segunda-feira, dezembro 31, 2007

Despedida humorística

Ontem, em conversa com amigos e sobre o que as pessoas dizem ou fazem durante o sexo, fiquei a saber que há quem goste de dizer palavrões durante o acto e outros que não gostam. Como sou uma rapariga que sempre foi boa com as palavras e que gosta de partilhar conhecimentos, deixo-vos aqui umas alternativas eruditas aos palavrões sexuais para usarem em 2008 abundantemente! :)

Adoro o teu car****!

---> Adulo o teu órgão genital!

Estou com tes**!

---> Tenho o meu membro distendido!

Apalpa-me as mamas!

---> Indaga-me os meus órgãos glandulares proeminentes!

Quero-te comer o c*!

---> Desejo saborear o teu pódice!

Posso fazer-te um b*****?

---> - Permites-me linguarejar o teu falo?

---> - Autorizas-me a musicar a tua gaita?

Vou-te fazer um m*****!

---> Vou sorver o interior dos teus lábios inferiores!

Anda cá dar o teu naco!

---> Devota-me a tua vagina!

F***-me

---> Por favor, podes perscrutar-me?

---> Vamos copular?

---> Vamos unir o meu membro erecto na elasticidade das tuas paredes vaginais?

Espor**-me!

- Deixa-me ser o receptáculo do teu esperma!

E pronto, depois deste post, penso que o meu blogue vai ser bloqueado pela maioria dos filtros electrónicos... Despeço-me de 2007 com muita amorizade e desejo-vos um ano de 2008 muito erudito a nível sexual, pelo menos! Usem uma cábula para não se esquecerem dos termos! E sejam felizes!

Originalmente publicado no amorizade

Pablo Neruda - "Me gustas cuando callas..." en su voz



Me gustas cuando callas porque estás como ausente,
y me oyes desde lejos, y mi voz no te toca.
Parece que los ojos se te hubieran volado
y parece que un beso te cerrara la boca.

Como todas las cosas están llenas de mi alma
emerges de las cosas, llena del alma mía.
Mariposa de sueño, te pareces a mi alma,
y te pareces a la palabra melancolía.

Me gustas cuando callas y estás como distante.
Y estás como quejándote, mariposa en arrullo.
Y me oyes desde lejos, y mi voz no te alcanza:
déjame que me calle con el silencio tuyo.

Déjame que te hable también con tu silencio
claro como una lámpara, simple como un anillo.
Eres como la noche, callada y constelada.
Tu silencio es de estrella, tan lejano y sencillo.

Me gustas cuando callas porque estás como ausente.
Distante y dolorosa como si hubieras muerto.
Una palabra entonces, una sonrisa bastan.
Y estoy alegre, alegre de que no sea cierto.

Pablo Neruda

Pedras Antárticas



Ali termina tudo
e não termina:
ali começa tudo
se despedem os rios no gelo,
o ar se há casado com a neve,
não há ruas nem cavalos
e o único edifício
o construiu a pedra.
Ninguém habita o castelo
nem as almas perdidas
que frio e vento frio
amedrontaram:
é sozinha ali a solidão do mundo,
e por isso a pedra
se fez música,
elevou suas delgadas estaturas,
se levantou para gritar ou cantar,
porém ficou muda.
Só o vento,
o açoite
do Pólo Sul que assobia,
só o vazio branco
e um som de pássaro de chuva
sobre o castelo da solidão.

Pablo Neruda

Foto:Nassos Zambaras

domingo, dezembro 30, 2007

No fim



Creio que não sobreviverás
à face cruel da lua.
Digo-te pelos lábios exangues,
pela dorida palidez da pele nua;

Pelos olhos, livres como espíritos:
-Negam-se a outros olhos;
Fogem para prados muito verdes
e só eles os podem suportar.
Fixam-se para lá de mim,
Trespassam-me como uma lágrima.

Sem estertores, o corpo tenso
estaria leve, liberto enfim.
Respiras?
Um fio cortado
frágil, cansado,
hora após hora.
Finas-te em areia.

O mundo desabava agora:
-Triunfante e desolada,
a morte tudo rodeia.

Manuel Filipe, in "Poemas de Manuel Filipe", pág.75, Edições do Autor

Foto:Miriana .

Dos nossos males


A nós bastem nossos próprios ais,
Que a ninguém sua cruz é pequenina.
Por pior que seja a situação da China,
Os nossos calos doem muito mais...

Mário Quintana

Foto:Marcin Filipowicz

Um dia



Um dia eu vou fazer um romance
com as histórias da minha rua
antes de se chamar Silva Porto
e os pretos irem embora.
Vai entrar a lua e meninos sem cor
a Domingas quitata, o sô Floriano do talho
com muita mistura de amor
e muito suor de trabalho.
Vou meter as cabras e os cães vadios da velha Espanhola
os batuques da Cidrália e dos Invejados,
os batalhões do "Treze" e do "Setenta e Quatro",
o bêbado Rebocho, o velho Salambio',
a Joana Maluca da garotada,
cajueiros, cubatas, lixeiras,
capim e piteiras,
e mesmo no fim da história,
quando os homens estão desesperados
e as fardas passam em fila,
acendo um sol de Fevereiro,
semeio algumas esperanças
e parto com o meu veleiro
a dar uma volta ao Mundo!

António Cardoso (Angola)

Imagem daqui

Dois poemas



Em que idioma te direi
este amor sem nome
que é servo e rei?

Como o direi?
Como o calarei?

*

É como se a noite se molhasse
repentinamente, quando choras.
É como se o dia se demorasse,
quando te espero e tu te demoras.

Albano Martins

"Sacado" à Gi, um blog onde se enche a alma.

Foto:Stefan Beutler

sábado, dezembro 29, 2007

Bagagem



Ninguém recomeça esquecendo o que foi,
Nenhum caminho é raso, chão.
Carrega-se nas costas o peso da vida,
O zero, é mera ilusão.
E a cada recomeço a bagagem mais pesada,
Atrasa o passo,arrasta o caminhar.
Fecha o horizonte de quem carrega na bagagem,
A certeza e o medo, de voltar a errar.
Ninguém recomeça esquecendo o que foi,
Esquecendo o motivo do recomeçar.

Encandescente, in "Bestiário", pág.12, Edições Polvo

Foto:Haleh Bryan

Este inferno de amar !



Este inferno de amar — como eu amo!
Quem mo pôs aqui n’alma… quem foi?
Esta chama que alenta e consome,
Que é a vida — e que a vida destrói —
Como é que se veio a atear,
Quando — ai quando se há-de ela apagar?
Eu não sei, não me lembra; o passado,
A outra vida que dantes vivi
Era um sonho talvez… — foi um sonho —
Em que paz tão serena a dormi!
Oh! que doce era aquele sonhar…
Quem me veio, ai de mim! despertar?

Só me lembra que um dia formoso
Eu passei… dava o Sol tanta luz!
E os meus olhos, que vagos giravam,
Que fez ela? Eu que fiz? — Não não sei
Mas nessa hora a viver comecei…

Almeida Garrett

Foto:Grzegorz Szczerbaciuk

A volta da mulher morena



Meus amigos, meus irmãos, cegai os olhos da mulher morena
Que os olhos da mulher morena estão me envolvendo
E estão me despertando de noite.
Meus amigos, meus irmãos, cortai os lábios da mulher morena
Eles são maduros e úmidos e inquietos
E sabem tirar a volúpia de todos os frios.
Meus amigos, meus irmãos, e vós que amais a poesia da minha alma
Cortai os peitos da mulher morena
Que os peitos da mulher morena sufocam o meu sono
E trazem cores tristes para os meus olhos.
Jovem camponesa que me namoras quando eu passo nas tardes
Traze-me para o contato casto de tuas vestes
Salva-me dos braços da mulher morena
Eles são lassos, ficam estendidos imóveis ao longo de mim
São como raízes recendendo resina fresca
São como dois silêncios que me paralisam.
Aventureira do Rio da Vida, compra o meu corpo da mulher morena
Livra-me do seu ventre como a campina matinal
Livra-me do seu dorso como a água escorrendo fria.
Branca avozinha dos caminhos, reza para ir embora a mulher morena
Reza para murcharem as pernas da mulher morena
Reza para a velhice roer dentro da mulher morena
Que a mulher morena está encurvando os meus ombros
E está trazendo tosse má para o meu peito.
Meus amigos, meus irmãos, e vós todos que guardais ainda meus [últimos cantos
Dai morte cruel à mulher morena!

Vinícius de Moraes

Foto:Sascha Hüttenhain

A uma mulher amada



Ditosa que ao teu lado só por ti suspiro!
Quem goza o prazer de te escutar,
quem vê, às vezes, teu doce sorriso.
Nem os deuses felizes o podem igualar.

Sinto um fogo sutil correr de veia em veia
por minha carne, ó suave bem-querida,
e no transporte doce que a minha alma enleia
eu sinto asperamente a voz emudecida.

Uma nuvem confusa me enevoa o olhar.
Não ouço mais. Eu caio num langor supremo;
E pálida e perdida e febril e sem ar,
um frêmito me abala... eu quase morro ... eu tremo.

Safo

Foto:Elena Vasilieva

Fragmentos de um Diário



Amo
as águas no instante em que não são do rio
Nem pertencem ainda ao mar.....
.....árduas planícies rosto incendiado pesando-me
nos ombros
hirto....tatuado no entardecer de magoada cocaína.....

.....leio baixinho aquele poema Eu de Belaflor
nocturna sombra de corpo embriagado
fogos por descuido acesos no húmido leito dos juncos...
...altíssima margem....inacessível noite de Florbela

e o soneto dizia: Sou aquela que passa e ninguém vê
sou a que chamam triste sem o ser
sou a que chora sem saber porquê

...apesar de tudo conheço bem este rio
e o cuspo diáfano do coral o sono letárgico
dos reduzidos seres marinhos esmagados
na pressa do mar...possuo este resíduo de vida estelar
gravada na pele está a cabeça de medusa loura....dói
nas comissuras penumbrosas das falésias
que me evocam
os ternos lábios das grandes bocas fluviais.....

...sinto o rigor das plantas erectas as vozes esparsas
os corpos de ouro enleados na violência das maresias....
...junto à foz de meu inseguro desaguar...continuo sentado
escrevo a desordem urgente das horas...medito-me
cuidadosamente o tabaco amargo pressente-te na garganta
e no fundo inóspito do corpo desenvolve-se
o desejo de fugir....
.... espero o cortante sal-gema das ilhas.....a ilusão
conseguir prolongar-me na secreta noite dos peixes....
...adormeço enfim
para que estes dias aconteçam mais lentos
nas proximidades inalteráveis deste mar....

Al Berto

Foto:Albinas Balzekas

A rua dos Cataventos



Da vez primeira em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.

Hoje, dos meu cadáveres eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada.
Arde um toco de Vela amarelada,
Como único bem que me ficou.

Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!
Pois dessa mão avaramente adunca
Não haverão de arracar a luz sagrada!

Aves da noite! Asas do horror! Voejai!
Que a luz trêmula e triste como um ai,
A luz de um morto não se apaga nunca!

Mario Quintana

Imagem daqui

sexta-feira, dezembro 28, 2007

Do amoroso esquecimento



Eu agora - que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?

Mário Quintana

Foto:Paul Dzik

O malandro arrependido



Ela tinha uma cintura bem torneada
cadeiras cheias
e caçava os machos nos arredores da Madeleine.
pelo seu jeito de me dizer: Meu anjo
te apeteço?
eu vi logo que se tratava de uma debutante.

Ela tinha talento, é verdade, eu o confesso.
Ela tinha gênio,
mas sem técnica um dom não é nada.
Certamente não é tão fácil ser puta como ser freira,
pelo menos é o que se reza em latim na Sorbonne.

Sentindo-me cheio de piedade pela donzela
ensinei-lhe os pequenos truques de sua profissão
e ensinei-lhe os meios para fazer logo fortuna
rebolando o lugar onde as costas se assemelham à lua,

Porque na arte de fazer o trottoir, confesso,
o difícil é saber mexer bem a bunda.
Não se mexe a bunda da mesma maneira
para um farmacêutico, um sacristão, um funcionário.

Rapidamente instruída por meus bons ofícios
ela cedeu-me uma parte de seus benefícios.
Ajudavamo-nos mutuamente, como diz o poeta:
ela era o corpo, naturalmente, e eu a cabeça.

Quando a coitada voltava para casa sem nada
dava-lhe umas porradas mais do que com razão.
Será que ela se lembra ainda do bidê com
que lhe rachei o crânio?

Uma noite, por causa de manobras duvidosas
ela caiu vítima de uma doença vergonhosa,
então, amigavelmente, como uma moça honesta
passou-me a metade de seus micróbios.

Depois de dolorosas injeções de antibióticos
desisti da profissão de cornudo sistemático.
Não adiantou que ela chorasse e gritasse feita louca
e, como eu era apenas um canalha, fiz-me honesto.

Privado logo de minha tutela, minha pobre amiga,
correu a suportar as infâmias do bordel.
Dizem que ela se vendeu até aos tiras!
Que decadência!
Já não existe mais moralidade pública
na nossa França!

Georges Brassens

Foto:Rene Asmussen

As últimas vontades



Deixa ficar a flor,
a morte na gaveta,
o tempo no degrau.
Conheces o degrau:
o sétimo degrau
depois do patamar;
o que range ao passares;
o que foi esconderijo
do maço de cigarros
fumado às escondidas...
Deixa ficar a flor.
E nem murmures.Deixa
o tempo no degrau,
a morte na gaveta.
Conheces a gaveta:
a primeira da esquerda,
que se mantém fechada.
Quem atirou a chave
pela janela fora?
Na batalha do ódio,
destruam-se,fechados,
sem tréguas,os retratos!
Deixa ficar a flor.
A flor? Não a conheces.
Bem sei.Nem eu.Ninguém.
Deixa ficar a flor.
Não digas nada.Ouve.
Não ouves o degrau?
Quem sobe agora a escada?
Como vem devagar!
Tão devagar que sobe...
não digas nada.Ouve:
é com certeza alguém,
alguém que traz a chave.
Deixa ficar a flor.

David Mourão Ferreira

Foto:Peter M Catino

quinta-feira, dezembro 27, 2007

Benazir Bhutto assassinada



Aqui.

Sempre o esperei, mas lamento.

Estigma



Filhos dum deus selvagem e secreto
E cobertos de lama, caminhamos
Por cidades,
Por nuvens
E desertos.
Ao vento semeamos o que os homens não querem.
Ao vento arremessamos as verdades que doem
E as palavras que ferem.
Da noite que nos gera, e nós amamos,
Só os astros trazemos.
A treva ficou onde
Todos guardamos a certeza oculta
Do que nós não dizemos,
Mas que somos.

Ary dos Santos

Foto:Piotr Kowalik

Faith Hill - Somewhere over the rainbow



Somewhere over the rainbow
Way up high
There's a land that I heard of
Once in a lullaby

Somewhere over the rainbow
Skies are blue
And the dreams that you dare to dream
Really do come true

Some day I'll wish upon a star
And wake up where the clouds are far behind me
Where troubles melt like lemondrops
Away above the chimney tops
That's where you'll find me

Somewhere over the rainbow
Bluebirds fly
Birds fly over the rainbow
Why then, oh why can't I?
Some day I'll wish upon a star
And wake up where the clouds are far behind me
Where troubles melt like lemondrops
Away above the chimney tops
That's where you'll find me

Somewhere over the rainbow
Bluebirds fly
Birds fly over the rainbow
Why then, oh why can't I?

If happy little bluebirds fly
Beyond the rainbow
Why, oh why can't I?



Foto:Adam Burton

Amar!



Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui... além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente...
Amar! Amar! E não amar ninguém!

Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!

E se um dia hei-se ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...

Florbela Espanca

Foto:Elena Vasilieva

Súplica



Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.

Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.

Miguel Torga

Foto:Rakesh Syal

quarta-feira, dezembro 26, 2007

Desperta-me de noite



Desperta-me de noite
o teu desejo
na vaga dos teus dedos
com que vergas
o sono em que me deito

É rede a tua língua
em sua teia
é vício as palavras
com que falas

A trégua
a entrega
o disfarce

E lembras os meus ombros
docemente
na dobra do lençol que desfazes

Desperta-me de noite
com o teu corpo
tiras-me do sono
onde resvalo

E eu pouco a pouco
vou repelindo a noite
e tu dentro de mim
vai descobrindo vales.

Maria Teresa Horta

Foto:Haleh Bryan

Inicial



O dia não é hora por hora.
É dor por dor,
o tempo não se dobra,
não se gasta,
mar, diz o mar,
sem trégua,
terra, diz a terra,
o homem espera.
E só
seu sino
está ali entre os outros
guardando em seu vazio
um silêncio implacável
que se repartirá
quando levante sua língua de metal
onda após onda.

De tantas coisas que tive,
andando de joelhos pelo mundo,
aqui, despido,
não tenho mais que o duro meio-dia
do mar, e um sino.

Eles me dão sua voz para sofrer
e sua advertência para deter-me.
Isto acontece para todo o mundo,
continua o espaço.

E vive o mar.

Existem os sinos.

Pablo Neruda

Foto:Patrick Di Fruscia

Viver sempre também cansa!



O sol é sempre o mesmo e o céu azul
ora é azul, nitidamente azul,
ora é cinzento, negro, quase-verde...
Mas nunca tem a cor inesperada.

O mundo não se modifica.
As árvores dão flores,
folhas, frutos e pássaros
como máquinas verdes.

As paisagens também não se transformam.
Não cai neve vermelha,
não há flores que voem,
a lua não tem olhos
e ninguém vai pintar olhos à lua.

Tudo é igual, mecânico e exacto.

Ainda por cima os homens são os homens.
Soluçam, bebem, riem e digerem
sem imaginação.

E há bairros miseráveis sempre os mesmos,
discursos de Mussolini,
guerras, orgulhos em transe,
automóveis de corrida...

E obrigam-me a viver até à Morte!

Pois não era mais humano
morrer por um bocadinho,
de vez em quando,
e recomeçar depois,
achando tudo mais novo?

Ah! se eu pudesse suicidar-me por seis meses,
morrer em cima dum divã
com a cabeça sobre uma almofada,
confiante e sereno por saber
que tu velavas, meu amor do Norte.

Quando viessem perguntar por mim,
havias de dizer com teu sorriso
onde arde um coração em melodia:
"Matou-se esta manhã.
Agora não o vou ressuscitar
por uma bagatela."

E virias depois, suavemente,
velar por mim, subtil e cuidadosa,
pé ante pé, não fosses acordar
a Morte ainda menina no meu colo...

José Gomes Ferreira "roubado" à Gi.

Foto:Sascha Hüttenhain

O que será



E todos os meu nervos estão a rogar
E todos os meus órgãos estão a clamar
E uma aflição medonha me faz implorar
O que não tem vergonha, nem nunca terá
O que não tem governo, nem nunca terá
O que não tem juízo

O que será que lhe dá
O que será meu nego, será que lhe dá
Que não lhe dá sossego, será que lhe dá
Será que o meu chamego quer me judiar
Será que isso são horas dele vadiar
Será que passa fora o resto da dia
Será que foi-se embora em má companhia
Será que essa criança quer me agoniar
Será que não se cansa de desafiar
O que não tem descanso, nem nunca terá
O que não tem cansaço, nem nunca terá
O que não tem limite

O que será que será
Que dá dentro da gente, que não devia
Que desacata a gente, que é revelia
Que é feito uma aguardente que não sacia
Que é feito estar doente de um folia
Que nem dez mandamentos vão conciliar
Nem todos os unguentos vão aliviar
Nem todos os quebrantos, toda alquimia
E nem todos os santos, será que será
O que não tem governo, nem nunca terá
O que não tem vergonha, nem nunca terá
O que não tem juízo.

Chico Buarque

Foto:Elena Vasilieva

terça-feira, dezembro 25, 2007

Ao encontro do poente



Caminhas ao encontro do poente.

Deixa que a foice da Lua
se abata sobre a pedra ritual,
e que os olhos inquietos se ofereçam os descanso,
como os do cordeiro manso,
que aguarda a escuridão, que é também tua.

Ainda entoas o teu canto, vagamente,
mas um véu negro cai brusco, e crucial,
sufocando, mortal, todos os espaços,
porque serenamente vens da noite,
e, para a noite, se dirigem os teus passos.

Manuel Filipe, in"Tempo de Cinza", pág.59. Apenas Livros

Foto:Cavagna Ottavio

Segredo



A poesia é incomunicável.
Fique torto no seu canto.
Não ame.

Ouço dizer que há tiroteio
ao alcance do nosso corpo.
É a revolução? o amor?
Não diga nada.

Tudo é possível, só eu impossível.
O mar transborda de peixes.
Há homens que andam no mar
como se andassem na rua.
Não conte.

Suponha que um anjo de fogo
varresse a face da terra
e os homens sacrificados
pedissem perdão.
Não peça.

Carlos Drummond de Andrade

Foto:Yuri Bonder

Laminagem



Um país agora este imenso aterro
teve alguma vez colinas e montados
onde o olhar demorava, adormecia
e seguia uma alegria viandante?
Ou gente que chegasse a qualquer mar
de que não quisesse logo fugir?
Só o pastorial decrépito o suspirava.
Teve o que todos tinham, em quantidade escassa,
até cobrir-se de desterro e de ilegais
e em pano de fundo esse lagar
de suicidas e débitos e primeiras segundas gerações.
A farpa de aceitação de quem consome
o sem destino da consciência.
Um país; tornou-se um assassino.
Viverei os poucos verões até morrer
com este mundo de agressão em cerco.
Eu queria outro país, outro lugar
e tenho este infortúnio de leis amarrotadas
que não cumprem nem o violento nem o clandestino.
Um país de acasos,
um parque de campismo selvagem, um cimento apodrecido,
a música de sem abrigos nas estações de metro
enquanto não chegam comboios avariados
às plataformas de arte depredada,
um esboroamento sanguinário.
Até a linguagem me ergueu
me sabe a sarro e a arrabalde.

Não fossem as obrigações que nos garrotam
nos fazem monstros com a lassidão de herbívoros
talvez pudesse ter o interior abandonado
e chegasse a faca do sol e me cortasse
noutra penúria mais serena.
Ainda que me digam que não olhe,
eu vejo. Ainda que me digam faz ginástica
e a depressão desaparece, nada me resolve.
Os ruídos sobem de qualquer lugar,
sintetizadores, martelos, desabamentos
uma percussão alheia a qualquer justiça.
Nenhuma janela que não fale
da construção administrativa dos piores instintos.
Todo o lixo do humano feito sebo
em qualquer lugar. Ainda que me digam
que vivemos em democracia eu digo
que não sei. Nem direitos nem deveres.
Um sem remédio ancestral.
Morreu a casa. Matou-a
o que lhe coube por contemporâneo
contra a placidez. Os autorizados
pelo conluio e pela votação.
Morreu a casa. E o pior
é não poder partir. Os laços
já se juntaram em anestesia. Preso
por outro amor, que não entende,
que não ouve como a casa já morreu.
A alguns vemo-los em qualquer pousio
depois de fecharem as lojas
e nem se sabe o que vemos.
Aos balcões de cafés de azulejo,
com telemóveis pendurados nos cintos
e os cartões de crédito em dente na carteira.
Riem-se e batem nas costas
uns dos outros, entreolham e vigiam
se alguém diverso se aproxima
para largarem uma troça arcaica, e comem
com essa fome dos que não sofreram ainda
inquietações laborais ou crêem que virá
depressa o primeiro emprego.
Ao olhá-los melhor, aos seus afectos
de pessoal especializado em escuras economias
adicionais, vejo-os depois no verão.
Ao deus dará em todos os lugares,
em tendas velhas, em rulotes,
sabe-se lá onde vão cagar. E as mulheres
com os sinais exteriores da aspereza.
E as asas do inverno marítimo
auguram aluimento.

Eu queria que na cabeça parasse
o furor de tudo o que tomba,
a derrota do dia a dia,
mas será sempre o cabide do tempo
quem estende as garras
para nos alhear.
E os e-mail atravessam zonas sem remendo,
choças de tijolo com roupas a secar.
Assim armado o país.
As gentes em catástrofe deslocam-se,
deixam por testemunho o abandono e a inépcia.
Uma a uma, uma paisagem é trucidada.
Inchou a autarquias o país.
Atravessam-no a miséria e algum dinheiro
insolentes.
Um assassino
espreita outro assassino.

Os que destroem agora
podem exigir os torcionários que virão,
pois quem destrói pressente um chefe
e vai servi-lo.
E muitos hão-de sempre ser as vítimas
da liberdade que consente a violência
da violência que não consente a liberdade.
Um assassino o país. Com as suas leis
inúteis, a sua ordem por cumprir.
Só nos resta esperar então morrer?

Joaquim Manuel Magalhães

Foto:Piotr Kowalik

Natal



Natal

Neste caminho cortado
Entre pureza e pecado
Que chamo vida,
Nesta vertigem de altura
Que me absorve e depura
De tanta queda caída,
É que Tu nasces ainda
Como nasceste
Do ventre da Tua mãe.
Bendita a Tua candura.
Bendita a minha também.

Mas se me perco e Te perco,
Quando me afogo no esterco
Do meu destino cumprido,
À hora em que Te rejeito
E sangra e dói no Teu peito
A chaga de eu ter esquecido,
É que Tu jazes por mim
Como jazeste
No colo da Tua mãe.
Bendita a Tua amargura
Bendita a minha também.

Foto:Paul Dzik

Natal de longe



Natal! Natal!
A boca o diz,
A mão o escreve,
O coração já não sente.

Que a emoção,
Vibração
Das asas da fantasia
No voo do pensamento,
Deixou-se ficar parada
Só porque a noite está quente;
Só porque ser indolente
É como parar na estrada
E desistir da jornada,
Sem coragem de voltar
Pelo caminho tão rude!

Natal! Natal!

A doce força que tinha
Devorou-a a latitude.

Reinaldo Ferreira

Foto:G S t e v e

segunda-feira, dezembro 24, 2007

Frank Zappa - He's so gay

Fraco mas forte



Nada na mão
algo na v'rilha
remancho as noites
e troto os dias
entre tabaco
viris bebidas
fraco mas forte
de muitas vidas
(que eu já dormi
co'as duas mães
e as duas filhas
que vão à missa
com três mantilhas)

Nada na mão
algo na v'rilha
sofro comigo
luta intestina
(ao bem ao mal
a mesma alpista)
bebo contigo
cerveja uísqui
p'ra que se veja
mais rubra a crista

Nada na mão
algo na v'rilha
encontro a morte
no meio da vida
morte bonita
nada aflita
(ou é da minha
tão fraca vista?)
e tenho sorte

Nada na mão
algo na v'rilha
invisto contra
o zero puro
da minha vida

e duro, duro!

Alexandre O'Neill

Foto:Cavagna Ottavio

Cântico dos cânticos (trecho)



Quão belos são os teus pés
nas sandálias que trazes, ó filha de príncipe!
As colunas das tuas pernas são como anéis
trabalhados por mãos de artista.
o teu umbigo é uma taça arredondada,
que nunca está desprovida de vinho.
O teu ventre é como um monte de trigo
cercado de lírios.
Os teus dois seios são como dois filhinhos
gêmeos duma gazela.
O teu pescoço é como uma torre de marfim.
Os teus olhos são como as piscinas de Hesebon,
que estão situadas junto da porta de Bat-Rabim.
O teu nariz é como a torre do Líbano,
que olha para Damasco.
A tua cabeça levanta-se como o monte Carmelo;
os cabelos da tua cabeça são como a púrpura
um rei ficou preso às suas madeixas.
Quão formosa e encantadora és,
meu amor, minhas delícias!
A tua figura é semelhante a uma palmeira.
Eu disse. Subirei à palmeira,
e colherei os seus frutos.
Os teus seios serão, para mim, como cachos de uvas,
e o perfume da tua boca como o das maçãs.

Salomão(da Bíblia, Velho Testamento)

Foto:Sascha Hüttenhain

Visto aqui

Como quem escreve com sentimentos



Estou sujeito ao tempo sou este momento
perguntam-me quem fui e permaneço mudo
o tempo poisa-me nos ombros em relento
partiu no vento essa mulher e perdi tudo

Já não virá ninguém por muito que vier
em vão esperei a rosa da minha roseira
quando um pássaro sai dos olhos da mulher
é porque ela é de longe e não da nossa beira

Resta-me um sonho desconexo e desconforme
Na haste da camélia que o vento quebrou
jamais a vida branca como ela dorme
Eu era essa camélia e nunca mais o sou

A minha vida é hoje um sítio de silêncio
a própria dor se estreme é dor emudecida
que não me traga cá notícias nenhum núncio
porque o silêncio é o sinónimo da vida

O mundo para além dessa mulher sobrava
tudo vida vulgar tumultuária e cega
o brilho do olhar equilibrava a chuva
nas suas costas hoje toda a luz se apaga

Mulher que um golpe de ar me pôde arrebatar.
enfim não existia ou só ela existia
Asas que ela tivesse deixou-as queimar
e tê-la-á levado estranha ventania

Daqueles traços fisionómicos de pedra
não quero já ouvir a voz que às vezes vem
na calma destacada por um cão que ladra
Não há ninguém perto de mim sinto-me bem

Cada casa que roço é escura como um poço
se sou alguma coisa sou-o sem saber
sossego solitário sem mistério isso
talvez tivesse sido o que sempre quis ser

As flores vinham nela e era primavera
mas tanto a nomeei e tanto repeti
erros numa estratégia imprópria para ela
tamanho amor expus que cedo a consumi

A noite quando ao fim descer decerto há-de
ser certa solução. Foi há muito a infância
Ao tempo o que tu tens tu bem o sabes cede
estendo as mãos talvez te fique a inocência

A vida é uma coisa a que me habituei
adeus susto e absurdo e sobressalto e espanto
A infância é uma insignificância eu sei
e apenas por a ter perdido a amamos tanto

Estou sozinho e então converso com a noite
das palavras que nos subjugam nos submetem
As coisas passam e em vez delas é aceite
o nosso sistema de signos onde as metem

Esta minha existência assim crepuscular
devida àquela que é rastos destroços restos
acusa hoje alguma intriga consular
de quem não tem cabeça a comandar os gestos

Foi uma rosa rubra a autora desta obra
aberta e arrogante grácil flor do instante
que triunfante não há coisa que não abra
para ferir quem a viu e morrer de repente

E noite sou e sonho e dor e desespero
mero ser sórdido e ardido e encardido
mas já não tarda a abrir-se na manhã que espero
um arco com vitrais aos vendavais vedado

E embora a minha fome tenha o nome dela
e da água bebida na face passada
não peço nada à vida que a vida era ela
e que sei eu da vida sei menos que nada

Ruy Belo

Foto:Haleh Bryan

U2 - It's Christmas (Baby Please Come Home)

domingo, dezembro 23, 2007

É assim que te quero, amor



É assim que te quero, amor,
assim, amor, é que eu gosto de ti,
tal como te vestes
e como arranjas
os cabelos e como
a tua boca sorri,
ágil como a água
da fonte sobre as pedras puras,
é assim que te quero, amada,
Ao pão não peço que me ensine,
mas antes que não me falte
em cada dia que passa.
Da luz nada sei, nem donde
vem nem para onde vai,
apenas quero que a luz alumie,
e também não peço à noite explicações,
espero-a e envolve-me,
e assim tu pão e luz
e sombra és.
Chegaste à minha vida
com o que trazias,
feita
de luz e pão e sombra, eu te esperava,
e é assim que preciso de ti,
assim que te amo,
e os que amanhã quiserem ouvir
o que não lhes direi, que o leiam aqui
e retrocedam hoje porque é cedo
para tais argumentos.
Amanhã dar-lhes-emos apenas
uma folha da árvore do nosso amor, uma folha
que há-de cair sobre a terra
como se a tivessem produzido os nosso lábios,
como um beijo caído
das nossas alturas invencíveis
para mostrar o fogo e a ternura
de um amor verdadeiro.

Pablo Neruda

Foto:Curtis Forrester

Há que morrer no convés



Há que morrer no convés
Do seu previsto naufrágio.
Tremem-lhe as tábuas aos pés.
Cheira a presságio.

Negros augúrios com asas
Cruzam agoiros nos mastros.
Os ventos sabem a brasas.
Recusam-se astros.

Já o Piloto que rema
A proa dos embaraços,
Pressentiu que além da bruma
Esperam sargaços.

A agulha mentiu o norte,
Mas o Piloto sabia.
Quem busca as rotas da Morte
Não se desvia!
Não se desvia!

Reinaldo Ferreira

Foto:Piotr Kowalik

Arte de amar



Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus — ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.

Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.

Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

Manuel Bandeira

Foto:Niko Guido

Beijo



Beijo partido de vidro
incandescente.
De cores escorridas
e pincéis sujos.
Beijo de papel branco
No canto jogado.
Beijo cheio de ausências,
de cortes e dores,
De braços cansados.
Beijo de caminho sem volta,
de quarto vazio.
Beijo sem boca,
Sem corpo, sem custo.
Beijo no claro e vazio da minha alma
Que se solta...
Calma.

Silvia Brito

Foto:Yuri Bonder

As duas faces



Quando te aperto contra mim,
quando te beijo,
percebo que este amor é assim
como uma mistura
de ternura
e desejo,
que não tem fim...

Às vezes, tenho vontade de tomar-te entre as mãos
com a humildade e a pureza de um crente
a desfiar um terço,
tenho vontade de te embalar docemente
com esse cuidado de alguém que embalança
num berço,
uma criança...

E, logo após, ímpetos de te amar,
de te querer e beijar
com volúpias de fogo
e carícias de chama,
como desesperadamente a gente quer
e beija
uma mulher
que se ama,
e se deseja...

Mistura
de ternura e desejo,
de mansa ternura
e desejo violento,
mistura
de morno carinho
e voluptuoso calor
- à vezes te quero como uma criança...
- outras vezes, como um louco, um doente
de amor!

J.G. de Araújo Jorge

Foto:Haleh Bryan

Coisa abstracta



Já tomou conta de mim, o receio,
Essa dor.
A antecipação...
Pisa forte, fundo nas minhas entranhas,
nos meus sentidos.
A profundidade...
Entra, cava, abre caminhos, não pede licença.
A eterna angústia...
Me sacode, derruba, suga energia, machuca,
Não pede perdão.
Depois me afaga, me embala, me anima, embriaga
A felicidade...
Antes, porém, se define, se retrata, quase me mata.
É coisa abstrata...
Paixão.

Claudia Letti

Foto:Elena Vasilieva

Folhetim



Se acaso me quiseres
sou dessas mulheres
que só dizem sim
por uma coisa à toa
uma noitada boa
um cinema, um botequim
e se tiveres renda
aceito uma prenda
qualquer coisa assim
como uma pedra falsa
um sonho de valsa
ou um corte de cetim
e eu te farei as vontades
direi meias-verdades
sempre à meia luz
e te farei, vaidoso, supor
que és o maior
e que me possuis
mas na manhã seguinte
não conte até vinte
te afasta de mim
pois já não vales nada
és pagina virada
descartada do meu folhetim.



Canta:Gal Costa

Música e Letra:Chico Buarque

Foto:Yuri Bonder

sábado, dezembro 22, 2007

José Régio (17 de Setembro de 1901- 22 de Dezembro de 1969)



Cântico

Num impudor de estátua ou de vencida,
coxas abertas, sem defesa… nua
ante a minha vigília, a noite, e a lua,
ela, agora, descansa, adormecida.

Dos seus mamilos roxo-azuis, em ferida,
meu olhar desce aonde o sexo estua.
Choro… e porquê? Meu sonho, irreal, flutua
sobre funduras e confins da vida.

Minhas lágrimas caem-lhe nos peitos…
enquanto o luar a numba, inerte, gasta
da ternura feroz do meu amplexo.

Cantam-me as veias poemas nunca feitos…
e eu pouso a boca, religiosa e casta,
sobre a flor esmagada do seu sexo.

Foto:Stanmarek

PS: Foi graças ao Papagueno que me lembrei do aniversário da sua morte.

Tenho



Tenho uma grande constipação,
E toda a gente sabe como as grandes constipações
Alteram todo o sistema do universo,
Zangam-nos contra a vida,
E fazem espirrar até à metafísica.
Tenho o dia perdido cheio de me assoar.
Dói-me a cabeça indistintamente.
Triste condição para um poeta menor!
Hoje sou verdadeiramente um poeta menor.
O que fui outrora foi um desejo; partiu-se.

Adeus para sempre, rainha das fadas!
As tuas asas eram de sol, e eu cá vou andando.
Não estarei bem se não me deitar na cama.
Nunca estive bem senão deitando-me no universo.

Excusez un peu... Que grande constipação física!
Preciso de verdade e da aspirina.

Álvaro de Campos

Foto:Rakesh Syal

Neste silêncio...



Olhando nos meus, teus olhos gritavam:
diz, diz que me amas, diz da paixão
que sentes por mim...

Tremendo em silêncio, teus lábios diziam:
beija-me, deixa-me beber teu amor,
passear no teu corpo, fazer-te gozar...

Teus seios eretos, ansiando diziam:
somos teus, para sempre,
suga-nos e bebe nosso sumo de amor!

E à noite, teu corpo tremendo, pedia:
vem e me toma, guarda-te e morre
dentro de mim!

Teu sexo húmido, ansiando, chorava:
vem, te prometo prazeres sem fim,
vem meu amor e renasce em mim!

E eu, surdo da vida e surdo do amor,
não ouvia os teus gritos teu desejo por mim...

E quando o tédio infame, afinal tomou conta
e o descaso doído nos fez companhia,
afinal nossa hora chegou...

E sem gritos nem choros,
sem amor e sem ódios,
sem eu o saber,
levaste minha vida.

E hoje, no imenso vazio,
de um silêncio sem fim,
eu ouço teus gritos
que antes não ouvia...

Artur Ferreira

Foto:Niko Guido

Poema para o namorado



Teu lado feminino me erotiza:
são belos, sensuais e muito caros
certos instantes gostosos, em que te encaro
menos como homem e mais como menina:
quando passas teus cremes para a pele,
ou pões o avental pra cozinhar,
ou quando em mim te esfregas
até gozar os teus gozos sem fim,
ou quando tuas mãos, leves e lésbicas,
desabam como plumas sobre mim.

Leila Mícollis

Foto:Haleh Bryan

sexta-feira, dezembro 21, 2007

***



Olhar o mesmo olho
com outros olhos

em outro olhar
o mesmo olho

nos mesmos olhos
o olhar do outro
de olho.

Alice Ruiz

Foto:Howard Schatz

Veredas



Nada sei dos caminhos da água,
e da sede da terra lambo o pó,
as ervas secas
que levantam os meus passos.

Nada sei das veredas da planície
que se cruzam,
quando o Sol bate meio-dia.

Sei que nas areias, mortas, do deserto
só o vento
vem fazer-me companhia,
e que, na longa jornada,
um fio de água
me desperta a alegria.

Frecura fugidia,
quase nada...

Manuel Filipe, in "Tempo de Cinza", pág.32, Apenas Livros

Foto:Oleg Seleznev

A menina pó de arroz



A menina pó de arroz,
Nascida à beira do mar
Com o oceano nos olhos
E com sorrisos de lua
Nos seus lábios pequeninos
Que nunca ninguém beijou,
A menina pó de arroz,
Com seus cabelos de cobre
Onde o vento vem brincar,
Assoma à sua janela
P'ra ver a noite estrelada,
Para ouvir os sons da noite,
Para beber o luar.
Para ter em suas mãos
Macias, longas e brancas,
A noite tépida e branda,
A velha noite calada.
A menina pó de arroz,
Que por uma abreviatura
Do seu nome arrevesado
É chamada entre família
Por um nome miudinho
De marca de pó de arroz,
Com seu corpinho de fada
Que saiu de alguma fonte
Que há pouco perdeu o encanto,
Com a cabeça nas mãos,
Enquanto na casa dormem,
Veio pôr-se na janela
Para que a noite a beijasse.
A menina pó de atroz
Estará enamorada?

António Rebordão Navarro

Foto:Floriana Barbu

quinta-feira, dezembro 20, 2007

Anjos da memória – V



Os anjos alados
da memória

com as suas asas
de pérgula
e medronho

a voarem noite dentro,
pelo sonho

Serás de branco
despojada de tudo
à cabeceira

por detrás do meu ombro
anjo mudo

Serás de branco
despojada de tudo,

asas supostas
de ti
à minha beira

O pássaro cintilante
da tua nudez
(uma matriz calada)

Da tua nudez

Com os teus seios
de anjo
sob as asas

A tomares conta
da memória

És um passaro – digo
És um pássaro

com penas
cintilantes
dos teus olhos

As tuas asas
de pétalas

tecidas com a luz
das penas
das asas que te crescem

Poisar um pouco
nos parapeitos
da memória

antes de recomeçar
o voo
de regresso a casa

Com as nossas asas
lúcidas:
translúcidas e pálidas

Deixa-me voar
por cima do teu
colo

até ir poisar
na tua alma

É a memória,
dos teus dedos pisados
nas asas dos meus ombros

Entrelaçados
Enlaçados

Como entranças
os sonhos

As tuas asas de prata
que atravessam a voar
o território
brando
das minhas lágrimas

Este

é o inconsciente
dos teus olhos
de águas postas – de águas sobrepostas

– rente

à meiga – à mansíssima
racha
do teu ventre

Em voo raso
perto da sua boca:

A ouvir a memória...

Há um ruido de
asas
que te é próximo

um odor a flor,
a framboeza

um sabor a leite
e a morango
numa uterina luz de penumbra acesa

Um pouco acima
dos teus olhos,
como um pássaro

a voar por dentro,
bem por dentro
do interior dos lábios...

do corpo

A parte que é
anjo
do teu corpo

e me procura a meio
da madrugada

Sobrevoando o lago
que é suposto
ser no meu sono
aquilo que calava

A parte que é
anjo
do teu corpo

e me visita
a meio da madrugada

descansando as asas
dos teus ombros,
a meu lado:
em cima da almofada

Voava,
com a memória
das asas

no sentido inverso
do silêncio

e do sono

Oiço atrás de mim,
o breve respirar
das tuas asas

– quase imperceptivel –

Um ligeiro arfar
Como a brisa a passar
por entre as casas

Maria Teresa Horta

Foto:Vezon Thierry

Momentos na vida



Há momentos na vida em que sentimos tanto a falta de alguém
que o que mais queremos é tirar esta pessoa de nossos sonhos e abraçá-la. Sonhe com aquilo que você quiser. Seja o que você quer ser, porque você possui apenas uma vida e nela só se tem uma chance de fazer aquilo que se quer. Tenha felicidade bastante para fazê-la doce. Dificuldades para fazê-la forte. Tristeza para fazê-la humana. E esperança suficiente para fazê-la feliz. As pessoas mais felizes não têm as melhores coisas, elas sabem fazer o melhor das oportunidades que aparecem em seus caminhos. A felicidade aparece para aqueles que choram, para aqueles que se machucam, para aqueles que buscam e tentam sempre. E para aqueles que reconhecem a importância das pessoas que passam por suas vidas. O futuro mais brilhante é baseado num passado intensamente vivido.
Você só terá sucesso na vida quando perdoar os erros e as decepções do passado. A vida é curta, mas as emoções que podemos deixar duram uma eternidade. A vida não é de se brincar porque um belo dia se morre.

Clarice Lispector

Foto:Ceylan Atuk

quarta-feira, dezembro 19, 2007

Poema para ser feliz



Esta é uma manhã para ser feliz
em um lugar, de algum modo,
é uma manhã para ser feliz...

Esta é uma manhã para dois, para dois juntos
abraçados e tontos, num remoinho
não como nós, eu aqui, diante do sol, das árvores,
de tudo envergonhado porque estou sozinho...

Esta é uma manhã que me fala de ti, nas nuvens,
na transparência do ar,
neste azul do céu, imaculado,
na beleza das coisas tocadas de sonho
e imaturidade...

Uma manhã de festa
para ser feliz de verdade!
Esta é uma manhã
para te Ter ao meu lado...

Quando Deus fez uma manhã como esta
estava com certeza apaixonado...

Poema de J.G. de Araújo Jorge do livro Espera- 1960, que a Fatyly deixou num comentário:)

Foto:Saul Santos Diaz

***



"O Amor é uma montanha russa.
Todos temos um pouco de medo,
mas vale a pena arriscar,
porque só a emoção vivida,
pode ser lembrada".

Tere Penhabe

Imagem daqui

Algumas reflexões sobre a mulher



Elas são as mães:
rompem do inferno, furam a treva,
arrastando
os seus mantos na poeira das estrelas.

Animais sonâmbulos,
dormem nos rios, na raiz do pão.

Na vulva sombria
é onde fazem o lume:
ali têm casa.
Em segredo, escondem
o latir lancinante dos seus cães.

Nos olhos, o relâmpago
negro do frio.

Longamente bebem
o silêncio
nas próprias mãos.

O olhar
desafia as aves:
o seu voo é mais fundo.

Sobre si se debruçam
a escutar
os passos do crepúsculo.

Despem-se ao espelho
para entrarem
nas águas da sombra.

É quando dançam que todos os caminhos
levam ao mar.

São elas que fabricam o mel,
o aroma do luar,
o branco da rosa.

Quando o galo canta
Desprendem-se
para serem orvalho.

Eugénio de Andrade

Foto:Niko Guido