quarta-feira, julho 26, 2006

Dádiva



Não me peçam palavras melífluas
quando apenas a sonora gargalhada
me irrompe do peito como pedra lascada
nem sorrisinhos de catálogo de moda
quando o mijar numa esquina da cidade
é um acto poético e cheira a vida
não me peçam gestos simétricos e convencionais
quando um cosmopolítico manguito
abarca toda a náusea
de Bordalo a Pasolini
Não me peçam nunca aquilo que vós quereis
porque eu dou apenas aquilo que possuo
e que é esta raiva enorme de cuspir
esta feroz vontade de gritar
e o sexo amplo enorme e predisposto
a fertilizar o amor em todas as esquinas
peçam-me a mim
nada mais
e dar-vos-ei tudo o que possuo
o suor o sangue o sexo
EU
e comigo dar-vos-ei o homem primitivo
o que recusa a civilização do marketing
o que caga nas gravatas dos public-relations
mas que aposta no futuro único do
CRESCEI E MULTIPLICAI-VOS
Sim peçam-me a mim
Tomai e comei

ESTE É O MEU CORPO

Fernando Peixoto

Foto:Solatges Irina

3 comentários:

Raquel Vasconcelos disse...

Um beijinho agradecido pelos parabéns :)

E o blog continua com excelentes escolhas! Já me sinto a repetir-me, essa é a verdade. Mas mais uma vez gostei da força deste em que coloco o comentário.

Possante!


Bjs

Cristina disse...

Outra escolha linda
:)
beijinhu

Anónimo disse...

Belo poema, gosto muito do Fernando Peixoto. Já agora, parabéns pela música, excelente escolha, adoro o "Black velvet Band".