segunda-feira, fevereiro 28, 2005
Deserto
Na areia do deserto, divago silenciosamente e penso em ti.
Como era bom estar contigo.
Os teus lábios, as tuas orelhas, o teu pescoço, a tua pele.
Chegávamos a casa e bastava um olhar. Não havia tempo para mais nada.
Despiamo-nos à pressa e tocávamo-nos.
As pernas, os cabelos, a boca com mordidelas pequeninas...
O teu sexo entrava em mim e eu ria muito de prazer.
No orgasmo tornava-me a rir.
Mas um dia acabou.
E passei a divagar no deserto do sonho, voando sem sentimentos
Vazia, oca, e nunca mais quis sair deste deserto.
wind
Foto:Pedro Monteiro
Água Viva
Eu quero o poema cnidoblasto,
cheio de chatos nematocistos.
Que arde como os antigos emplastos,
estranho como os ornitorrincos.
Que ignore aqueles verdes pastos
e embriague como vinho tinto.
Quero o verso chato enigmático
que cante tudo e nada que sinto.
Que se danem o pássaro simpático
e as flores em formato de brinco.
Cecília Meireles
Bucólica e não
Há sempre poetas para fazer versos à terra,
às plantas, animais, num cheiro de bucólico,
mistura de verduras podres, resinas escorrendo,
flores perfumadas, terra humedecida, e o adocicado
e acre também estrume: é sexo o que cheiram?
Amor o que respiram? As ervas que no vento
se abaixam e se entesam, e o arvoredo erecto,
de ramos balançando mas retesos,
é de si mesmos sem baixar os olhos
ao longo do seu corpo e sem tocar-se
com as mãos- que lhes recordam?
E aqueles nós peludos de musgentos
em troncos. Ou no chão buracos de formigas,
e de si mesmos, fêmeas, que lhes lembram?
É orvalho em flores ou folhas ou nos troncos,
rios e regatos murmurantes- que serão?
Acaso podem ser opacos e leitosos,
Jorrando intermitentes num agudo jacto?
que terra o amor mostra que não seja
o amor que não se abriu ou não saltou,
o amor que não foi feito ou não se deu?
Jorge de Sena
Foto:Luís Lobo Henriques
Aceso no almo ardor, que a mente inflama.
Aceso no almo ardor, que a mente inflama.
Vivo de Amor, de Amor suspiro e canto;
Na face agora o riso, agora o pranto,
De árvore tua, oh Febo, eu cinjo a rama:
Prezo a doce moral, na voz da fama
Meu nome,pouco a pouco aos céus levanto
Mas turba vil, que abato, anseio e espanto,
Urde em meu dano abominável trama;
Réu me delata de hórrida maldade,
Projecta aniquilar-me o bando rude,
Envolto na leteia escuridade:
Que falsa ideia, oh zoilos, vos ilude?
Furtais-me a paz? Furtais-me a liberdade?
Fica-me a glória, fica-me a virtude.
Bocage
A vagina
É cálida flor
E trópica mansamente
De leite entreaberta às tuas
Mãos
Feltro das pétalas que por dentro
Tem o felpo das pálpebras
Da língua a lentidão
Guelra do corpo
Pulmão que não respira
Dobada em muco
Tecida em água
Flor carnívora voraz do próprio
suco
No ventre entorpecida
Nas pernas sequestrada.
Maria Teresa Horta
domingo, fevereiro 27, 2005
On the turning away
FROM THE PALE AND DOWNTRODDEN
AND THE WORDS THEY SAY
WHICH WE WON´T UNDERSTAND
DON´T ACCEPT THAT WHAT´S HAPPENING
IS JUST A CASE OF OTHERS´SUFFERING
OR YOU´LL FIND THAT YOU´RE JOINING IN
THE TURNING AWAY
IT´S A SIN THAT SOMEHOW
LIGHT IS CHANGING TO SHADOW
AND CASTING ITS SHROUD
OVER ALL WE HAVE KNOWN
UNAWARE HOW THE RANKS HAVE GROWN
DRIVEN ON BY A HEART OF STONE
WE COULD FIND THAT WE´RE ALL ALONE
IN THE DREAM OF THE PROUD
ON THE WINGS OF THE NIGHT
AS THE DAYTIME IS STIRRING
WHERE THE SPEECHLESS UNITE
IN A SILENT ACCORD
USING WORDS YOU WILL FIND ARE STRANGE
AND MESMERISED AS THEY LIGHT THE FLAME
FEEL THE NEW WIND OF CHANGE
ON THE WINGS OF THE NIGHT
NO MORE TURNING AWAY
FROM THE WEAK AND THE WEARY
NO MORE TURNING AWAY
FROM THE COLDNESS INSIDE
JUST A WORLD THAT WE ALL MUST SHARE
IT´S NOT ENOUGH JUST TO STAND AND STARE
IT IS ONLY A DREAM THAT THERE´LL BE
NO MORE TURNING AWAY
Pink Floyd
Milord
Allez, venez, Milord!
Vous asseoir à ma table;
Il fait si froid, dehors,
Ici c'est confortable.
Laissez-vous faire, Milord
Et prenez bien vos aises,
Vos peines sur mon coeur
Et vos pieds sur une chaise
Je vous connais, Milord,
Vous n'm'avez jamais vue
Je ne suis qu'une fille du port,
Qu'une ombre de la rue...
Pourtant j'vous ai frôlé
Quand vous passiez hier,
Vous n'étiez pas peu fier,
Dame! Le ciel vous comblait:
Votre foulard de soie
Flottant sur vos épaules,
Vous aviez le beau rôle,
On aurait dit le roi...
Vous marchiez en vainqueur
Au bras d'une demoiselle
Mon Dieu!... Qu'elle était belle...
J'en ai froid dans le coeur...
Allez, venez, Milord!
Vous asseoir à ma table;
Il fait si froid, dehors,
Ici c'est confortable.
Laissez-vous faire, Milord,
Et prenez bien vos aises,
Vos peines sur mon coeur
Et vos pieds sur une chaise
Je vous connais, Milord,
Vous n'm'avez jamais vue
Je ne suis qu'une fille du port
Qu'une ombre de la rue...
Dire qu'il suffit parfois
Qu'il y ait un navire
Pour que tout se déchire
Quand le navire s'en va...
Il emmenait avec lui
La douce aux yeux si tendres
Qui n'a pas su comprendre
Qu'elle brisait votre vie
L'amour, ça fait pleurer
Comme quoi l'existence
Ça vous donne toutes les chances
Pour les reprendre après...
Allez, venez, Milord!
Vous avez l'air d'un môme!
Laissez-vous faire, Milord,
Venez dans mon royaume:
Je soigne les remords,
Je chante la romance,
Je chante les milords
Qui n'ont pas eu de chance!
Regardez-moi, Milord,
Vous n'm'avez jamais vue...
...Mais... vous pleurez, Milord?
Ça... j'l'aurais jamais cru!...
Eh ben, voyons, Milord!
Souriez-moi, Milord!
...Mieux qu' ça! Un petit effort...
Voilà, c'est ça!
Allez, riez, Milord!
Allez, chantez, Milord!
La-la-la...
Mais oui, dansez, Milord!
La-la-la... Bravo Milord!
La-la-la... Encore Milord!... La-la-la...
Edith Piaf
As vidas que eu sonhei
Fico soturno a olhar para o mar
e a pensar num rei a traduzir Shakespeare
numa varanda embriagada pelo azul.
Deixei de ter tempo para espiritualidades,
para o engodo das tremendas interrogações,
para a altivez das perguntas sem resposta.
Fiquei temporariamente domesticado
para uma outra escrita, por um discurso
que não consente divagação ou fuga.
Normalizei-me, e contudo gosto de ver
a mão hesitante e trémula
à beira da consumação do poema
quando a maré assalta a muralha
e traz, misturados com a espuma,
os destroços das vidas que eu sonhei,
das vidas que, se calhar, eu já vivi.
José Jorge Letria
Paisagem
Desejei-te pinheiro à beira-mar
para fixar o teu perfil exacto.
Desejei-te encerrada num retrato
para poder-te comtemplar.
Desejei que tu fosses sombra e folhas
no limite sereno desta praia.
E desejei:
Mas frágil e humano grão de areia
não me detive à tua sombra esguia.
(Insatisfeito, um corpo rodopia
na solidão que te rodeia.)
David Mourão-Ferreira
Foto:Manuel Moura Galrinho
Navegar é preciso
Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:
"Navegar é preciso; viver não é preciso".
Quero para mim o espírito [d]esta frase,
transformada a forma para a casar como eu sou:
Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.
Só quero torná-la grande,
ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo.
Só quero torná-la de toda a humanidade;
ainda que para isso tenha de a perder como minha.
Cada vez mais assim penso.
Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue
o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir
para a evolução da humanidade.
É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.
Fernando Pessoa
A largada
Foram então as ânsias e os pinhais
Transformados em frágeis caravelas
Que partiam guiadas por sinais
Duma agulha inquieta como elas...
Foram então abraços repetidos
À Pátria-Mãe-Viúva que ficava
Na areia fria aos gritos e aos gemidos
Pela morte dos filhos que beijava.
Foram então as velas enfunadas
Por um sopro viril de reacção
Às palavras cansadas
Que se ouviam no cais dessa ilusão.
Foram então as horas no convés
Do grande sonho que mandava ser
Cada homem tão firme nos seus pés
Que a nau tremesse sem ninguém tremer.
Miguel Torga
sábado, fevereiro 26, 2005
No brilho redondo
No brilho redondo
No brilho redondo
e jovem dos joelhos.
Na noite inclinada
de melancolia.
Procura.
Procura a maravilha.
Eugénio de Andrade
Acaso
No acaso da rua o acaso da rapariga loira.
Mas não, não é aquela.
A outra era noutra rua, noutra cidade, e eu era outro.
Perco-me subitamente da visão imediata,
Estou outra vez na outra cidade, na outra rua,
E a outra rapariga passa.
Que grande vantagem o recordar intransigentemente!
Agora tenho pena de nunca mais ter visto a outra rapariga,
E tenho pena de afinal nem sequer ter olhado para esta.
Que grande vantagem trazer a alma virada do avesso!
Ao menos escrevem-se versos.
Escrevem-se versos, passa-se por doido, e depois por gênio, se calhar,
Se calhar, ou até sem calhar,
Maravilha das celebridades!
Ia eu dizendo que ao menos escrevem-se versos...
Mas isto era a respeito de uma rapariga,
De uma rapariga loira,
Mas qual delas?
Havia uma que vi há muito tempo numa outra cidade,
Numa outra espécie de rua;
E houve esta que vi há muito tempo numa outra cidade
Numa outra espécie de rua;
Por que todas as recordações são a mesma recordação,
Tudo que foi é a mesma morte,
Ontem, hoje, quem sabe se até amanhã?
Um transeunte olha para mim com uma estranheza ocasional.
Estaria eu a fazer versos em gestos e caretas?
Pode ser... A rapariga loira?
É a mesma afinal...
Tudo é o mesmo afinal ...
Só eu, de qualquer modo, não sou o mesmo, e isto é o mesmo também afinal.
Álvaro de Campos
Beijo
Um beijo em lábios é que se demora
e tremem no abrir-se a dentes línguas
tão penetrantes quanto línguas podem.
Mais beijo é mais. É boca aberta hiante
para de encher-se ao que se mova nela.
É dentes se apertando delicados.
É língua que na boca se agitando
irá de um corpo inteiro descobrir o gosto
e sobretudo o que se oculta em sombras
e nos recantos em cabelos vive.
É beijo tudo o que de lábios seja
quanto de lábios se deseja.
Jorge de Sena
Quadras Soltas
(Parte do capítulo chamado Canção das Perdidas
do livro "O Canto da Cigarra".)
Há no mundo quem afronte
Uma mulher, quando cai.
Nasce água pura na fonte
Quem a suja é quem lá vai.
Se aquilo que a gente sente
Cá dentro, tivesse voz
Muita gente, toda a gente
Teria pena de nós.
Quem por amor se perdeu
Não chore, não tenha pena
Uma das santas dos Céus
Foi Maria Madalena.
Augusto Gil
sexta-feira, fevereiro 25, 2005
Riders On The Storm
Riders on the storm,
Riders on the storm,
into this house we're born,
into this world we're thrown
like a dog without a bone,
an actor out alone,
riders on the strom
There's a killer on the road
His brain is squirming like a toad
Take a long holiday
Let your children play
If you give this man a ride
Sweet family will die
Killer on the road
(music)
Girl you gotta love your man
Girl you gotta love your man
Take him by the hand
Make him understand
The world on you depends
Or life will never end
Gotta love your man
The Doors
Brinquedo
Foi um sonho que eu tive:
Era uma grande estrela de papel,
Um cordel
E um menino de bibe.
O menino tinha lançado a estrela
Com ar de quem semeia uma ilusão;
E a estrela ia subindo, azul e amarela,
Presa pelo cordel à sua mão.
Mas tão alto subiu
Que deixou de ser estrela de papel.
E o menino, ao vê-la assim, sorriu
E cortou-lhe o cordel.
Poema: Miguel Torga
Foto: Wind
Cabelos
Ó vagas de cabelos esparsas longamente,
Que sois o vasto espelho onde eu me vou mirar,
E tendes o cristal dum lago refulgente
E a rude escuridão dum largo e negro mar;
Cabelos torrenciais daquela que me enleva,
Deixai-me mergulhar as mãos e os braços nus
No báratro febril da vossa grande treva,
Que tem cintilações e meigos céus de luz.
Deixai-me navegar, morosamente, a remos,
Quando ele estiver brando e livre de tufões,
E, ao plácido luar, ó vagas, marulhemos
E enchamos de harmonia as amplas solidões.
Deixai-me naufragar no cimo dos cachopos
Ocultos nesse abismo ebânico e tão bom
Como um licor renano a fermentar nos copos,
Abismo que se espraia em rendas de Alençon!
E ó mágica mulher, ó minha Inigualável,
Que tens o imenso bem de ter cabelos tais,
E os pisas desdenhosa, altiva, imperturbável,
Entre o rumor banal do hinos triunfais;
Consente que eu aspire esse perfume raro,
Que exalas da cabeça erguida com fulgor,
Perfume que estonteia um milionário avaro
E faz morrer de febre um pobre sonhador.
Eu sei que tu possuis balsâmicos desejos,
E vais na direcção constante do querer,
Mas ouço, ao ver-te andar, melódicos harpejos,
Que fazem mansamente amar e enlanguescer.
E a tua cabeleira, errante pelas costas,
Suponho que te serve, em noites de Verão,
De flácido espaldar aonde te recostas
Se sentes o abandono e a morna prostração.
E ela há-de, ela há-de, um dia, em turbilhões insanos,
Nos rolos envolver-me e armar-me do vigor
Que antigamente deu, nos circos dos romanos,
Um óleo para ungir o corpo ao gladiador.
................................................
................................................
Ó mantos de veludo esplêndido e sombrio,
Na vossa vastidão posso talvez morrer!
Mas vinde-me aquecer, que eu tenho muito frio
E quero asfixiar-me em ondas de prazer.
Cesário Verde
Sinais que no amor se adiantam
No teu olhar se esfuma e desvanece
A cidade onde o corpo por enquanto é preciso.
É quano a outra face do luar aparece
E o balir das ovelhas tem o som do meu riso.
Para tapar meu seio já nenhum astro tece
A roupa com que outrora saí do paraiso.
O pudor é da terra. Só por isso anoitece
E a nudez dos amantes é não darem por isso.
A semente do filho que em nós amadurece
Trouxe-a no bico a pomba que o seu reino prepara.
Por isso na cidade já ninguém nos conhece
Pois que ambos trazemos esse filho na cara.
Natália Correia
Foto:Carlos Loff Fonseca
Inscrição na Areia
O meu amor não tem
importância nenhuma.
Não tem o peso nem
de uma rosa de espuma!
Desfolha-se por quem?
Para quem se perfuma?
O meu amor não tem
importância nenhuma.
Cecília Meireles
Foto:Pedro Monteiro
quinta-feira, fevereiro 24, 2005
Outono
Uma lâmina de ar
Atravessando as portas. Um arco,
Uma flecha cravada no Outono. E a canção
Que fala das pessoas. Do rosto e dos lábios das pessoas.
E um velho marinheiro, grave, rangendo o cachimbo como
Uma amarra. À espera do mar. Esperando o silêncio.
É outono. Uma mulher de botas atravessa-me a tristeza
Quando saio para a rua, molhado como um pássaro.
Vêm de muito longe as minhas palavras, quem sabe se
Da minha revolta última. Ou do teu nome que repito.
Hoje há soldados, eléctricos. Uma parede
Cumprimenta o sol. Procura-se viver.
Vive-se, de resto, em todas as ruas, nos bares e nos cinemas.
Há homens e mulheres que compram o jornal e amam-se
Como se, de repente, não houvesse mais nada senão
A imperiosa ordem de (se) amarem.
Há em mim uma ternura desmedida pelas palavras.
Não há palavras que descrevam a loucura, o medo, os sentidos.
Não há um nome para a tua ausência. Há um muro
Que os meus olhos derrubam. Um estranho vinho
Que a minha boca recusa. É outono
A pouco e pouco despem-se as palavras.
Joaquim Pessoa
Conselhos de um velho apaixonado
Quando encontrar alguém e esse alguém fizer seu coração parar de funcionar
por alguns segundos, preste atenção: pode ser a pessoa mais importante da sua vida.
Se os olhares se cruzarem e, neste momento, houver o mesmo brilho intenso
entre eles, fique alerta: pode ser a pessoa que você está esperando desde o dia em que nasceu.
Se o toque dos lábios for intenso, se o beijo for apaixonante, e os olhos
se encherem dágua neste momento, perceba: existe algo mágico entre vocês.
Se o 1º e o último pensamento do seu dia for essa pessoa, se a vontade de
ficar juntos chegar a apertar o coração, agradeça: Algo do céu te mandou
um presente divino : O AMOR.
Se um dia tiverem que pedir perdão um ao outro por algum motivo e,em
troca, receber um abraço, um sorriso, um afago nos cabelos e os gestos
valerem mais que mil palavras, entregue-se: vocês foram feitos um pro outro.
Se por algum motivo você estiver triste, se a vida te deu uma rasteira e a
outra pessoa sofrer o seu sofrimento, chorar as suas Lágrimas e enxugá-las
com ternura, que coisa maravilhosa: você poderá contar com ela em qualquer
momento de sua vida.
Se você conseguir, em pensamento, sentir o cheiro da pessoa como se ela
estivesse ali do seu lado... Se você achar a pessoa maravilhosamente linda, mesmo ela estando de pijamas velhos, chinelos de dedo e cabelos emaranhados... Se você não consegue trabalhar direito o dia todo, ansioso
pelo encontro que está marcado para a noite...
Se você não consegue imaginar, de maneira nenhuma, um futuro sem a pessoa ao seu lado...
Se você tiver a certeza que vai ver a outra envelhecendo e, mesmo assim, tiver a convicção que vai continuar sendo louco por ela...
Se você preferir fechar os olhos, antes de ver a outra partindo: é o amor
que chegou na sua vida.
Muitas pessoas apaixonam-se muitas vezes na vida, mas poucas amam
ou encontram um amor verdadeiro. Às vezes encontram e, por não
prestarem atenção nesses sinais, deixam amor passar, sem deixá-lo acontecer
verdadeiramente. É o livre-arbítrio.
Por isso, preste atenção nos sinais.
Não deixe que as loucuras do dia-a-dia o deixem cego para a melhor
coisa da vida: O AMOR !!!
Ame muito.....muitíssimo.......
Carlos Drummond de Andrade
Divagação sobre Salvador Dali
Salvador Dali amava as mulheres, só que era impotente.
A sua relação com Gala era de amor, pois nada se efectivava.
Aquele seu bigode, parece um pincel.
Porque faria todos os seus quadros com mulheres, usando a imagem de Gala?
Não teria mais ninguém?
Paranóia?
Ela seria exigente e possessiva?
Todas as mulheres deste quadro têm a mesma cara , só que com expressões diferentes.
Desculpem esta (diva)gação porque não percebo nada de pintura, apenas é um dos meus preferidos.
Voltando à relação dos dois, como se amavam?
Como os seus corpos se entrelaçavam?
Como é fazer amor com alguém impotente?
Como se beijavam?
Vendo os quadros dele, acho que é um caso para estudar psicologicamente.
E acabo a minha pseudo (diva)gação por aqui;)
Tela: Salvador Dali
Texto: wind
Oh deusa, que proteges dos amantes
Oh deusa, que proteges dos amantes
O destro furto, o crime deleitoso,
Abafa com teu manto pavoroso
Os importunos astros vigilantes;
Quero adoçar meus lábios anelantes
No seio da Ritália melindroso;
Estorva que os maus olhos do invejoso
Turbem de amor os sôfregos instantes;
Tétis formosa, tal encanto inspire
Ao namorado sol teu níveo rosto,
Que nunca de teus braços se retire!
Tarde ao menos o carro à Noite oposto,
Até que eu desfaleça, até que expire,
Nas ternas ânsias, no inefável gosto.
Bocage
Foto: João Freitas
Cesário Verde
Eu que sou feio, sólido, leal,
A ti, que és bela, frágil, assustada,
Quero estimar-te, sempre, recatada
Numa existência honesta, de cristal.
Sentado à mesa de um café devasso,
Ao avistar-te, há pouco fraca e loura,
Nesta babel tão velha e corruptora,
Tive tenções de oferecer-te o braço.
E, quando socorrestes um miserável,
Eu, que bebia cálices de absinto,
Mandei ir a garrafa, porque sinto
Que me tornas prestante, bom, sudável.
«Ela aí vem!» disse eu para os demais;
E pus me a olhar, vexado e suspirando,
O teu corpo que pulsa, alegre e brando,
Na frescura dos linhos matinais.
Via-te pela porta envidraçada;
E invejava, - talvez que não o suspeites! -
Esse vestido simples, sem enfeites,
Nessa cintura tenra, imaculada.
...
Soberbo dia! Impunha-me respeito
A limpidez do teu semblante grego;
E uma família, um ninho de sossego,
Desejava beijar o teu peito.
Com elegância e sem ostentação,
Atravessavas branca, esbelta e fina,
Uma chusma de padres de batina,
E de altos funcionários da nação.
«Mas se a atropela o povo turbulento!
Se fosse, por acaso, ali pisada!»
De repente, parastes embaraçada
Ao pé de um numeroso ajuntamento,
E eu, que urdia estes frágeis esbocetos,
Julguei ver, com a vista de poeta,
Um pombinha tímida e quieta
Num bando ameaçador de corvos pretos.
E foi, então que eu, homem varonil,
Quis dedicar-te a minha pobre vida,
A ti, que és ténue, dócil, recolhida,
Eu, que sou hábil, prático, viril.
Quadro:Monet
Gastão Era Perfeito
Gastão era perfeito
Conduzido por seu dono
Em sanolências afeito
Às picadas dos mosquitos
Era Gastão milionário
Vivia em tapetes raros
Se lhe viravam as costas
Chamava logo a polícia
Em crises de malquerência
Vinha-lhe o gosto pela soda
Mas ninguém se abespinhava
Que enviuvasse às ocultas
Nem Gastão se apercebia
De quanto a vida o prendara
Entre estiletes de prata
E colchas de seda fina
Gastão era deste jeito
Fazia provas reais
Gastão era um parapeito
De Papas e Cardeais
Vinha-lhe só por fastio
Nos tiquetaques da vida
Um solene desfastio
Pela mãe que era entrevada
Mandava bombons recados
Por mensageiros aflitos
Não fora Gastão dos fracos
E já seria ministro
Conheci-o em Alverca
Num bidon de gasolina
Tinha um pneu às avessas
Mas de asma é que sofria
Nos solestícios de Junho
A quem o quisesse ouvir
Dizia que era sobrinho
Do Fernão Peres de Trava
Querem saber de Gastão?
Vão ao Palácio da Pena
Usa agora capachinho
E gosta de codornizes
Tem um sinal que o indica
Como o mais forte Doutor
Espeta o dedo no queixo
E diz que é Nosso Senhor
Zeca Afonso
Eu Sempre Pensei
E eu sempre pensei: as mais simples palavras
Devem bastar.Quando eu disser como e
O coracao de cada um ficara dilacerado.
Que sucumbiras se nao te defenderes
Isso logo veras.
Bertolt Brecht
quarta-feira, fevereiro 23, 2005
No Exacto Automóvel
No exato automóvel, viajamos.
Em corpo e nervos, sal, angústia, grito.
Suor, temor da noite, aonde vamos?
Direita, esquerda? (Cruzamento) . Hesito.
Onde? Por onde? Somos dois, calados.
A chuva alaga o universo à volta.
A beira dágua, acenam-nos soldados.
Soam no escuro os passos de uma escolta.
Finco as mãos no volante. Derrapagem
— ou medo apenas do que vai comigo?
Já está próximo o termo da viagem.
Apertamos as mãos. "Saúde, amigo".
Daniel Filipe
Esperança
Levanto-me e a solidão volta à minha alma
Tão pouco tempo para viver e todos me dizem-calma!
Afasto os pensamentos da eterna solidão
Apesar de todos os momentos recordar com desilusão.
O fim de toda esta dor é um momento esperado
Todo o passado longíquo e o presente inacabado
E todas as vezes que caí aprendi a levantar
Mas desta vez é o fim e não adianta lamentar.
E sorrio quando penso em tantas coisas banais
Mas o sorriso é apagado entre as memórias finais
Tanto tempo desperdiçado, tanta dor sentida
Tanta paixão arrancada, tanta felicidade perdida.
E quando a noite chega só desejo a madrugada
Um fio de luz numa realidade há muito esperada
Agora compreendo o significado de tantas memórias
Entre tantas derrotas consigo encontrar inúmeras vitórias.
Silenceyes [uma amiga com quase metade da minha idade:-) Beijos para ela]
Manuela Amaral
TEU CORPO DE AGOSTO
Teu corpo é Agosto
Tu cheiras a verão
por baixo das veias
Tu cheiras a quente
Tu cheiras à febre
do sangue maduro
Teu ventre de orgia
teu cheiro a sodoma
aroma-mulher
Teu corpo de agosto
tem cheiro a setembro.
*
MARÉS VIVAS
Na praia teu corpo
eu sou maré cheia
Em ondas de medo
rebento-me azul
e bebo-te areia
Foto:Victor Melo
A Cada Qual
A cada qual, como a 'statura, é dada
A justiça: uns faz altos
O fado, outros felizes.
Nada é prêmio: sucede o que acontece.
Nada, Lídia, devemos
Ao fado, senão tê-lo.
Ricardo Reis
Foto:Paulo Alegria
Num exemplar das Geórgicas
Os livros. A sua cálida,
terna, serena pele. Amorosa
companhia. Dispostos sempre
a partilhar o sol
das suas águas. Tão dóceis,
tão calados, tão leais.
Tão luminosos na sua
branca e vegetal e cerrada
melancolia. Amados
como nenhuns outros companheiros
da alma. Tão musicais
no fluvial e transbordante
ardor de cada dia.
Eugénio de Andrade
terça-feira, fevereiro 22, 2005
A noite é mágica.
Foto:Jaime Vaz
A noite é mágica.
Tem duas vertentes: a do medo e a da farra.
No medo encolhemos-nos na cama ou acordados estamos a fazer algo para não pensar.
Na farra bebemos (quem o faz), dançamos, a nossa cabeça está só ali.
Então onde está a diferença entre o medo e a farra?
Foto:Roberta Jardim
Texto: wind
Há-de flutuar uma cidade
há-de flutuar uma cidade no crepúscolo da vida
pensava eu... como seriam felizes as mulheres
à beira mar debruçadas para a luz caiada
remendando o pano das velas espiando o mar
e a longitude do amor embarcado
por vezes
uma gaivota pousava nas águas
outras era o sol que cegava
e um dardo de sangue alastrava pelo linho da noite
os dias lentíssimos... sem ninguém
e nunca me disseram o nome daquele oceano
esperei sentada à porta... dantes escrevia cartas
punha-me a olhar a risca de mar ao fundo da rua
assim envelheci... acreditando que algum homem ao passar
se espantasse com a minha solidão
(anos mais tarde, recordo agora, cresceu-me uma pérola no coração. mas estou só, muito só, não tenho a quem a deixar.)
um dia houve
que nunca mais avistei cidades crepusculares
e os barcos deixaram de fazer escala à minha porta
inclino-me de novo para o pano deste século
recomeço a bordar ou a dormir
tanto faz
sempre tive dúvidas que alguma vez me visite a felicidade
Al Berto
Meu Desejo
Meu desejo? Era ser a luva branca
Que essa tua gentil mãozinha aperta;
A camélia que murcha no teu seio,
O anjo que por te ver do céu deserta...
Meu desejo? Era ser o sapatinho
Que teu mimoso pé no baile encerra...
A esperança que sonhas no futuro,
As saudades que tens aqui na terra...
Meu desejo? Era ser o cortinado
Que não conta os mistérios de teu leito;
Era de teu colar de negra seda
Ser a cruz com que dormes sobre o peito.
Meu desejo? Era ser o teu espelho
Que mais bela te vê quando deslaças
Do baile as roupas de escomilha e flores
E mira-te amoroso as nuas graças!
Meu desejo? Era ser desse teu leito
De cambraia o lençol, o travesseiro
Com que velas o seio, onde repousas,
Solto o cabelo, o rosto feiticeiro...
Meu desejo? Era ser a voz da terra
Que da estrela do céu ouvisse amor!
Ser o amante que sonhas, que desejas
Nas cismas encantadas de langor!
Álvares de Azevedo
O caminho sem limites...
Voar como a pomba
Trilhar o caminho sem fronteiras
Ir sempre em frente
Não olhar para trás.
Liberdade, Liberdade, Liberdade!
Quem a não quer?
Eu sou fraca,
tenho de passar as tábuas do trilho,
mas vou conseguir.
Quem quiser que venha e dê-me a mão.
Eu seguro e juntos caminharemos em frente.
Foto:Luís Lobo Henriques
Escrito por wind
Se é doce no recente, ameno Estio
Se é doce no recente, ameno Estio
Ver toucar-se a manhã de etéreas flores,
E, lambendo as areias, e os verdores
Mole e queixoso deslizar-se o rio:
Se é doce no inocente desafio
Ouvirem-se os voláteis amadores,
Seus versos modulando, e seus ardores
Dentre os aromas de pomar sombrio
Se é doce mares, céus ver anilados
Pela quadra gentil, de Amor querida,
Que esperta os corações, floreia os prados:
Mais doce é ver-te de meus ais vencida,
Dar-me em teus brandos olhos desmaiados
Morte, morte de amor, melhor que a vida.
Bocage
Foto: A Brito
Aos Deuses
Aos deuses peço só que me concedam
O nada lhes pedir.
A dita é um jugo
E o ser feliz oprime
Porque é um certo estado
Não quieto nem inquieto meu ser calmo
Quero erguer alto acima de onde os homens
Têm prazer ou dores.
Ricardo Reis
Mais Alto
Mais alto, sim! mais alto, mais além
Do sonho, onde morar a dor da vida,
Até sair de mim! Ser a Perdida,
A que se não encontra! Aquela a quem
O mundo nao conhece por Alguém!
Ser orgulho, ser águia na subida,
Até chegar a ser, entontecida,
Aquela que sonhou o meu desdém!
Mais alto, sim! Mais alto! A Intangível
Turris Ebúrnea erguida nos espaços,
A rutilante luz dum impossível!
Mais alto, sim! Mais alto! Onde couber
O mal da vida dentro dos meus braços,
Dos meus divinos braços de Mulher!
Florbela Espanca
segunda-feira, fevereiro 21, 2005
Aguardo
Aguardo, equânime, o que não conheço
Meu futuro e o de tudo
No fim tudo será silêncio, salvo
Onde o mar banhar nada.
Ricrdo Reis
Foto:Guilherme Limas
Semântica Electrónica
Ordeno ao ordenador que me ordene o ordenado
Ordeno ao ordenador que me ordenhe o ordenhado
Ordinalmente
Ordenadamente
Ordeiramente.
Mas o desordeiro
Quebrou o ordenador
E eu já não dou ordens
coordenadas
Seja a quem for.
Então resolvo tomar ordens
Menores, maiores,
E sou ordenado,
Enfim --- o ordenado
Que tentei ordenhar ao ordenador quebrado.
--- Mas --- diz-me a ordenança ---
Você não pode ordenhar uma máquina:
Uma máquina é que pode ordenhar uma vaca.
De mais a mais, você agora é padre,
E fica mal a um padre ordenhar, mesmo uma ovelha
Velhaca, mesmo uma ovelha velha,
Quanto mais uma vaca!
Pois uma máquina é vicária (você é vigário?):
Vaca (em vacância) à vaca.
São ordens...
Eu então, ordinalmente ordeiro, ordenado, ordenhado,
Às ordens da ordenança em ordem unida e dispersa
(Para acabar a conversa
Como aprendi na Infantaria),
Ordenhado chorei meu triste fado.
Mas tristeza ordenhada é nata de alegria:
E chorei leite condensado,
Leite em pó, leite céptico asséptico,
Oh, milagre ordinal de um mundo cibernético!
Vitorino Nemésio
E ao anoitecer
e ao anoitecer adquires nome de ilha ou de vulcão
deixas viver sobre a pele uma criança de lume
e na fria lava da noite ensinas ao corpo
a paciência o amor o abandono das palavras
o silêncio
e a difícil arte da melancolia.
Al Berto
Foto:João Freitas
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