisboa,
a apretar num vão de escada
o prazer que nos magoa
e depois não sabe a nada.
Namorados de Lisboa,
a morar num vão de escada.
Namorados de Lisboa,
sempre, sempre apaixonados,
mesmo que a tristeza doa,
namorados de Lisboa.
Ary dos Santos
Imagem retirada do Google
segunda-feira, novembro 28, 2011
As duas mão da terra
Eu procurei e era vapor ou sonho
e era o mundo, o rumor do estio
com os seus barcos de folhagem entre as pedras
e o sol por sobre os muros, a linguagem
dos gestos quase imóveis no ardor
monótono e sombrio de uma brancura
que vencia o tempo e era o ombro
e o seio da terra entre o verde e a cinza.
Eu procurava e recebia o sopro
de um fogo em labirintos áridos
e a violência reunia-se num flanco
vermelho, companheira
que ardia adormecida e se elevava
sem sobressaltos à nudez do cimo.
Era como se a terra amasse o sonho
e com a mão de fogo e a mão de agua
desenhasse o instante da primeira
alegria divina. Eu recebia
as formas que se abriam e encerravam
em círculos vagarosos de uma matéria pura.
António Ramos Rosa
Imagem retirada do Google
sábado, novembro 26, 2011
Tens flores dentro da pele
Tens flores dentro da pele
daquelas que se transformam em pétalas
no teu cabelo feito de vento
num dia quente.
Tens asas dentro dos olhos
com eles vês por detrás do céu
aquele onde te deitas
quando precisas de repousar.
Tens mãos feitas de terra
terra pura que contigo levas
e que deitas inocentemente
no canteiro dos corações.
Tens letras desenhadas nos pulsos
poemas que escreveste com os lábios
de todas as vezes que amaste
sem amar, amando sempre.
Tens a cor verde a pulsar nos ombros
onde carregas, porque és fortaleza feita de areia,
a vida toda que tens para te dar.
Raquel Lacerda
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terça-feira, novembro 22, 2011
Até onde vós estais
Oh, presenças amigas, ó momento
em que alongo o braço e toco em cheio os rostos
A minha língua abriu-se para dizer a face
do vento que percorre as vossas vidas.
Estou perante a noite mais profunda,
a delicada noite das raízes: vejo rostos
vejo os sinais e os suores das vossas vidas.
Atravesso árvores subsmersas, ruas obscuras,
poços de água verde, e vou convosco ter,
minhas faces lívidas, mãe, amigos, amores.
A terra que penetro é este chão de terra
com as raizes feridas, com os ferozes pulsos,
A vertente que desço é uma subida às vossas vidas.
António Ramos Rosa
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domingo, novembro 20, 2011
Take 5
janelas abertas
todas as luzes apagadas
e uma gama de azul rosa
violeta quase cinza
a inscrever
no céu da tarde
ao avesso a madrugada
Márcia Maia
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sexta-feira, novembro 18, 2011
quarta-feira, novembro 16, 2011
Estou vivo e escrevo sol
Eu escrevo versos ao meio-dia
e a morte ao sol é uma cabeceira
que passa em frios frescos sobre a minha cara de vivo
Estou vivo e escrevo sol
Se as minhas lágrimas e os meus dentes cantam
no vazio fresco
é porque aboli todas as mentiras
e não sou mais que este momento puro
a coincidência perfeita
no acto de escrever e sol
A vertigem única da verdade em riste
a nulidade de todas as próximas paragens
navego para o cimo
tombo na claridade simples
e os objectos atiram suas faces
e na minha língua o sol trepida
Melhor que beber vinho é mais claro
ser no olhar o próprio olhar
a maravilha é este espaço aberto
a rua
um grito
a grande toalha do silêncio verde
António Ramos Rosa
Imagem retirada do Google
segunda-feira, novembro 14, 2011
Esta tarde
Esta tarde chove
sobre todos os meus mortos.
Gosto de pensar
que cada um deles está feliz
por exemplo
no coração de uma rosa.
Manuel Filipe, in"O Rosto Remoto", pág.38
Foto:Eli
sábado, novembro 12, 2011
quinta-feira, novembro 10, 2011
Navegava no navio da matéria
Navegava no navio da matéria
a melodia da sede cintilava
sob o pólen branco do silêncio
Sobre o veludo unânime das veias
viu as corolas e os cálices dos fósseis
os pássaros de seiva
os diamantes de musgo
a voluptosa água da semelhança viva
O cristal da concha mais secreta
era negro sob a sombra ferida
e verde
e a sua língua era uma chama branca
aberta como um livro
Abeirou-se de uma crespa cabeleira negra
entre sumptuosas luas
viu as sinuosas artérias entre as asas de areia
a oscilação rítmica de um ventre
como uma lisa viola de coral
e bebeu a espessa água da profunda floresta
Na sua sede extrema na sua fragilidade pura
acariciava os veios dos astros vegetais
o flutuante tronco primaveril e arcaico
em que lábios adormecidos se ofereciam
num cálido sopro polvilhado de pólen
Era uma ânfora na duna era um barco fendido
de cintilante mercúrio
era uma ilha de pálpebras
uma mulher de flancos de nascente
e de câmaras de verdura
era a lenta pátria da terra o continente azul
do silêncio do nascimento solar
para adormecer sem espelhos
aos rés do horizonte
António Ramos Rosa
Imagem retirada do Google
terça-feira, novembro 08, 2011
Palavras
Há palavras mais audíveis
do que gritos:
-São as lágrimas
convertidas em palavras
murmuradas pelos lábios
dos aflitos.
Manuel Filipe, in"O Rosto Remoto", pág.39
Imagem retirada do Google
domingo, novembro 06, 2011
sexta-feira, novembro 04, 2011
À noite ser (materiais para confeção de um espanador de tristezas)
Dedos quietos que crescem
pele nua
brincadeiras como o amor
pêndulo solto de sonhos
lógicas sacudidas
olhar de só-assim
modos de chegar como sementes
manobras de artesão contra o ego
desafio do «eu»
nudez de pele
de mãos
e (sob os teus olhos)
invenção de um sólido espanador de tristeza.
Ondjaki
Foto:Yuri Bonder
quarta-feira, novembro 02, 2011
Sem título
Canto amor o que dos meus lábios
não sai.
Música? Talvez.
Canto amor:o silêncio precoce
do eco;
a futura saudade de nada.
Triste aventurada manhã
por nascer.
São aqui os meus braços;
a minha volta de mim.
Paula Raposo, in"Insubmissa", pág.21, Chiado Editora
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