sábado, abril 30, 2005
sexta-feira, abril 29, 2005
Amizade
Conheci N. há 20 anos.
Ainda estudava no curso que fiz.
Ela foi minha professora,
confidente,
amiga nas horas boas e más.
Íamos para a farra sózinhas
No tempo da maluquice
Havia uma grande cumplicidade.
Ainda hoje somos amigas
E partilhamos os mais íntimos segredos
É uma amizade que se celebra
Como duas mãos fechadas.
Resposta ao desafio da Jacky
A tua voz fala amorosa...
Qual é a tarde por achar
Em que teremos todos razão
E respiraremos o bom ar
Da alameda sendo verão,
Ou, sendo inverno, baste 'star
Ao pé do sossego ou do fogão?
Qual é a tarde por voltar?
Essa tarde houve, e agora não.
Qual é a mão cariciosa
Que há de ser enfermeira minha —
Sem doenças minha vida ousa —
Oh, essa mão é morta e osso ...
Só a lembrança me acarinha
O coração com que não posso.
Fernando Pessoa
Imagem daqui
quinta-feira, abril 28, 2005
Tempo e espaço
Tempo e espaço
Preciso deles:
Tempo para me organizar,
espaço para mim.
Quero conhecer-me
Ver como reajo
Situar-me
Pensar
Evoluir
Estar bem comigo
E com os outros.
Voar
Descer à terra
Ser Pessoa.
"riscos" do (C) TCA - selfmirror
Casa de sol onde os animais pensam
Casa de sol onde os animais pensam
erguida nos ares com raízes na terra
ampla e pequena como um pagode
com salas nuas e baixas camas
casa de andorinhas e gatos nos sótãos
grande nau navegando imóvel
num mar de ócio e de nuvens brancas
com antigos ditados e flores picantes
com frescura de passado e pó de rebanhos
ó casa de sonos e silêncios tão longos
e de alegrias ruidosas e pães cheirosos
ó casa onde se dorme para renascer
ó casa onde a pobreza resplende de fartura
onde a liberdade ri segura
António Ramos Rosa
Foto:Rui Bonito
quarta-feira, abril 27, 2005
Lírica
No meu
jardim aberto ao sol da vida,
Faltavas tu, humana flor da infância
Que não tive....
E o que revive
Agora
À volta da candura
Do teu rosto!
O recuado
Agosto
Em que nasci
Parece o recomeço
Doutro destino:
Este, de ser menino
Ao pé de ti......
Miguel Torga
Foto:Claire Kayser roubada ao xupacabras
terça-feira, abril 26, 2005
Branco
Palavras em branco
No écran sem nada
Deixa-me uma vontade
De o preencher
Sinto que é necessário
Transmitir algo.
Mas só sinto
As ideias não saem.
Esta vontade de ocupar
Um espaço em branco
Faz-me estar tranquila.
Foto:Dionys Moser
Gozo IX
Ondula mansamente a tua lingua
de saliva tirando
toda a roupa...
já breves vêm os dias
dentro de noites já
poucas.
Que resta do nosso
gozo
se parares de me beijar?
Oh meu amor...
devagar...
até que eu fique louca!
Depois... não vejas o mar
afogado em minha
boca!
Maria Teresa Horta
Foto:Klaus Goffelmeyer
segunda-feira, abril 25, 2005
Abril
Mesmo pequena lembro-me de tudo.
Quis ir logo de manhã para a escola. Fui com a minha mãe e no meio do caminho mandaram-nos voltar para trás.
Passei o dia a ver televisão e a ouvir a rádio.
O meu pai estava feliz, pois já era contra o regime.
Minha mãe sem saber muito bem o que estava a acontecer.
Os dias que se seguiram ficaram-me marcados.
A libertação dos presos da PIDE, fizeram-me chorar.
O 1º de Maio foi de festa, risos , alegria. Eu às cavalitas do meu pai.
Hoje passaram 31 anos.
Muitos ideais de antes já se perderam, mas eu continuo a dizer:
Abril sempre!
Imagem daqui
Cantigas Do Maio (eu Fui Ver A Minha Amada)
Eu fui ver a minha amada
lá prós lados dum jardim
dei-lhe uma rosa encarnada
para se lembrar de mim
Eu fui ver o meu benzinho
lá prós lados dum paçal
dei-lhe o meu lenço de linho
que é do mais fino bragal
Minha mãe quando eu morrer
ai chore por quem muito amargou
para então dizer ao mundo
ai Deus mo deu ai Deus mo levou
Eu fui ver uma donzela
numa barquinha a dormir
dei-lhe uma colcha de seda
para nela se cobrir
Eu fui ver uma solteira
numa salinha a fiar
dei-lhe uma rosa vermelha
para de mim se encantar
Minha mãe quando eu morrer ...
Eu fui ver a minha amada
lä nos campos eu fui ver
dei-lhe uma rosa encarnada
para de mim se prender
Verdes prados verdes campos
onde está minha paixão
as andorinhas não param
umas voltam outras não
Minha mãe quando eu morrer...
José Afonso
Imagem daqui
PS: Porque hoje é 25 e Zeca é um dos símbolos da liberdade
domingo, abril 24, 2005
sábado, abril 23, 2005
Não me importo com as rimas
Não me importo com as rimas. Raras vezes
Há duas árvores iguais, uma ao lado da outra.
Penso e escrevo como as flores têm cor
Mas com menos perfeição no seu modo de exprimir-se
Porque me falta a simplicidade divina
De ser todo só o meu exterior.
Olho e comovo-me,
Comovo-me como a água corre quando o chão é inclinado,
E a minha poesia é natural como o levantar-se o vento...
Alberto Caeiro
Foto:Scott Neuner
sexta-feira, abril 22, 2005
Masturbação
Eis o centro do corpo
o nosso centro
onde os dedos escorregam devagar
e logo tornam onde nesse
centro
os dedos esfregam - correm
e voltam sem cessar
e então são os meus
já os teus dedos
e são meus dedos
já a tua boca
que vai sorvendo os lábios
dessa boca
que manipulo - conduzo
pensando em tua boca
Ardência funda
planta em movimento
que trepa e fende fundidas
já no tempo
calando o grito nos pulmões da tarde
E todo o corpo
é esse movimento
que trepa e fende fundidas
já no tempo
calando o grito nos pulmões da tarde
E todo o corpo
é esse movimento
em torno
em volta
no centro desses lábios
que a febre toma
engrossa
e vai cedendo a pouco e pouco
nos dedos e na palma
Maria Teresa Horta
Foto:Klaus Goffelmeyer
quinta-feira, abril 21, 2005
Vampiros
Eles andam aí
Soltos à noite.
São os pedófilos!
Têm relações com crianças
Violam-nas
Abusam
Mas saem impunes.
São uns filhos da mãe
Deviam ser presos
Enrabados
Capados.
Fazem estragos que duram a vida toda.
São os vampiros nojentos!
Imagem daqui
P.S.: Entretanto decorre o julgamento do caso "Casa Pia" com os vampiros todos!
Poema da Auto-Estrada
Voando vai para a praia
Leonor na estrada preta.
Vai na brasa, de lambreta.
Leva calções de pirata,
Vermelho de alizarina,
modelando a coxa fina
De impaciente nervura.
Como guache lustroso,
Amarelo de indantreno,
Blusinha de terileno
Desfraldada na cintura.
Fuge, fuge, Leonoreta.
Vai na brasa de lambreta.
Agarrada ao companheiro
Na volúpia da escapada
Pincha no banco traseiro
Em cada volta da estrada.
Grita de medo fingido,
Que o receio não é com ela,
Mas por amor e cautela
Abraça-o pela cintura.
Vai ditosa, e bem segura.
Como um rasgão na paisagem
Corta a lambreta afiada,
Engole as bermas da estrada
E a rumorosa folhagem.
Urrando, estremece a terra,
Bramir de rinoceronte,
Enfia pelo horizonte
Como um punhal que se enterra.
Tudo foge à sua volta,
O céu, as nuvens, as casas,
E com os bramidos que solta
Lembra um demónio com asas.
Na confusão dos sentidos
Já nem percebe, Leonor,
Se o que lhe chega aos ouvidos
São ecos de amor perdidos
Se os rugidos do motor.
Fuge, fuge, Leonoreta.
Vai na brasa de lambreta.
António Gedeão
Imagem daqui
quarta-feira, abril 20, 2005
Lirismo
Sou lírica!
Queria que este mundo
fosse um lugar de paz.
Sem guerras, fome, miséria.
Sem ditaduras
Sem papas retrógrados.
Queria as crianças felizes,
os idosos sem serem tratados como lixo.
Queria muita coisa...
Mas repito:
sou lírica.
Foto:Steve Chong
Divertimento com sinais ortográficos
...
Em aberto, em suspenso
Fica tudo o que digo.
E também o que faço é reticente...
:
Introduzimos, por vezes,
Frases nada agradáveis...
.
Depois de mim maiúscula
Ou espaço em branco
Contra o qual defendo os textos
,
Quando estou mal disposta
(E estou-o muitas vezes...)
Mudo o sentido às frases,
Complico tudo...
!
Não abuses de mim!
?
Serás capaz de responder a tudo o que pergunto?
( )
Quem nos dera bem juntos
Sem grandes apartes metidos entre nós!
^
Dou guarida e afecto
A vogal que procure um tecto.
Alexandre O'Neill, in "Abandono Vigiado"
Foto:Lisani Otag
terça-feira, abril 19, 2005
Sol
Está sol em mim
Estou solta.
Livre das sombras
que às vezes me perseguem.
Hoje quero
que a vida seja libertadora,
que os amigos não tenham problemas,
porque me preocupo com eles.
Foto:Ricardo Cordeiro
O amor em visita
Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra
e seu arbusto de sangue. Com ela
encantarei a noite.
Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher.
Seus ombros beijarei, a pedra pequena
do sorriso de um momento.
Mulher quase incriada, mas com a gravidade
de dois seios, com o peso lúbrico e triste
da boca. Seus ombros beijarei.
Cantar? Longamente cantar,
Uma mulher com quem beber e morrer.
Quando fora se abrir o instinto da noite e uma ave
o atravessar trespassada por um grito marítimo
e o pão for invadido pelas ondas,
seu corpo arderá mansamente sob os meus olhos palpitantes
ele - imagem inacessível e casta de um certo pensamento
de alegria e de impudor.
Seu corpo arderá para mim
sobre um lençol mordido por flores com água.
Ah! em cada mulher existe uma morte silenciosa;
e enquanto o dorso imagina, sob nossos dedos,
os bordões da melodia,
a morte sobe pelos dedos, navega o sangue,
desfaz-se em embriaguez dentro do coração faminto.
- Ó cabra no vento e na urze, mulher nua sob
as mãos, mulher de ventre escarlate onde o sal põe o espírito,
mulher de pés no branco, transportadora
da morte e da alegria.
Herberto Helder
Foto:Klaus Goffelmeyer
segunda-feira, abril 18, 2005
José Régio
Corpo de ânsia.
Eu sonhei que te prostava,
E te enleava
Aos meus músculos!
Olhos de êxtase,
Eu sonhei que em vós bebia
Melancolia
De há séculos!
Boca sôfrega,
Rosa brava
Eu sonhei que te esfolhava
Petala a pétala!
Seios rígidos,
Eu sonhei que vos mordia
Até que sentia
Vómitos!
Ventre de mármore,
Eu sonhei que te sugava,
E esgotava
Como a um cálice!
Pernas de estátua,
Eu sonhei que vos abria,
Na fantasia,
Como pórticos!
Pés de sílfide,
Eu sonhei que vos queimava
Na lava
Destas mãos ávidas!
Corpo de ânsia,
Flor de volúpia sem lei!
Não te apagues, sonho! mata-me
Como eu sonhei.
Foto:Klaus Goffelmeyer
domingo, abril 17, 2005
Colada à tua boca a minha desordem
Colada à tua boca a minha desordem.
O meu vasto querer.
O incompossível se fazendo ordem.
Colada à tua boca, mas descomedida
Árdua
Construtor de ilusões examino-te sôfrega
Como se fosses morrer colado à minha boca.
Como se fosse nascer
E tu fosses o dia magnânimo
Eu te sorvo extremada à luz do amanhecer.
Hilda Hilst
Imagem daqui
sábado, abril 16, 2005
Putos da rua
Putos da rua.
Snifam cola,
Bebem cerveja,
dormem nas grades do metro,
assaltam.
Olhos marcados pela dor,
corpo gingão.
Atacam na avenida,
porcos pedófilos aproveitam.
É a exploração
da criança que já não o é.
São putos da rua...
Foto:Shabahang Kowsar
II - O Meu Olhar
O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de, vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...
Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender ...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar ...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...
Alberto Caeiro
Imagem daqui
sexta-feira, abril 15, 2005
Grito
Quero gritar liberdade!
Soltar-me desta vida.
Ir por aí fora,
cantar alegremente.
Atirar os pensamentos para a sarjeta,
limpar a mente.
Ser livre de mim.
Soltar as amarras,
para voar em pleno!
Foto: Klaus Goffelmeyer
Cantiga de Abril
Às Forças Armadas e ao povo de Portugal
"Não hei-de morrer sem saber qual a cor da liberdade"
Jorge de Sena
Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.
Quase, quase cinqüenta anos
reinaram neste país,
e conta de tantos danos,
de tantos crimes e enganos,
chegava até à raíz.
Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.
Tantos morreram sem ver
o dia do despertar!
Tantos sem poder saber
com que letras escrever,
com que palavras gritar!
Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.
Essa paz de cemitério
toda prisão ou censura.
e o poder feito galdério,
sem limite e sem cautério,
todo embófia e sinecura.
Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.
Esses ricos sem vergonha,
esses pobres sem futuro,
essa emigração medonha,
e a tristeza uma peçonha
envenenando o ar puro.
Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.
Essas guerra de além-mar
gastando as armas e a gente,
esse morrer e matar
sem sinal de se acabar
por política demente.
Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.
Esse perder-se no mundo
o nome de Portugal,
essa amargura sem fundo,
só miséria sem segundo,
só desespero fatal.
Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.
Quase, quase cinquenta anos
durou esta eternidade,
numa sombra de gusanos
e em negócios de ciganos,
entre mentira e maldade.
Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.
Saem tanques para a rua,
sai o povo logo atrás:
estala enfim, altiva e nua,
com força que não recua,
a verdade mais veraz.
Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.
Jorge de Sena
Imagem daqui
quinta-feira, abril 14, 2005
Mar
Mergulho nas ondas do mar
Vou ao fundo de mim.
Extasiada com o azul
fico a flutuar
como um barco vazio.
As gaivotas pairam no ar.
Sobrevoam o meu corpo
meio adormecido.
A calma do mar
embala-me o sonho.
Foto:Luís Garção Nunes
Rebeldia
Soltem-me
as algemas
Quero
a minha alma livre
meu corpo livre
meu pensamento livre
Esbofetear o mundo
e cuspir
na vida
Manuela Amaral
Foto:Klaus Goffelmeyer
quarta-feira, abril 13, 2005
Solta- Se O Beijo
Espreito por uma porta encostada
Sigo as pegadas de luz
Peço ao gato "xiu" para não me denunciar
Toca o relógio sem cuco
Dá horas à cusquice das vizinhas e eu
Confesso às paredes de quem gosto
Elas conhecem-te bem
Aconhego-me nesta cumplicidade
Deixo-me ir nos trilhos traçados
Pela saudade de te encontrar
Ainda onde te deixei
Trago-te o beijo prometido
Sei o teu cheiro mergulho no teu tocar
Abraças a guitarra e voas para além da lua
Amarro o beijo que se quer soltar
Espero que me sintas para me entregar
A cadeira, as costas, o cabelo e a cigarrilha
A dança do teu ombro...
E nesse instante em que o silêncio
É o bater do coração
Fecha-se a porta
Pára o relógio
As vizinhas recolhem
Tu olhas-me...
Tu olhas-me...
Trago-te o beijo prometido
Sei o teu cheiro, mergulho no teu tocar
Abraças a guitarra e voas para além da lua
Amarro o beijo que se quer soltar
Espero que me sintas para me entregar
A cadeira, as costas, o cabelo e a cigarrilha
A dança do teu ombro...
E, nesse instante em que o silêncio
É o bater do coração
Fecha-se a porta
Pára o relógio
As vizinhas recolhem
Solta-se o beijo, o gato mia...
Solta-se o beijo, o gato mia...
Solta-se o beijo, o gato mia...
Tu olhas-me...
Tu olhas-me...
Solta-se o beijo, o gato mia...
Solta-se o beijo, o gato mia...
Solta-se p beijo, o gato mia...
Espreito por uma porta encostada
Sigo as pegadas de luz
Peço ao gato "xiu" para não me denunciar
Ala dos Namorados
Autora: Catarina Furtado
Imagem daqui
PS: Porque hoje é o Dia Internacional do beijo:)
O lado escuro da lua
No lado escuro da lua
que existirá?
É como o nosso lado escuro:
os nossos medos,
os nossos recalcamentos,
as nossas frustações.
Queremos suprimi-los
não conseguimos.
Só nos resta olhar o luar!
Ver a sua luz
para nos iluminar.
Imagem daqui
terça-feira, abril 12, 2005
Cadeia de Literatura
Ex-libris da tugoesfera
"é iniciada aqui uma cadeia de literatura pela blogosfera portuguesa, vou chamar-lhe o ex-libris da tugosfera.
a iniciativa foi do barrie do the pink bee, que fez o primeiro post a 7 de março, e foi-me passada pelo guy do non tibi spiro para lhe dar "o sabor do sul da europa". espero que a sigam."
Foi o "mauzinho" do ZecaTelhado que me passou a bola.
Não podendo sair do Fahrenheit 451, que livro quererias ser?
-O Perfume (não me lembro do autor).
Já alguma vez ficaste apanhadinha(o) por um personagem de ficção?
-Já. Pelo Princípezinho.
Qual foi o último livro que compraste?
-Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra de Mia Couto
Qual o último livro que leste?
-Reli vinte poemas de amor e uma canção desesperada de Pablo Neruda
Que livros estás a ler?
-Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra.
Que livros(5) levarias para uma ilha deserta?
-O Principezinho de Saint Exupéry, Fernão Capelo Gaivota de Richard Bach, Obras completas de Fernando Pessoa, Sonetos de Florbela Espanca e todos os poemas de Sophia de Mello Breyner.
A quem vais passar este testemunho (3 pessoas) e porquê?
-Ao ognid porque estou curiosa.
-À Pandora porque é sagitariana como eu.
-Ao João porque quero ver as suas respostas.
E os vencedores são:
-Todos e nenhum.
Confiar
Quando tudo parece negro
Aparece a esperança.
Nem tudo é assim tão mau.
É preciso confiar.
Deitar para trás das costas os problemas,
seguir em frente.
É lutando dia a dia
que crescemos como pessoas.
Algo nasce no interior,
que nos faz respirar levemente.
Foto:Bill Angel
Rua da Saudade, 23
as tuas mãos grandes
o cigarro no fim
o copo na mão
as pedras de gelo
as meias de fio da Escócia
os sapatos italianos
as calças de fazenda inglesa
a camisola de caxemira
a camisa de seda
e a melena de menino que lhe teimava em cair para a testa
a perna traçada
o corpo para a frente
a casa arrumada
a miopia vaidosa
o cheiro a colónia
a caneta de oiro
a lapiseira de prata
a pasta de cabedal
o retrato da mãe
o riso traiçoeiro
a lágrima teimosa
os copos a mais
e essa maldita solidão que te perseguia desde menino
a palavra ousada
a teimosia obstinada
os gritos atravessados
as almofadas
os biblots e retratos
a porta de barro
os livros em paisagem
os quadros pintados
o telefone partido
a página arrancada
o livro não lido
o táxi chamado
a urgência espreitada
o riso afogado
o brilho dos olhos
e essa ternura que te perseguia desde menino
o remédio do mal
doença arrumada
as toalhas de linho
aquecimento ligado
o terraço enfeitado
os telhados da Graça
as begónias encarnadas
os nados e cardos
consomem a esfriar
o souflé a crescer
a mesa já posta
as velas acesas
os meus filhos a chegarem
a gargalhada a crescer
a rodela de limão caída no chão
e essa tristeza que te perseguia desde menino
as trelícias na jarra
a garrafa vazia
o copo partido
as peles roídas
o ginete arrolado
a troca oportuna
a palavra cruel
a tua letra no papel
a casa arrumada
as cortinas na janela
as rendas da toalha
a graxa dos sapatos
a calça vincada
o cinto de pele
o chão encerado
e essa angústia que te perseguia desde menino
o grito urgente
o chamar aflito
o poema dito
o livro já lido
o quadro olhado
o retrato rasgado
a mesa partida
a bebida no fim
o descanso inquieto
a saída rápida
o chegar ansioso
a pasta na mão
o cigarro na mão
a rodela de limão
a tua mão na minha mão
a saudade da mãe
a porta a bater
a chave entortada
o táxi a partir
o telefone a tocar
a vontade de ir
a paz de ficar
e essa coragem que te perseguia desde menino
Ary dos Santos
Foto: Bradford Carr
P.S.: Este poema foi-me mandado pela Thita do ABC dos miúdos
Navegar é preciso
Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:
"Navegar é preciso; viver não é preciso".
Quero para mim o espírito [d]esta frase,
transformada a forma para a casar como eu sou:
Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.
Só quero torná-la grande,
ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo.
Só quero torná-la de toda a humanidade;
ainda que para isso tenha de a perder como minha.
Cada vez mais assim penso.
Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue
o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir
para a evolução da humanidade.
É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.
Fernando Pessoa
Imagem daqui
segunda-feira, abril 11, 2005
Irreal
Enquanto trabalho
Ocupo-me, esqueço
Chego a casa e tudo volta:
Preocupações do dia a dia,
Vontade de que nada se esteja a passar realmente,
Querer estar onde não posso,
Falar com quem não posso.
Preciso de carinho,
porque a máscara cai.
Fico vulnerável perante as preocupações.
Quero o irreal e o impossível!
Foto:Klaus Goffelmeyer
Carta de Amor
Para te dizer tão-só que te queria
Como se o tempo fosse um sentimento
bastava o teu sorriso de um outro dia
nesse instante em que fomos um momento.
Dizer amor como se fosse proibido
entre os meus braços enlaçar-te mais
como um livro devorado e nunca lido.
Será pecado, amor, amar-te demais?
Esperar como se fosse (des) esperar-te,
essa certeza de te ter antes de ter.
Ensaiar sozinho a nossa arte
de fazer amor antes de ser.
Adivinhar nos olhos que não vejo
a sede dessa boca que não canta
e deitar-me ao teu lado como o Tejo
aos pés dessa Lisboa que ele encanta.
Sentir falta de ti por tu não estares
talvez por não saber se tu existes
(percorrendo em silêncio esses altares
em sacrifícios pagãos de olhos tristes).
Ausência, sim. Amor visto por dentro,
certezas ao contrário, por estar só.
Pesadelo no meu sonho noite adentro
quando, ao meu lado, dorme o que não sou.
E, afinal, depois o que ficou
das noites perdidas à procura
de um resto de virtude que passou
por nós em co(r)pos de loucura?
Apenas mais um corpo que marcou
a esperança disfarçada de aventura...
(Da estupidez dos dias já estou farto,
das noites repetidas já cansado.
Mas, afinal, meu Deus, quando é que parto
para começar, enfim, este meu fado?)
No fim deste caminho de pecados
feito de desencontros e de encantos,
de palavras e de corpos já usados
onde ficamos sós, sempre, entre tantos...
Que fique como um dedo a nossa marca
e do que foi um beijo o nosso cheiro
Tesouro que não somos. Fique a arca
que guarde o que vivemos por inteiro.
Fernando Tavares Rodrigues
Foto:Klaus Goffelmeyer
domingo, abril 10, 2005
sábado, abril 09, 2005
Gozo XI
Conduzes na saliva
um candelabro aceso
um chicote de gozo
nas palavras
E a seda do meu corpo
já te cede
neste odor de borco em que me abres
Sedenta e sequiosa
vou sabendo
a demorar o tempo que se espraia
ao longo dos flancos que vou tendo:
as tuas pernas
vezes teu ventre
A tua língua
vezes os teus dentes
Maria Teresa Horta
Foto:Klaus Goffelmeyer
sexta-feira, abril 08, 2005
quinta-feira, abril 07, 2005
Segredo
Nem o Tempo tem tempo
para sondar as trevas
deste rio correndo
entre a pele e a pele
Nem o Tempo tem tempo
nem as trevas dão tréguas
Não descubro o segredo
que o teu corpo segrega
David Mourão-Ferreira
Foto:Klaus Goffelmeyer
Gato que brincas
Gato que brincas na rua
Como se fosse na cama,
Invejo a sorte que é tua
Porque nem sorte se chama.
Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais
E sentes só o que sentes.
És feliz porque és assim,
Todo o nada que és é teu.
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu.
Fernando Pessoa
Imagem daqui
terça-feira, abril 05, 2005
Contigo aprendi coisas tão simples
Contigo aprendi coisas tão simples como
a forma de convívio com o meu cabelo ralo
e a diversa cor que há nos olhos das pessoas
Só tu me acompanhastes súbitos momentos
quando tudo ruía ao meu redor
e me sentia só e no cabo do mundo
Contigo fui cruel no dia a dia
mais que mulher tu és já a minha única viúva
Não posso dar-te mais do te dou
este molhado olhar de homem que morre
e se comove ao ver-te assim presente tão subitamente
Ruy Belo
Foto:Fernando Quintino Estevão
O nosso livro
A A.G.
Livro do meu amor, do teu amor,
Livro do nosso amor, do nosso peito...
Abre-lhe as folhas devagar, com jeito,
Como se fossem pétalas em flor.
Olha que eu outro já não sei compor
Mais santamente triste, mais perfeito.
Não esfolhes os lírios com que é feito
Que outros não tenho em meu jardim de dor!
Livro de mais ninguém! Só meu! Só teu!
Num sorriso tu dizes e digo eu:
Versos só nossos mas que lindos sois!
Ah! meu Amor! Mas quanta, quanta gente
Dirá, fechando o livro docemente:
«Versos só nossos, só de nós os dois!...»
Florbela Espanca
Imagem daqui
segunda-feira, abril 04, 2005
Gozo VII
São as tuas nádegas
na curva dos meus dedos
as tuas pernas
atentas e curvadas
O cravo – o crivo
sabor da madrugada
no manso odor do mar das tuas
espáduas
E se soergo com as mãos
as tuas coxas
e acerto o corpo no calor
das vagas
logo me vergas
e és tu então
que tens os dedos
agora
em minha nádegas
Maria Teresa Horta
Foto:Maury Perseval
domingo, abril 03, 2005
As Rosas
As Rosas amo dos jardins de Adônis,
Essas volucres amo, Lídia, rosas,
Que em o dia em que nascem,
Em esse dia morrem.
A luz para elas é eterna, porque
Nascem nascido já o sol, e acabam
Antes que Apolo deixe
O seu curso visível.
Assim façamos nossa vida um dia,
Inscientes, Lídia, voluntariamente
Que há noite antes e após
O pouco que duramos.
Ricardo Reis
Imagem daqui
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