segunda-feira, maio 30, 2005

estou por aqui



a aproveitar para ver as vistas já que os simpáticos da netcabo resolveram, mais uma vez, deixar-me sem net por razões que a razão desconhece. Espero voltar amanhã ou, no máximo, quarta-feira.

Foto: Wind
Tratamento digital: ognid

Na cadeia



na cadeia os bandidos presos!
o seu ar de contemplativos!
que é das feras de olhos acesos?!
pobres dos seus olhos cativos

passeiam mudos entre as grades,
parecem peixes num aquário.
- campo florido das saudades,
porque rebentas tumultuário?

serenos... serenos... serenos...
trouxe-os algemados a escolta.
- estranha taça de venenos
meu coração sempre em revolta.

coração, quietinho... quietinho...
porque te insurges e blasfemas?
pschiu... não batas... devagarinho...
olha os soldados, as algemas!

Camilo Pessanha

Imagem daqui

domingo, maio 29, 2005

Predadores



Eles andam aí
Disfarçam-se de bons
Usam máscaras
Feitas de faces.
Devoram tudo
Mentem
Pegam nas presas
Jogam-nas do alto.
Eles gozam com tudo e todos
Até ao dia em que perdem
E a face cai.

Foto:Miguel Lasa

sábado, maio 28, 2005

lembra-te



Lembra-te
que todos os momentos
que nos coroaram
todas as estradas
radiosas que abrimos
irão achando sem fim
seu ansioso lugar
seu botão de florir
o horizonte
e que dessa procura
extenuante e precisa
não teremos sinal
senão o de saber
que irá por onde fomos
um para o outro
vividos

Poema de Mário Cesariny


Foto: Wind
Tratamento digital e escolha do poema: ognid

Sem título



Admirem esta beleza e deixem a vossa imaginação voar...

Foto:Howard Schatz

Regresso



E contudo perdendo-te encontraste.
E nem deuses nem monstros nem tiranos
te puderam deter. A mim os oceanos.
E foste. E aproximaste.

Antes de ti o mar era mistério.
Tu mostraste que o mar era só mar.
Maior do que qualquer império
foi a aventura de partir e de chegar.

Mas já no mar quem fomos é estrangeiro
e já em Portugal estrangeiros somos.
Se em cada um de nós há ainda um marinheiro
vamos achar em Portugal quem nunca fomos.

De Calicute até Lisboa sobre o sal
e o Tempo. Porque é tempo de voltar
e de voltando achar em Portugal
esse país que se perdeu de mar em mar.

Manuel Alegre

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sexta-feira, maio 27, 2005

?????????????



Que caminho é este? [Para quem quiser divagar:)]

Foto:John North

Impressão digital



Os meus olhos são uns olhos.
E é com esses olhos uns
que eu vejo no mundo escolhos
onde outros, com outros olhos,
não vêem escolhos nenhuns.

Quem diz escolhos diz flores.
De tudo o mesmo se diz.
Onde uns vêem luto e dores,
uns outros descobrem cores
do mais formoso matiz.

Nas ruas ou nas estradas
onde passa tanta gente,
uns vêem pedras pisadas,
mas outros gnomos e fadas
num halo resplandescente.

Inútil seguir vizinhos,
que ser depois ou ser antes.
Cada um é seus caminhos.
Onde Sancho vê moinhos
D. Quixote vê gigantes.

Vê moinhos? São moinhos.
Vê gigantes? São gigantes.

António Gedeão

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quinta-feira, maio 26, 2005

Sonho



Perco-me nas ondas do sonho...

Foto:Paula Grenside

A chuva chove...



A chuva chove mansamente... como um sono
Que tranqüilize, pacifique, resserene...
A chuva chove mansamente... Que abandono!
A chuva é a música de um poema de Verlaine...

E vem-me o sonho de uma véspera solene,
Em certo paço, já sem data e já sem dono...
Véspera triste como a noite, que envenene

... Num velho paço, muito longe, em terra estranha,
Com muita névoa pelos ombros da montanha...
Paço de imensos corredores espectrais,

Onde murmurem, velhos órgãos, árias mortas,
Enquanto o vento, estrepitando pelas portas,
Revira in-fólios, cancioneiros e missais...

Cecília Meireles

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quarta-feira, maio 25, 2005

Fernão Capelo Gaivota



"...tu tens a liberdade de ser tu próprio, o teu verdadeiro eu, Aqui e Agora; nada se pode interpor no teu caminho."

Richard Bach

Foto: ognid

O luar enche a terra de miragens



O luar enche a terra de miragens
E as coisas têm hoje uma alma virgem,
O vento acordou entre as folhagens
Uma vida secreta e fugitiva,
Feita de sombra e luz, terror e calma,
Que é o perfeito acorde da minha alma.

Sophia de Mello Breyner Andresen

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terça-feira, maio 24, 2005

Loucura



A loucura é o branco, o nada...

Foto:Piotr Kowalik

Amor de fixação



"A experiência é madre das coisas
e por ela soubemos radicalmente
a verdade."


Duarte Pacheco Pereira, "Esmeraldo"


Há um caminho marítimo no meu gostar de ti.
Há um porto por achar no verbo amar
há um demandar um longe que é aqui.
E o meu gostar de ti é este mar.

Há um Duarte Pacheco em eu gostar
de ti. Há um saber pela experiência
o que em muitos é só um efabular.
Que de naugrágios é feita esta ciência

que é eu gostar de ti como um buscar
as índias que afinal eram aqui.
Ai terras de Aquém-Mar (a-quem-amar)

naus a voltar no meu gostar de ti:
levai-me ao velho pinho do meu lar
eu o vi longe e nele me perdi.

Manuel Alegre

Imagem daqui

segunda-feira, maio 23, 2005

Quadrilha



João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para o Estados Unidos, Teresa para o
convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto
Fernandes
que não tinha entrado na história.

Carlos Drummond de Andrade

Foto:Marc Williams

Não vou pôr-te flores de laranjeira no cabelo



Não vou pôr-te flores de laranjeira no cabelo
nem fazer explodir a madrugada nos teus olhos.

Eu quero apenas amar-te lentamente
como se todo o tempo fosse nosso
como se todo o tempo fosse pouco
como se nem sequer houvesse tempo.

Soltar os teus seios.
Despir as tuas ancas.
Apunhalar de amor o teu ventre.

Joaquim Pessoa

Foto: A Brito

domingo, maio 22, 2005

Meu corpo, que mais receias?



-Meu corpo, que mais receias?
-Receio quem não escolhi.

-Na treva que as mãos repelem
os corpos crescem trementes.
Ao toque leve e ligeiro
O corpo torna-se inteiro,
Todos os outros ausentes.

Os olhos no vago
Das luzes brandas e alheias;
Joelhos, dentes e dedos
Se cravam por sobre os medos...
Meu corpo, que mais receias?

-Receio quem não escolhi,
quem pela escolha afastei.
De longe, os corpos que vi
Me lembram quantos perdi
Por este outro que terei.

Jorge de Sena

Imagem daqui

Foi bonita a festa:)



Quero agradecer aqui a hospitalidade alentejana, representada pela Mad e pelo Nikonman, no almoço que ontem tivemos em Beja.
Foi fantástico o convívio com pessoas de outros blogs.
Quero destacar o grupo de cantares alentejanos”Grupo coral da Freguesia de Cabeça Gorda“. Foi encantador.
Depois seguimos para a pequena exposição de fotos e textos de Ognid e do Nikonman, num pequeno bar.
Também aí o convívio foi agradável.
E assim se passou um sábado onde “foi bonita a festa, pá”:)

Foto daqui

Intimidade



Quando, sorrindo, vais passando, e toda
Essa gente te mira cobicosa,
Es bela - e se te nao comparo a rosa,
E que a rosa, bem ves, passou de moda...

Anda-me as vezes a cabeca a roda,
tras de ti tambem, flor caprichosa!
Nem pode haver, na multidao ruidosa,
Coisa mais linda, mais absurda e doida.

Mas e na intimidade e no segredo,
Quando tu coras e sorris a medo,
Que me apraz ver-te e que te adoro, flor!

E nao te quero nunca tanto (ouve isto)
Como quando por ti, por mim, por Cristo,Juras
- mentindo - que me tens amor...

Antero de Quental

Foto:Carlos Sousa

sábado, maio 21, 2005

Aí vou eu Beja:)



Bom fim de semana para todos, porque vou estar ausente em Beja:



Organizado pela Mad e pelo Nikonman

Imagem daqui

sexta-feira, maio 20, 2005

Paixão



Cada vez mais
Estou apaixonada!
Já não passo sem ti
Sem o teu cheiro
Sem o teu corpo
Sem a tua voz
Sem os teus beijos
Sem o teu sexo
Sem as tuas mãos
E quando estás comigo
Sorrio
Dou-me
Sou feliz…

Foto:Howard Schatz

Frágil



Estás sentado no chão
Eu em pé
Nus
Afago-te a cara
Mexo-te no cabelo
Olho-te nos olhos
Estás frágil
Protejo-te
Hoje sou eu a força
O castelo
Onde mais ninguém entra…

Foto:Michael Vahle

quinta-feira, maio 19, 2005

Coragem



Não tens que ter medo! Sonda o teu coração e encontrarás a coragem para te enfrentares.

Não tens que ser triste! Penetra na tua alma e encontrarás a resposta para te alegrares.

Não tens que sentir o vazio da solidão. Procura dentro de ti e encontrarás a mão para te apoiares.

Deus sabe como os sonhos são difíceis de alcançar. Mas não deixes ninguém afastá-los de ti! Defende-te! Mesmo de ti própria...Sê firme!

Há sempre um amanhã! E então...Encontrarás a coragem para enfrentar os teus medos. Encontrarás a resposta para afungentar a tristeza. E, no fundo do teu ser...encontrarás o amor!

Por isso, quando sentires que a esperança se foi, olha para dentro de ti e sê forte! E finalmente verás a verdade...Que a coragem, a alegria, o amor também dormem dentro de ti.

Jorge Martins

Foto:Michael Vahle

P.S.:Esta prosa poética foi escrita por um amigo há dois anos, quando eu estava numa altura menos boa. Quero partilhá-la convosco:)

Sem título



Quem quiser pode escrever um título, ou uma frase sobre a foto:)

Foto:Howard Schatz

quarta-feira, maio 18, 2005

Farrapo



Velho e curvado,
Caminho pelas ruas
Já perdi a conta à idade que tenho
As pessoas passam por mim
Não me vêem
Estendo a mão
À espera de algo
A minha mão suja
Enrugada
Da vida que passei.
Estou cansado…

Imagem daqui

Mors — Amor



Esse negro corcel, cujas passadas
Escuto em sonhos, quando a sombra desce,
E, passando a galope, me aparece
Da noite nas fantásticas estradas,

Donde vem ele? Que regiões sagradas
E terríveis cruzou, que assim parece
Tenebroso e sublime, e lhe estremece
Não sei que horror nas crinas agitadas?

Um cavaleiro de expressão potente,
Formidável, mas plácido, no porte,
Vestido de armadura reluzente,

Cavalga a fera estranha sem temor:
E o corcel negro diz: "Eu sou a morte!"
Responde o cavaleiro: "Eu sou o Amor!"

Antero de Quental

Imagem daqui

terça-feira, maio 17, 2005

Tigre



Essa tua posição de tigre
Quando estás nu
Excita-me
Brincas com isso
Devagar aproximas-te
Beijas-me
Tocas-me
Apertas-me
Eu caio em ti
Desamparada
Como tua presa.

Foto:Michael Vahle

Arma secreta



Tenho uma arma secreta
ao serviço das nações.
Não tem carga nem espoleta
mas dipara em linha recta
mais longe que os foguetões.

Não é Júpiter, nem Thor,
nem Snark ou outros que tais.
É coisa muito melhor
que todo o vasto teor
dos Cabos Canaverais.

A potência destinada
às rotações da turbina
não vem da nafta queimada,
nem é de água oxigenada
nem de ergóis de furalina.

Erecta, na noite erguida,
em alerta permanente,
espera o sinal da partida.
Podia chamar-se VIDA.
Chama-se AMOR, simplesmente.

António Gedeão

Imagem daqui

segunda-feira, maio 16, 2005

Sem título



Relaxo.
Estou em paz comigo
Com o mundo
Deito-me no chão
Nada melhor para estar.
Penso em ti
Não estás
Virás mais tarde.
Espreguiço-me e sorrio
Penso no teu corpo quente
Nas horas em que estamos juntos
E me tornas feliz.

Foto:Galba Sandras

Do Cinema



A Água Quente fez-me este desafio. Obrigada:)

1-Qual o último filme que viste no cinema?

Há anos que não vou ao cinema. Vejo os filmes em casa. O último que vi foi a nova produção da "Guerra das Estrelas".

2-Qual a tua sessão preferida?

A das 21h

3-Qual o primeiro filme que te fascinou?

Mary Poppins, porque foi mágico. Era eu pequena e fui ver o meu primeiro filme ao cinema com o meu pai.

4-Para que filme gostarias de te ver transportado(a)?

Para o "Piano".

5-E já agora, qual a personagem de filme que terias gostado de conhecer um dia?

A Mary Poppins:)

6-E que actor(actriz)/realizador(a)/argumentista/produtor(a) gostarias de convidar para jantar?

Muitos, mas gostaria de estar com o Francis Ford Copolla como realizador e como actor o Brad Pitt, porque é lindo e é bom actor.

7-A quem vou passar isto?

Ao ZecaTelhado, à Maria e aos pés descalços

Letra para um hino



É possível falar sem um nó na garganta
é possível amar sem que venham proibir
é possível correr sem que seja fugir.
Se tens vontade de cantar não tenhas medo: canta.

É possível andar sem olhar para o chão
é possível viver sem que seja de rastos.
Os teus olhos nasceram para olhar os astros
se te apetece dizer não grita comigo: não.

É possível viver de outro modo. É
possível transformares em arma a tua mão.
É possível o amor. É possível o pão.
É possível viver de pé.

Não te deixes murchar. Não deixes que te domem.
É possível viver sem fingir que se vive.
É possível ser homem.
É possível ser livre livre livre.

Manuel Alegre

Foto:Michael Vahle

Tristeza



Estranha esta ansiedade, este peso que me incomoda.
Dói o corpo, não apetece fazer nada.
Uma tristeza se aproxima e não passa. Não me apetece falar com ninguém.
Que angústia!
Este vazio que dói, o estômago que se aperta, a cada minuto que passa.
Deixo-me envolver pela inactividade.
Bebo cafés e fumo cigarros, uns atrás dos outros.
Estou sem defesas.
O emocional sobrepõe-se ao racional e sinto-me mal com isso.
Quando estou assim, só me apetece fugir, desaparecer, ir para outro lugar.
Que pena não poder voar…

Foto:Paul Bolk

De onde chegam estas palavras?



-De onde me chegam estas palavras?

Nunca houve palavras para gritar a tua ausência

Apenas o coração
Pulsando a solidão antes de ti
Quando o teu rosto dóia no meu rosto
E eu descobri as minhas mãos sem as tuas
E os teus olhos não eram mais
que um lugar escondido onde a primavera
refaz o seu vestido de corolas.

E não havia um nome para a tua ausência.

Mas tu vieste.

Do coração da noite?
Dos braços da manhã?
Dos bosques do Outono?

Tu vieste.
E acordas todas as horas.
Preenches todos os minutos.
acendes todas as fogueiras
escreves todas as palavras.

Um canto de alegria desprende-se dos meus dedos
quando toco o teu corpo e habito em ti
e a noite não existe
porque as nossas bocas acendem na madrugada
uma aurora de beijos.

Oh, meu amor,
doem-me os braços de te abraçar,
trago as mãos acesas,
a boca desfeita
e a solidão acorda em mim um grito de silêncio quando
o medo de perder-te é um corcel que pisa os meus cabelos
e se perde depois numa estrada deserta
por onde caminhas nua.

Joaquim Pessoa

Foto:Michael Vahle

domingo, maio 15, 2005

Fim



Nada mais há a falar
Viro-te as costas
Tudo acabou
Foi bom enquanto durou
Agora já chega!
Cansei!
As tuas mentiras
Os teus segredos
As tuas incógnitas
Não quero mais
Sou livre
Nada me prende agora!

Foto:Howard Schatz

sábado, maio 14, 2005

Carpe diem



Confias no incerto amanhã? Entregas
às sombras do acaso a resposta inadiável?
Aceitas que a diurna inquietação da alma
substitua o riso claro de um corpo
que te exige o prazer? Fogem-te, por entre os dedos,
os instantes; e nos lábios dessa que amaste
morre um fim de frase, deixando a dúvida
definitiva. Um nome inútil persegue a tua memória,
para que o roubes ao sono dos sentidos. Porém,
nenhum rosto lhe dá a forma que desejarias;
e abraças a própria figura do vazio. Então,
por que esperas para sair ao encontro da vida,
do sopro quente da primavera, das margens
visíveis do humano? "Não", dizes, "nada me obrigará
à renúncia de mim próprio --- nem esse olhar
que me oferece o leito profundo da sua imagem!"
Louco, ignora que o destino, por vezes,
se confunde com a brevidade do verso.

Nuno Júdice

Imagem daqui

Música



Ouço a música
“Mistify on me”
Danço na cadeira
Enquanto escrevo
Toco nas teclas
Levemente
A bateria sobressai
Acompanho o batimento
Agora
“I use to love her”
O som das violas
Movimento a cabeça
A bater o ritmo.
Adoro música!

Foto: ognid

A Meu Favor



A meu favor
Tenho o verde secreto dos teus olhos
Algumas palavras de ódio algumas palavras de amor
O tapete que vai partir para o infinito
Esta noite ou uma noite qualquer
A meu favor
As paredes que insultam devagar
Certo refúgio acima do murmúrio
Que da vida corrente teime em vir
O barco escondido pela folhagem
O jardim onde a aventura recomeça.

Alexandre O'Neill

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sexta-feira, maio 13, 2005

Coisa Amar



Contar-te longamente as perigosas
coisas do mar. Contar-te o amor ardente
e as ilhas que só há no verbo amar.
Contar-te longamente longamente.

Amor ardente. Amor ardente. E mar.
Contar-te longamente as misteriosas
maravilhas do verbo navegar.
E mar. Amar: as coisas perigosas.

Contar-te longamente que já foi
num tempo doce coisa amar. E mar.
Contar-te longamente como doi

desembarcar nas ilhas misteriosas.
Contar-te o mar ardente e o verbo amar.
E longamente as coisas perigosas.

Manuel Alegre

Foto:Howard Schatz

quinta-feira, maio 12, 2005

Saturação



Ver dossiers
Folhear as páginas
Contar números
Dói o corpo
Ao lado
O barulho das flautas
Desafinadas
Na sala de estudo
O som de vozes
Risos
Todos os barulhos se misturam
Sensação estranha…

Imagem daqui

Eugénio de Andrade



Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão, apodrecidos.

Foto:Maulik Davda

quarta-feira, maio 11, 2005

A piscina



Os dois na piscina
Nus
Os corpos dançam
Ao sabor da água
Os teus cabelos soltos
As tuas mãos agarram-me
Toco no teu peito
Adoro o teu corpo
Musculado
Fazemos amor
Debaixo de água
A piscina toda se ilumina.

Foto:Howard Schatz

Atrás do balcão



Estou neste café todos os dias
Os clientes chegam
pareço alegre
Mesmo quando não estou
Chamam-me Dr.
psicólogo da vida.
Sei como se sentem
vejo os rostos.
Tento animá-las
Nem sonham como estou:
Triste,
Amargurado,
Indefeso.

Foto:Rui Gomes

Estigma



Filhos dum deus selvagem e secreto
E cobertos de lama, caminhamos
Por cidades,
Por nuvens
E desertos.
Ao vento semeamos o que os homens não querem.
Ao vento arremessamos as verdades que doem
E as palavras que ferem.
Da noite que nos gera, e nós amamos,
Só os astros trazemos.
A treva ficou onde
Todos guardamos a certeza oculta
Do que nós não dizemos,
Mas que somos.

Ary dos Santos

Foto:Miguel Lasa

terça-feira, maio 10, 2005

Nós



Abres os olhos
Vês-me
Olho-te.
Teus olhos ensonados
O sorriso maroto
A barba por fazer
Agarras-me
Abraças-me
Beijamo-nos
Enrolados fazemos amor
Como se fosse nas dunas
Depois…
É a paz.

Foto:Michael Vahle

Amostra sem valor



Eu sei que o meu desespero não interessa a ninguém.
Cada um tem o seu, pessoal e intransmissível:
com ele se entretém
e se julga intangível.

Eu sei que a Humanidade é mais gente do que eu,
sei que o Mundo é maior do que o bairro onde habito,
que o respirar de um só, mesmo que seja o meu,
não pesa num total que tende para infinito.

Eu sei que as dimensões impiedosos da Vida
ignoram todo o homem, dissolvem-no, e, contudo,
nesta insignificância, gratuita e desvalida,
Universo sou eu, com nebulosas e tudo.

António Gedeão

Imagem daqui

segunda-feira, maio 09, 2005

Dancing



"Dancing in the moonligth"
Que bom é
Dançar contigo
Sentir os teus movimentos
Nesta noite mágica
"Dancing in the moonlight"
Sentir o teu swingar
O teu corpo junto ao meu
E loucos dançamos
Alucinadamente
"Dancing in the moonligt"

Foto: Douglas Kirkland (roubada descaradamente ao xupacabras)

Toada do Ladrão



A mim não me roubaram
Porque eu nada tinha.
Mas roubaram tudo
À minha vizinha.

Vejam os senhores:
Roubaram-lhe a ela
A filha mais grácil,
A filha mais bela.

Nem na sua casa,
Nem na freguesia,
Sequer no concelho,
Melhor não havia.

Prendada, bonita...
E depois... uns modos
De matar a gente,
De prender a todos.

Dizia a vizinha
Que era o seu tesoiro;
Que valia mais
Que a prata e que o oiro.

Que a não trocaria
Por coisa nenhuma;
Que filhas assim
Só havia uma.

Pois hoje um ladrão
Que há muito a mirava
Entrava-lhe em casa
Para sempre a levava.

É a minha vizinha
Dona de solares
E de longas terras
Com rios e pomares.

E de jóias raras
Que ninguém mais tinha,
Ei-la num instante
Pobrinha... pobrinha...

(Tem pomares ainda,
Tem jóias, tem oiro...
Mas de que lhe servem
Sem o seu tesoiro?)

- Vizinha e senhora,
Não me queira mal!
Se há ladrões felizes
Sou o mais feliz
Que há em Portugal.

Sebastião da Gama

Foto:Fili

domingo, maio 08, 2005

Tu



Ouço os teus passos
A porta abre-se
Sinto o teu cheiro
A tua pele macia
O cabelo molhado
Todo despenteado
Teus olhos brilham
Sorris
Espero-te
Vens
Escorregamos os dois no lençol.

Foto:Kevin Teachey

sábado, maio 07, 2005

Mendiga de mim



Tapo-me
Sou cartão
Eu não era assim
Lembro-me vagamente
Há uns anos
Fui casada
Tinha filhos.
Agora
Sem filhos
Sem casa
Sem amigos
Vivo na rua
A minha companhia
A garrafa
O calor
Para esquecer a solidão.

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