terça-feira, junho 16, 2015

Poesia



Se todo o ser ao vento abandonamos
E sem medo nem dó nos destruímos,
Se morremos em tudo o que sentimos
E podemos cantar, é porque estamos
Nus em sangue, embalando a própria dor
Em frente às madrugadas do amor.
Quando a manhã brilhar refloriremos
E a alma possuirá esse esplendor
Prometido nas formas que perdemos.

Aqui, deposta enfim a minha imagem,
Tudo o que é jogo e tudo o que é passagem.
No interior das coisas canto nua.

Aqui livre sou eu — eco da lua
E dos jardins, os gestos recebidos
E o tumulto dos gestos pressentidos
Aqui sou eu em tudo quanto amei.

Não pelo meu ser que só atravessei,
Não pelo meu rumor que só perdi,
Não pelos incertos atos que vivi,

Mas por tudo de quanto ressoei
E em cujo amor de amor me eternizei.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Imagem retirada do Google

2 comentários:

Fatyly disse...

Este poema é genial e mostra bem a dimensão de "liberdade, sem amarras, olhar o seu eu e o além sem fim" como só ela o sabia fazer tão bem.

Gostei imenso de reler e vou de baterias carregadas para a minha tarefa:):)

Beijocas e um bom dia

Anónimo disse...

Como é que uma génio da poesia conseguiu dar à luz um bronco?? A vida tem mesmo imensos mistérios.

Beijinhos.