segunda-feira, janeiro 30, 2012
Talvez sejas o mar
Talvez sejas o mar e
eu vá descendo pelas pernas
azuis do teu corpo, como
a bola de fogo que se introduz mais dentro
nas linhas demasiadas do caderno
ou nos recônditos músculos
do oceano
João Ricardo Lopes
Foto:Eli
sábado, janeiro 28, 2012
Amor burguês
Havemos de engordar juntos.
Normalmente, toda a gente está demasiado preocupada em colocar a barra que diz "cliente seguinte", estão ansiosos, nervosos, têm medo que aquele que está à frente lhes leve os iogurtes, têm medo de pagar o fiambre daquele que está atrás. Enquanto não marcam essa divisão, não descansam. Depois, não descansam também, inventam outras maneiras de distrair-se. É por isso que poucos chegam a aperceber-se de que a verdadeira imagem do amor acontece na caixa do supermercado, naqueles minutos em que um está a pôr as compras no tapete rolante e, na outra ponta, o outro está a guardá-las nos sacos.
As canções e os poemas ignoram isto. Repetem campos, montanhas, praias, falésias, jardins, love, love, love, mas esse momento específico, na caixa do supermercado, tão justo e tão certo, é ignorado ostensivamente por todos os cantores e poetas românticos do mundo. Bem sei que há a crueza das lâmpadas fluorescentes, há o barulho das caixas registadoras, pim-pim-pim, há o barulho das moedas a caírem nas gavetas de plástico, há a musiquinha e os altifalantes: responsável da secção de produtos sazonais à caixa 12, responsável da secção de produtos sazonais à caixa 12; mas tudo isso, à volta, num plano secundário, só deveria servir para elevar mais ainda a grandeza nuclear desse momento.
É muito fácil confundir o banal com o precioso quando surgem simultâneos e quase sobrepostos. Essa é uma das mil razões que confirma a necessidade da experiência. Viver é muito diferente de ver viver. Ou seja, quando se está ao longe e se vê um casal na caixa do supermercado a dividir tarefas, há a possibilidade de se ser snob, crítico literário; quando se é parte desse casal, essa possibilidade não existe. Pelas mãos passam-nos as compras que escolhemos uma a uma e os instantes futuros que imaginámos durante essa escolha: quando estivermos a jantar, a tomar o pequeno-almoço, quando estivermos a pôr roupa suja na máquina, quando a outra pessoa estiver a lavar os dentes ou quando estivermos a lavar os dentes juntos, reflectidos pelo mesmo espelho, com a boca cheia de pasta de dentes, a comunicar por palavras de sílabas imperfeitas, como se tivéssemos uma deficiência na fala.
Ter alguém que saiba o pin do nosso cartão multibanco é um descanso na alma. Essa tranquilidade faz falta, abranda a velocidade do tempo para o nosso ritmo pessoal. É incompreensível que ninguém a cante.
As canções e os poemas ignoram tanto acerca do amor. Como se explica, por exemplo, que não falem dos serões a ver televisão no sofá? Não há explicação. O amor também é estar no sofá, tapados pela mesma manta, a ver séries más ou filmes maus. Talvez chova lá fora, talvez faça frio, não importa. O sofá é quentinho e fica mesmo à frente de um aparelho onde passam as séries e os filmes mais parvos que já se fizeram. Daqui a pouco começam as televendas, também servem.
Havemos de engordar juntos.
Estas situações de amor tornam-se claras, quase evidentes, depois de serem perdidas. Quando se teve e se perdeu, a falta de amor é atravessar sozinho os corredores do supermercado: um pão, um pacote de leite, uma embalagem de comida para aquecer no micro-ondas. Não é preciso carro ou cesto, não se justifica, carregam-se as compras nos braços. Depois, como não há vontade de voltar para a casa onde ninguém espera, procura-se durante muito tempo qualquer coisa que não se sabe o que é. Pelo caminho, vai-se comprando e chega-se à fila da caixa a equilibrar uma torre de formas aleatórias.
Quando se teve e se perdeu, a falta de amor é estar sozinho no sofá a mudar constantemente de canal, a ver cenas soltas de séries e filmes e, logo a seguir, a mudar de canal por não ter com quem comentá-las. Ou, pior ainda, é andar ao frio, atravessar a chuva, apenas porque se quer fugir daquele sofá.
E os amigos, quando sabem, não se surpreendem. Reagem como se soubessem desde sempre que tudo ia acabar assim. Ofendem a nossa memória.
Nós acreditávamos.
Havemos de engordar juntos, esse era o nosso sonho. Há alguns anos, depois de perder um sonho assim, pensaria que me restava continuar magro. Agora, neste tempo, acredito que me resta engordar sozinho.
José Luís Peixoto, in revista Visão (Janeiro, 2012)
Retirado do site de José Luís Peixoto
Imagem retirada do Google
quinta-feira, janeiro 26, 2012
Publicidade da LG em um muro de Berlim
http://www.youtube.com/watch_popup?v=XVTga6GmbGw&vq=medium#t=74
Fabulosa!
PS:Desligar o som do blog no lado direito.
Fabulosa!
PS:Desligar o som do blog no lado direito.
terça-feira, janeiro 24, 2012
Sempre a aprendizagem do sossego
Sempre a aprendizagem do sossego
a evidência enigmática do silêncio
não mais do que um esboço a furtiva sombra
da cor futura a ínfima inscrição
do pólen
a concha de sangue a sombra de uma folha
o murmúrio de um delicado insecto
a confiança de um segredo que é espaço
a adesão às linhas de uma pedra pura
um abrigo da terra a semelhança
uma sombra de vermelho ocre
a circulação da matéria o puro sabor
de um fruto azul o natal letargo
dentro do lúmen
António Ramos Rosa
Imagem retirada do Google
domingo, janeiro 22, 2012
Pergunto se posso dizer o teu nome a uma flor
Pergunto se posso dizer o teu nome a uma flor
flor o teu nome sussurrado pétala a pétala
letra a letra uma flor desfolhada na terra
José Luís Peixoto
Imagem retirada do Google
sexta-feira, janeiro 20, 2012
Raio de luz
Numa tarde morna de Maio,
O meu olhar baço e dormente
desenrolou-se sem sentido,
buscando uma imagem distante.
Um pássaro desprendeu-se do meu peito
gritou, voou sem nenhum destino,
e um novo olhar até aí,
plangente e perdido
dissolveu-se num raio de luz
e se afogou de encontro ao meu.
João-Maria Nabais
Imagem retirada do Google
quarta-feira, janeiro 18, 2012
Olhos fechados
Fecho os olhos. vejo luzes de cidades distantes. a noite
distante. vejo o brilho de um sonho tão impossivel.
a escuridão é absoluta. a escuridão é infinita.
todos os cegos sabem que a escuridão é a morte.
fecho os olhos. vejo aquilo que se vê com os
olhos fechados.
a tua ausência é, em cada momento, a tua ausência
a tua ausência é, em cada momento, a tua ausência.
não esqueço que os teus lábios existem longe de mim.
aqui há casas vazias. há cidades desertas. há lugares.
mas eu lembro que o tempo é outra coisa, e tenho
tanta pena de perder um instante dos teus cabelos.
aqui não há palavras. há a tua ausência. há o medo sem os
teus lábios, sem os teus cabelos. fecho os olhos para te ver
e para não chorar.
José Luís Peixoto
Imagem retirada do Google
segunda-feira, janeiro 16, 2012
Kitaro Matsuri
http://www.youtube.com/embed/MOKseXu8FOs
Recebi por email e não resisti em colocar aqui, pois tem imagens fabulosas.
PS:Desligar o som do blog no lado direito.
Recebi por email e não resisti em colocar aqui, pois tem imagens fabulosas.
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sábado, janeiro 14, 2012
quinta-feira, janeiro 12, 2012
Noturno
Coaxar de rãs é toda a melodia
que a noite tem no seio
- versos dos charcos
e dos juncos podres,
casualmente, com luar no meio.
Eugénio de Andrade
Imagem retirada do Google
terça-feira, janeiro 10, 2012
O Amor (Excerto)
(...)A olaia era a árvore maior do jardim. O meu pai sentava-se ao fim da tarde na cadeira de baloiço e contava-me sempre a história de como o pai do seu pai se tinha enforcado naquela olaia e de como os homens, no dia seguinte, antes do enterro, serraram o ramo onde a corda tinha sido pendurada, e contava-me sempre a história de como o seu pai tinha nascido debaixo daquela olaia no momento em que avó do meu pai podava as rosas, e contava-me sempre a história de como um amigo dele, que nunca cheguei a conhecer, se tinha apaixonado por uma escrava debaixo daquela olaia. Fora debaixo daquela árvore, tão grande e tão velha, que eu tinha sonhado coisas que nunca aconteceram. Na maior parte das vezes, tinha imaginado esses sonhos enquanto olhava para a estátua. A estátua estava no jardim desde o dia em que a olaia ganhou as primeiras folhas. Era uma mulher de pedra. O seu corpo branco de mármore tinha todas as formas alisadas pela chuva e pelo vento e pelas noites. Era uma mulher nua de pedra. Era uma mulher morta de pedra. Os seus olhos brancos e cegos viam apenas um mundo que era feito só de frio. Os seus lábios de mármore existiam para beijar um silêncio invisível. As suas mãos, pousadas sobre o peito, seguravam a tristeza. O mundo era tão longe de toda aquela beleza triste. O seu olhar piedoso e cego. Os seus lábios calados durante anos e, no entanto, a dizerem a sua voz de mármore. As suas mãos. Os dedos. Os cabelos sobre os ombros, como água de pedra a escorrer de uma fonte. Debaixo da olaia, eu olhava para a estátua e imaginava sonhos de mulheres de mármore que olhavam para mim e, nos meus olhos, viam aquele mundo maravilhoso e terrivel que a estátua via. (...)
José Luís Peixoto
Imagem retirada do Google
domingo, janeiro 08, 2012
Não procuro um amor entre os cardos
Não procuro um amor entre os cardos,
se é entre os cardos que me vês, procura
pensar que um amor não se perde por ali
nem por ali se deve encontrar. se estou
entre os cardos, meu amor, é para te esquecer
e se me vires, pensa que é por ti, absolutamente por ti
que procuro apenas dores, apenas fardos,
para lentamente matar o meu coração. e
se me vires cair, se entretanto me vires no chão,
não me apanhes, não me ajudes, pensa que
já ninguém passeia nos cardos e que o
amor, para castigo dos que morrem, recomeça
num outro lugar, seguramente à tua espera.
depois sorri mesmo que te seja difícil, se por
mais difícil que seja para mim ver-te sorrir
é entre os cardos que devo partir, quando
fugazmente te souber passando, tão parecida
com ires buscar a felicidade sem mim e eu
só mais uns segundos, já meus anjos preparados.
Valter Hugo Mãe
Imagem retirada do Google
sexta-feira, janeiro 06, 2012
Sentinela
O sol aquece
o pequeno tédio
de águas baixas
nos últimos minutos de luz
esculpida
na recente maré de fevereiro
já os pássaros se afastam
inquietos
com o súbito despertar do sono da serpente
mais uma vez
aquela sentinela
em observação contínua
indolente
aproxima a linha invisível
da fronteira
sob o peso do fumo da noite
à conquista do inútil
sobe o ruído surdo da cidade
do outro lado
como uma sílaba tónica
sem sentir o céu
está a fazer-se tarde
sem tempo para outro nada
João Maria-Nabais
Imagem retirada do Google
quarta-feira, janeiro 04, 2012
segunda-feira, janeiro 02, 2012
Ó véspera de prodígio
Creio nos anjos que andam pelo mundo,
Creio na deusa com olhos de diamantes,
Creio em amores lunares com piano ao fundo,
Creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes,
Creio num engenho que falta mais fecundo
De harmonizar as partes dissonantes,
Creio que tudo é étero num segundo,
Creio num céu futuro que houve dantes,
Creio nos deuses de um astral mais puro,
Na flor humilde que se encosta ao muro,
Creio na carne que enfeitiça o além,
Creio no incrível, nas coisas assombrosas,
Na ocupação do mundo pelas rosas,
Creio que o amor tem asas de ouro. Ámen.
Natália Correia
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