terça-feira, maio 31, 2011
Não canto porque sonho
Não canto porque sonho.
Canto porque és real.
Canto o teu olhar maduro,
O teu sorriso puro,
A tua graça animal.
Canto porque sou homem.
Se não cantasse seria
somente um bicho sadio
embriagado na alegria
da tua vinha sem vinha.
Canto porque o amor apetece.
Porque o feno amadurece
nos teus braços deslumbrados.
Porque o meu corpo estremece
Por vê-los nus e suados.
Eugénio de Andrade
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segunda-feira, maio 30, 2011
Para um amigo tenho sempre um relógio
Para um amigo tenho sempre um relógio
esquecido em qualquer fundo de algibeira.
Mas esse relógio não marca o tempo inútil.
São restos de tabaco e de ternura rápida.
é um arco-irís de sombra, quente e trémulo.
É um copo de vinho com o meu sangue e o sol.
António Ramos Rosa
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sábado, maio 28, 2011
quinta-feira, maio 26, 2011
Até amanhã
Sei agora como nasceu a alegria,
como nasce o vento entre barcos de papel,
como nasce a água ou o amor
quando a juventude não é uma lágrima.
É primeiro só um rumor de espuma
à roda do corpo que desperta,
sílaba espessa, beijo acumulado,
amanhecer de pássaros no sangue.
É subitamente um grito,
um grito apertado nos dentes,
galope de cavalos num horizonte
onde o mar é diurno e sem palavras.
Falei de tudo quanto amei.
De coisas que te dou para que tu as ames comigo:
a juventude, o vento e as areias.
Eugénio de Andrade
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terça-feira, maio 24, 2011
Carta de condução
Já tive um carro da cor dos teus olhos. Deixava-o
estacionado à frente de prostíbulos onde alugava
quartos com vista sobre o quintal dos vizinhos,
Esperava por semáforos, sem saber que esperava
apenas por ti. No auto-rádio, a tua voz cantava
fados demasiado velhos até para a minha mãe.
A segunda circular era uma manifestação pacífica
de pára-brisas, as palavras de ordem eram simples
porque ainda não sabia que já me tinhas escolhido.
Quando os outros rapazes folheavam revistas de
carros nas aulas de matemática, eu apenas me
interessava por unicórnios e farmácias abandonadas.
Agora os meus olhos contam quilómetros nos teus,
procuro papéis entre os papéis do guarda-luvas e
tenho tanto medo que me vendas em segunda mão.
José Luís Peixoto
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segunda-feira, maio 23, 2011
Cadernos de Lanzarote
"Privatize-se tudo, privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e
o ar, privatize-se a justiça e a lei, privatize-se a nuvem que passa,
privatize-se o sonho, sobretudo se for diurno e de olhos abertos. E
finalmente, para florão e remate de tanto privatizar, privatizem-se os
Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas
privadas, mediante concurso internacional. Aí se encontra a salvação
do mundo... e, já agora, privatize-se também a puta que os pariu a
todos."
José Saramago - Cadernos de Lanzarote - Diário III - pag. 148
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sábado, maio 21, 2011
Teoria das marés
Calidamente nua,
sob o vestido leve,
tua carne flutua
no desejo que teve.
Timidamente nua,
revelas, num olhar,
em minhas mãos a lua
que te fez oscilar.
David Mourão-Ferreira
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quinta-feira, maio 19, 2011
Deriva (VIII)
Vi as águas os cabos vi as ilhas
E o longo baloiçar dos coqueirais
Vi lagunas azuis como safiras
Rápidas aves furtivos animais
Vi prodígios espantos maravilhas
Vi homens nus bailando nos areais
E ouvi o fundo som das suas falas
Que nenhum de nós entendeu mais
Vi ferros e vi setas e vi lanças
Oiro também à flor das ondas finas
E o diverso fulgor de outros metais
Vi pérolas e conchas e corais
Desertos fontes trémulas campinas
Vi o rosto de Eurydice das neblinas
Vi o frescor das coisas naturais
Só do Preste João não vi sinais
As ordens que levava não cumpri
E assim contando tudo quanto vi
Não sei se tudo errei ou descobri
Sophia de Mello Breyner Andresen
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terça-feira, maio 17, 2011
Quase nada
O amor
é uma ave a tremer
nas mãos de uma criança.
Serve-se de palavras
por ignorar
que as manhãs mais limpas
não têm voz.
Eugénio de Andrade
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domingo, maio 15, 2011
Escrevo-te com o fogo e com a água
Escrevo-te com o fogo e a água. Escrevo-te
no sossego feliz das folhas e das sombras
Escrevo-te quando o saber é sabor, quando tudo é surpresa.
Vejo o rosto escuro da terra em confins indolentes.
Estou perto e estou longe num planeta imenso e verde.
o que procuro é um coração pequeno, um animal
perfeito e suave. Um fruto repousado,
uma forma que não nasceu, um torso ensanguentado,
uma pergunta que não ouvi no inanimado,
um arabesco talvez de mágica leveza.
Quem ignora o sulco entre a sombra e a espuma?
Apaga-se um planeta, acende-se uma árvore.
As colinas inclinam-se na embriaguez dos barcos.
O vento abriu-me os olhos, vi as folhagens do céu,
o grande sopro imóvel da primavera efémera.
António Ramos Rosa
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sexta-feira, maio 13, 2011
Blogger indisponível
Há dois dias que o blogger está indisponível.
Lamento a quem comentou o último post, que ficou sem os seus comentários.
Lamento a quem comentou o último post, que ficou sem os seus comentários.
quinta-feira, maio 12, 2011
quarta-feira, maio 11, 2011
Como é que
Como é que eu,
ouvindo tão mal, distingo
o teu andar desde o princípio do corredor?
Como é que eu,
vendo tão pouco, sei
que és tu chegas, conforme a luz?
Como é que eu,
de mãos tão ásperas, desenho
a tua cara mesmo tão longe dela?
Onde está
tudo o que sei de ti
sem nunca ter aprendido nada?
Serei ainda capaz
de descobrir a palavra
que larga o teu rasto na janela?
(Que seria de nós
se nos roubassem os pontos de interrogação?)
Mário Castrim
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terça-feira, maio 10, 2011
Vertentes
As palavras esperam o sono
e a música do sangue sobre as pedras corre
a primeira treva surge
o primeiro não a primeira quebra
A terra em teus braços é grande
o teu centro desenvolve-se como um ouvido
a noite cresce uma estrela vive
uma respiração na sombra o calor das árvores
Há um olhar que entra pelas paredes da terra
sem lâmpadas cresce esta luz de sombra
começo a entender o silêncio sem tempo
a torre estática que se alarga
A plenitude animal é o interior de uma boca
um grande orvalho puro como um olhar
Deslizo no teu dorso sou a mão do teu seio
sou o teu lábio e a coxa da tua coxa
sou nos teus dedos toda a redondez do meu corpo
sou a sombra que conhece a luz que a submerge
a luz que sobe entre
as gargantas agrestes
deste cair na treva
abre as vertentes onde
a água cai sem tempo
António Ramos Rosa
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segunda-feira, maio 09, 2011
Paisagem
Desejei-te pinheiro à beira-mar
para fixar o teu perfil exacto.
Desejei-te encerrada num retrato
para poder-te contemplar.
Desejei que tu fosses sombra e folhas
no limite sereno desta praia.
E desejei: "Que nada me distraia
dos horizontes que tu olhas!"
Mas frágil e humano grão de areia
não me detive à tua sombra esguia.
Insatisfeito, um corpo rodopia
na solidão que te rodeia.
David Mourão-Ferreira
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sábado, maio 07, 2011
Coração habitado
Aqui estão as mãos.
São os mais belos sinais da terra.
Os anjos nascem aqui:
frescos, matinais, quase de orvalho,
de coração alegre e povoado.
Ponho nelas a minha boca,
respiro o sangue, o seu sangue, o seu rumor branco,
aqueço-as por dentro, abandonadas
nas minhas, as pequenas mãos do mundo.
Alguns pensam que são as mãos de deus
- eu sei que são as mãos de um homem,
trémulas barcaças onde a água,
a tristeza e as quatro estções
penetram, indiferentemente.
Não lhes toquem: são amor e bondade.
Mais ainda: cheiram a madressilva.
São o primeiro homem, a primeira mulher.
E amanhece.
Eugénio de Andrade
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sexta-feira, maio 06, 2011
Va pensiero ...
Aconteceu no mês passado e foi um momento inesquecível. Riccardo Muti acabara de reger o célebre coro dos escravos, Va pensiero, do terceiro acto de Nabucco, e o público do Teatro da Ópera de Roma, aplaudia incessantemente e bradava bis! (Cabe lembrar que, para além de sua intrínseca beleza, que é inexcedível, o VA PENSIERO foi também uma espécie de hino informal dos patriotas do Risorgimento e daí o enorme apelo emocional que preservou entre os italianos.) Que faz, então, Ricardo Mutti? Volta-se para a plateia e, depois de recordar o significado patriótico do Va pensiero, pede ao público presente que o cante agora, com a orquestra e o coro do teatro, como manifestação de protesto patriótico contra a ameaça de morte contida nos planeados cortes do orçamento da Cultura. Lá como cá, os governantes, DESPREZAM a Cultura...
É este o link do vídeo que registou este acontecimento memorável:
http://youtu.be/G_gmtO6JnRs
Va Pensiero
Va', pensiero, sull'ali dorate.
Va', ti posa sui clivi, sui coll,
ove olezzano tepide e molli
l'aure dolci del suolo natal!
Del Giordano le rive saluta,
di Sionne le torri atterrate.
O mia Patria, sì bella e perduta!
O membranza sì cara e fatal!
Arpa d'or dei fatidici vati,
perché muta dal salice pendi?
Le memorie del petto riaccendi,
ci favella del tempo che fu!
O simile di Solima ai fati,
traggi un suono di crudo lamento;
o t'ispiri il Signore un concento
che ne infonda al patire virtù
che ne infonda al patire virtù
al patire virtù!
Da ópera Nabucco de Verdi
Vai, pensamento, sobre as asas douradas
Vai, e pousa sobre as encostas e as colinas
Onde os ares são tépidos e macios
Com a doce fragrância do solo natal!
Saúda as margens do Jordão
E as torres abatidas do Sião.
Oh, minha pátria tão bela e perdida!
Oh lembrança tão cara e fatal!
Harpa dourada de desígnios fatídicos,
Porque choras a ausência da terra querida?
Reacende a memória no nosso peito,
Fala-nos do tempo que passou!
Lembra-nos o destino de Jerusalém.
Traz-nos um ar de lamentação triste,
Ou o que o senhor te inspire harmonias
Que nos infundam a força para suportar o sofrimento.
PS:Recebido por email.
PS2:Desligar o som do blog no lado direito.
É este o link do vídeo que registou este acontecimento memorável:
http://youtu.be/G_gmtO6JnRs
Va Pensiero
Va', pensiero, sull'ali dorate.
Va', ti posa sui clivi, sui coll,
ove olezzano tepide e molli
l'aure dolci del suolo natal!
Del Giordano le rive saluta,
di Sionne le torri atterrate.
O mia Patria, sì bella e perduta!
O membranza sì cara e fatal!
Arpa d'or dei fatidici vati,
perché muta dal salice pendi?
Le memorie del petto riaccendi,
ci favella del tempo che fu!
O simile di Solima ai fati,
traggi un suono di crudo lamento;
o t'ispiri il Signore un concento
che ne infonda al patire virtù
che ne infonda al patire virtù
al patire virtù!
Da ópera Nabucco de Verdi
Vai, pensamento, sobre as asas douradas
Vai, e pousa sobre as encostas e as colinas
Onde os ares são tépidos e macios
Com a doce fragrância do solo natal!
Saúda as margens do Jordão
E as torres abatidas do Sião.
Oh, minha pátria tão bela e perdida!
Oh lembrança tão cara e fatal!
Harpa dourada de desígnios fatídicos,
Porque choras a ausência da terra querida?
Reacende a memória no nosso peito,
Fala-nos do tempo que passou!
Lembra-nos o destino de Jerusalém.
Traz-nos um ar de lamentação triste,
Ou o que o senhor te inspire harmonias
Que nos infundam a força para suportar o sofrimento.
PS:Recebido por email.
PS2:Desligar o som do blog no lado direito.
quinta-feira, maio 05, 2011
Bloco intacto
Abrindo a álea
vertical sobre o vértice do instante
sem frenesim mas denso de
todo o sangue que me enche no silêncio desta álea
caminho para ti
lenta lentamente a densa bola sobre o jacto de água dança
e eu sou jorro de água eu sou a bola em equilíbrio
a permanente coroa branca efervescente branca
na tranquila anónima macia dourada suburbana álea
a sede deste instante não se rasga
é um grande bloco intacto que se desloca
para a minha eternidade
a iminência de ti é a boca já feliz a árvore que estala em
[cada poro a seiva
a parede de água que contenho a porta doce e clandestina
a porta que desliza
e é então que
no espaço da vertigem
em ti me uno à sede e das raízes subo
e pelas raízes sou.
António Ramos Rosa
Imagem retirada do Google
terça-feira, maio 03, 2011
A borboleta azul
No alegre sol de então
De uma manhã de amor,
A borboleta solta no fulgor
Da luz, lembrava um leve coração.
Ia e vinha e a voar
Gentil e trêfega, azul,
Sonoramente a percorrer pelo ar,
Como um silfo tenuíssimo e taful.
Sobre os frescos rosais
Pousava débil, sutil,
Doirando tudo de um risonho abril
Feito de beijos e de madrigais.
Que doce embriaguez
O vôo assim seguir
Da borboleta azul, correndo, a vir
Do espaço pela Etérea candidez!
Fazendo, tal e qual,
O mesmo giro assim,
O mesmo vôo límpido, sem fim,
Nos mundos virgens de qualquer ideal.
Ir como ela também
Em busca das loucas
E tropicais e fulgidas manhãs
Cheias de colibris e sol, além...
Ir com ela na luz
De mundos através,
Sem abrolhos nas mãos, cardos nos pés,
Ó alma, minha, que alegria a flux!...
No alegre sol de então
De uma manhã de amor
A borboleta solta no fulgor
Da luz, lembrava um leve coração.
Cruz e Sousa
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segunda-feira, maio 02, 2011
Inúmera
Que é daquela ribeira que reablita a pedra
Que é daquela cidade que dissolve o ciúme
Rasgavam-se crateras E eu à tua espera
Por entre as mãos do vento rolava um alaúde
As noivas dos abetos vestiram-se de luto
As aias dos abutres caminhavam de rojo
Das trinta e nove amantes que me roubaram tudo
trezentas e noventa desfizeram-se em lodo
Volver as noves musas em noventa viúvas
é aliás tão fácil tão fácil que arrepia
Basta acender um zero depois de cada uma
e mergulhar os braços num poço de neblina
É de lá que ressurge negando a aritmética
de lágrimas coberta de lágrimas tão nua
Ah pensar que podias ter sido a quadragésima
És afinal a única És talvez a inúmera
David Mourão-Ferreira
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domingo, maio 01, 2011
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