sexta-feira, agosto 31, 2007

***



O silêncio
desce

aspiro
a essência

e

visto
as palavras

sem ser
alguma.

Gabriela R. Martins

Foto:Jerry Glisch

DGREH

Hoje é o dia em que se sabem os resultados dos concursos, por isso, a partir da meia noite de ontem já deviam estar lá os resultados.
Mas em vez disso colocaram o que podem ver.
Deve ser para pedirem esmola...



Cartoon:Antero

Carlos Santana

Para a Fatyly que para a tábua não voar até ao tecto coloca "(...) amor no ferro ao som de Santana(...)"



Tal como a Fatyly adoro este grande senhor da música.

Se...



Você disse que não sabe se não
Mas também não tem certeza que sim
Quer saber?
Quando é assim
Deixa vir do coração
Você sabe que eu só penso em você
Você diz só que vive pensando em mim
Pode ser
Se é assim
Você tem que largar a mão do não
Soltar essa louca, arder de paixão
Não há como doer pra decidir
Só dizer sim ou não
Mas você adora um se...

Eu levo a sério mas você disfarça
Você me diz à beça e eu nessa de horror
E me remete ao frio que vem lá do sul
Insiste em zero a zero e eu quero um a um
Sei lá o que te dá, não quer meu calor
São Jorge por favor me empresta o dragão
Mais fácil aprender japonês em braile
Do que você decidir se dá ou não.

Djavan

Foto:Jean-Sebastien Monzani

quinta-feira, agosto 30, 2007

Foto/Poema


Foto:Grg

Pois



O respeitoso membro de Azevedo e Silva
nunca perpenetrou nas intenções de Elisa
que eram as melhores. Assim tudo ficou
em balbúrdias de língua cabriolas de mão.

Assim tudo ficou até que não.

Azevedo e Silva ao volante do mini
vê a Elisa a ultrapassá-lo alguns anos depois
e pensa pensa com os seus travões
Ah cabra eram tão puras as minhas intenções

E a Elisa passa rindo dentadura aos clarões.

Alexandre O'Neill

Foto:Konrad Gös

Quem dorme à noite comigo?



Quem dorme à noite comigo?
É meu segredo, é meu segredo!
Mas se insistirem, desdigo.
O medo mora comigo,
Mas só o medo, mas só o medo!

E cedo, porque me embala
Num vaivém de solidão,
É com silêncio que fala,
Com voz de móvel que estala
E nos perturba a razão.

Que farei quando, deitado,
Fitando o espaço vazio,
Grita no espaço fitado
Que está dormindo a meu lado,
Lázaro e frio?

Gritar? Quem pode salvar-me
Do que está dentro de mim?
Gostava até de matar-me.
Mas eu sei que ele há-de esperar-me
Ao pé da ponte do fim.

Reinaldo Ferreira

Foto:Jerry Maestas

quarta-feira, agosto 29, 2007

Queen & Luciano Pavarotti - Too Much Love Will Kill You

Porque ainda há coisas bonitas que me fazem arrepiar...





Desligar o som do lado direito do blog, por favor.

A hora do cansaço



As coisas que amamos,
as pessoas que amamos
são eternas até certo ponto.
Duram o infinito variável
no limite de nosso poder
de respirar a eternidade.

Pensá-las é pensar que não acabam nunca,
dar-lhes moldura de granito.
De outra matéria se tornam, absoluta,
numa outra (maior) realidade.

Começam a esmaecer quando nos cansamos,
e todos nós cansamos, por um outro itinerário,
de aspirar a resina do eterno.
Já não pretendemos que sejam imperecíveis.
Restituímos cada ser e coisa à condição precária,
rebaixamos o amor ao estado de utilidade.

Do sonho de eterno fica esse gosto ocre
na boca ou na mente, sei lá, talvez no ar.

Carlos Drummond de Andrade

Foto:Dima Oukhov

Donna mi priega



Se amor é troca
ou entrega louca
discutem os sábios
entre os pequenos
e os grandes lábios

no primeiro caso
onde começa o acaso
e onde acaba o propósito
se tudo o que fazemos
é menos que amor
mas ainda não é ódio?

a tese segunda
evapora em pergunta
que entrega é tão louca
que toda espera é pouca?
qual dos cindo mil sentidos
está livre de mal-entendidos?

Paulo Leminski

Foto:Elena Vasilieva

terça-feira, agosto 28, 2007

Frase



E é tão fácil ser invisível no meio da multidão...

PS:Esta frase saiu-me num comentário, não sei se a li ou se é minha.

Quem ri quando goza



Quem ri quando goza
é poesia
até quando é prosa

Alice Ruiz

Foto:Yuri Bonder

segunda-feira, agosto 27, 2007

É pela tarde, quando a luz esmorece



É pela tarde, quando a luz esmorece
E as ruas lembram singulares colmeias,
Que a alegria dos outros me entristece
E aguço o faro para as dores alheias.

Um que, impaciente, para o lar regresse,
As viaturas que se cruzam cheias
Dos que fazem da vida uma quermesse,
São para mim, faminto, odor de ceias.

Sentimento cruel de quem se afasta,
Por orgulho repele, e se desgasta
No esforço de fugir à multidão.

Mas castigo de quem, por imprudente,
Já não pode deter-se na vertente
Que vai da liberdade à solidão.

Reinaldo Ferreira

Foto:Zet_ka aa (Zet)

A saca de orelhas



Sentenças delirantes dum poeta para si próprio em tempo de cabeças pensantes

1

Não te ataques com os atacadores dos outros.

Deixa a cada sapato a sua marcha e a sua direcção.

0 mesmo deves fazer com os açaimos.

E com os botões.

2

Não te candidates, nem te demitas. Assiste.

Mas não penses que vais rir impunemente a sessão inteira.

Em todo o caso fica o mais perto possível da coxia.

3

Tira as rodas ao peixe congelado,

mas sempre na tua mão.

Depois, faz um berreiro.

Quando tiveres bastante gente à tua volta,

descongela a posta e oferece um bocado a cada um.

4

Não te arrimes tanto à ideia de que haverá sempre

um caixote com serradura à tua espera.

Pode haver. Se houver, melhor...

Esta deve ser a tua filosofia.

5

Tudo tem os seus trâmites, meu filho!

Não faças brincos de cerejas

sem te darem, primeiro, as orelhas.

Era bom que esta fosse, de facto, a tua filosofia.

6

Perguntas-me o que deves fazer com a pedra que

te puseram em cima da cabeça?

Não penses no que fazer com. Cuida no que fazer da.

É provável que te sintas logo muito melhor.

Sai, então, de baixo da pedra.

7

Onde houver obras públicas não deponhas a tua obra.

Poderias atrapalhar os trabalhos.

Os de pedra sobre pedra, entenda-se.

Mas dá sempre um "Bom dia!" ao pessoal do estaleiro.

Uma palavra é, às vezes, a melhor argamassa.

8

Deves praticar os jogos de palavras, mas sempre

com a modéstia do cientista que enxertou em si mesmo

a perna da rã, e que enquanto não coaxa, coxeia.

Oxalá o consigas!

(...)

11

Resume todas estas sentenças delirantes numa única

sentença:

Um escritor deve poder mostrar sempre a língua portuguesa

Alexandre O'Neill

Imagem daqui

domingo, agosto 26, 2007

As time goes by



Meu bem,
Me chama de Humphrey Bogart
Que eu te conto Casablanca.
Me tira esse sobretudo;
Sobretudo, conta tudo
Que eu te dou uma rosa branca.
Meu bem,
Me chama de Humphrey Bogart...
Te dou carona em meu carro
Chevrolet — que sou bacana;
Te levo, meu bem, pra cama
Fumamos nossa bagana;
Te provo que sou sacana...
Te faço toda a denguice:
Te dispo que nem a Ingrid,
Te dou filhos de montão
Só pra te ver sufocar...
Mas me chama de Humphrey Bogart!
Faço chover colorido
Como num bom musical.
Te chamo de Lauren Bacall!
Te danço, te canto, te mostro,
Entre as pernas, meu bom astral...
Te deixo pro enxoval
Meu chapéu preto de gangster,
Mil poemas de ninar...
Só pra te ouvir sussurrar:
Como te amo, meu Humphrey Bogart

Tanussi Cardoso

Imagem daqui

Nocturno de Chopin



Gosto de juntar palavras
no teu corpo
ouvir da tua voz
o sangue em fogo

Sentir a tua seiva a borbulhar
uma prece sedenta
em turbilhão
um jacto de magia

Beber dum trago voraz
as tuas carnes
depois cozer poemas
por parir

Misturar as tuas juras
nos meus dedos
deixar sílabas loucas
nas encostas

Depois acordar na alvorada
ver o teu torso nu adormecido
e saber que não foi sexo nem desejo
apenas um nocturno de Chopin.

Luís Graça

Foto:Stefan Beutler

Sem título



Apesar das ruínas e da morte,
Onde sempre acabou cada ilusão,
A força dos meus sonhos é tão forte,
Que de tudo renasce a exaltação
E nunca as minhas mãos ficam vazias.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Foto:Howard Schatz

Lembra-te



Lembra-te
que todos os momentos
que nos coroaram
todas as estradas
radiosas que abrimos
irão achando sem fim
seu ansioso lugar
seu botão de florir
o horizonte
e que dessa procura
extenuante e precisa
não teremos sinal
senão o de saber
que irá por onde fomos
um para o outro
vividos.

Mário Cesariny

Foto:Maury Perseval

Estrela da Tarde



Era a tarde mais longa de todas as tardes que me acontecia
Eu esperava por ti, tu não vinhas, tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca, tardando-lhe o beijo, mordia
Quando à boca da noite surgiste na tarde tal rosa tardia

Quando nós nos olhámos tardámos no beijo que a boca pedia
E na tarde ficámos unidos ardendo na luz que morria
Em nós dois nessa tarde em que tanto tardaste o sol amanhecia
Era tarde de mais para haver outra noite, para haver outro dia

Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria ou se és a tristeza
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza

Foi a noite mais bela de todas as noites que me adormeceram
Dos nocturnos silêncios que à noite de aromas e beijos se encheram
Foi a noite em que os nossos dois corpos cansados não adormeceram
E da estrada mais linda da noite uma festa de fogo fizeram

Foram noites e noites que numa só noite nos aconteceram
Era o dia da noite de todas as noites que nos precederam
Era a noite mais clara daqueles que à noite amando se deram
E entre os braços da noite de tanto se amarem, vivendo morreram

Eu não sei, meu amor, se o que digo é ternura, se é riso, se é pranto
É por ti que adormeço e acordo e acordado recordo no canto
Essa tarde em que tarde surgiste dum triste e profundo recanto
Essa noite em que cedo nasceste despida de mágoa e de espanto

Meu amor, nunca é tarde nem cedo para quem se quer tanto!

Ary dos Santos

Foto: Anna.Edyta Przybysz (aprzybysz)

PS:Gosto muito de Ary dos Santos e para mim esta é a sua melhor poesia de amor.

sábado, agosto 25, 2007

Stop-Bush: Now!

Vale a pena ler este post, do Blog Cegueira Lusa

Fraco mas forte



Nada na mão
algo na v'rilha
remancho as noites
e troto os dias
entre tabaco
viris bebidas
fraco mas forte
de muitas vidas
(que eu já dormi
co'as duas mães
e as duas filhas
que vão à missa
com três mantilhas)

Nada na mão
algo na v'rilha
sofro comigo
luta intestina
(ao bem ao mal
a mesma alpista)
bebo contigo
cerveja uísqui
p'ra que se veja
mais rubra a crista

Nada na mão
algo na v'rilha
encontro a morte
no meio da vida
morte bonita
nada aflita
(ou é da minha
tão fraca vista?)
e tenho sorte

Nada na mão
algo na v'rilha
invisto contra
o zero puro
da minha vida

e duro, duro!

Alexandre O´Neill

Foto:Szincza Szincza

U2 & Mary J. Blige - One



Outra versão desta sublime música!

Desligar o som do blog do lado direito, por favor.

***



O profundo silêncio das flores
é um lugar de ausência. Vazia moldura
para o vôo das aves, linha oscilante
de ligeira névoa
que nada revela do que talvez esconda.


Egito Gonçalves, "E no entanto Move-se", 1995
Retirado daqui

Foto:Rod Innes

Ouve-se o mar



Agora, que a chuva cai, devagar
Lá fora, e a noite vem devorar
O sol, e tudo fica em silêncio
Na rua, e ao fundo, ouve-se o mar.
Ouve-se o mar.

Agora, talvez te possas perder
Devora, o que a saudade te der
A vida leva pra longe pedaços
O tempo, deixa o sabor de um regaço.
E ao fundo, ouve-se o mar.
Ouve-se o mar.

Agora, que a água inunda os teus olhos
E o mundo, já não te deixa parar
No escuro, voltam as histórias perdidas
Na alma onde não podes tocar.
E ao fundo, ouve-se o mar.
Ouve-se o mar.

Mafalda Veiga

Foto:Dean Bertoncelj

sexta-feira, agosto 24, 2007

Um (Qualquer) Inverno



No Inverno
vem cedo a noite, caem as pálpebras,
e assim encerram todas as sombras dentro de si,
palavras voam, muito serenas e murmuradas,
que entorpecente cheiro a terra
se pega às mãos?
O canto das aves torna-se inquieto e mais agudo,
quando ficamos, frágeis e nus, frente à beleza.

No Inverno
vem cedo a noite, caem palavras,
e assim encerram todas as aves dentro de si,
minhas mãos voam, muito serenas,e tão agudas,
que entorpecente cheiro da terra
se pega às pálpebras?
O canto das sombras torna-se inquieto e murmurado,
quando ficamos, belos e frágeis,frente à nudez.

Manuel Filipe, in "Tempo de Cinza", pág.65,Apenas Livros

Foto:Joanna Joy

Lamento do Oficial por seu Cavalo Morto



Nós merecemos a morte,
porque somos humanos
e a guerra é feita pelas nossas mãos,
pelo nossa cabeça embrulhada em séculos de sombra,
por nosso sangue estranho e instável, pelas ordens
que trazemos por dentro, e ficam sem explicação.
Criamos o fogo, a velocidade, a nova alquimia,
os cálculos do gesto, embora sabendo que somos irmãos. Temos até os átomos por cúmplices, e que pecados
de ciência, pelo mar, pelas nuvens, nos astros!
Que delírio sem Deus, nossa imaginação!
E aqui morreste! Oh, tua morte é a minha, que, enganada,
recebes. Não te queixas. Não pensas. Não sabes. Indigno,
ver parar, pelo meu, teu inofensivo coração.
Animal encantado - melhor que nós todos!
- que tinhas tu com este mundo
dos homens?

Aprendias a vida, plácida e pura, e entrelaçada
em carne e sonho, que os teus olhos decifravam...

Rei das planícies verdes, com rios trêmulos de relinchos...

Como vieste morrer por um que mata seus irmãos!

Cecília Meireles

Foto:Wojtek Kwiatkowski

Papoilas em Julho



Pequenas papoilas, pequenas chamas infernais,
sois inofensivas?
Estremeceis. Não posso tocar-vos.
Ponho as minhas mãos por entre as chamas. Mas nada queima.

E fico exausta quando vos vejo
estremecer assim, pregueadas e rubras como a pele da boca.

Uma boca há pouco ensanguentada.
Pequenas orlas de sangue!

Há nela um fumo que não consigo tocar.
Onde está o vosso ópio, as vossas cápsulas nauseabundas?

Se eu pudesse esvair-me em sangue ou dormir!...
Se a minha boca conseguisse desposar uma tal ferida!

Ou os vossos licores me penetrassem, nesta cápsula de vidro,
trazendo-me a acalmia e o silêncio.

Mas sem cor. Sem nenhuma cor.

Sylvia Plath,in"Crossing the Water",Assírio e Alvim, Portugal, 2000.
Trad. Maria Lourdes Guimarães

Roubado do Papagueno

Foto:Calvato

quinta-feira, agosto 23, 2007

Eternamente sua



Serei eternamente sua pois,
só tu conheces meu cheiro,
meu gosto e meu corpo.
Tu podes me magoar,
me fazer calar e,
ainda assim serei eternamente sua.
Deixarei que beijes outras bocas,
que toques outros corpos,
que sintas o prazer de outros gemidos
e que conheças o íntimo de outros seres.
Deixarei.
Para ter a certeza de que
voltarás e que entenderás que
quando beijaste outra boca
– era a minha que tu querias,
que quando tocaste outro corpo
– era o meu que querias tocar,
que quando sentiste o prazer de outro gemido
– era o meu que querias sentir e, que,
finalmente, quando conheceste
o interior de outro ser
– era o meu interior que tu buscavas
em tuas infinitas procuras.
Deixarei-te livre, para teres a certeza
de que és meu e, assim voltar
com a certeza de que ficarás.
E então, depois de tantas buscas infindas suas,
revelarei-te que estava a sua espera,
assim como sempre estive.
E seremos eternamente nós.

Tatiana V. Mattos

Foto:Elena Vasilieva

Da Sedução Dos Anjos



Anjos seduzem-se: nunca ou a matar.
Puxa-o só para dentro de casa e mete-lhe
a língua na boca e os dedos sem frete
Por baixo da saia até se molhar
Vira-o contra a parede, ergue-lhe a saia
E fode-o. Se gemer, algo crispado
Segura-o bem, fá-lo vir-se em dobrado
Para que do choque no fim te não caia.

Exorta-o a que agite bem o cú
Manda-o tocar-te os guizos atrevido
Diz que ousar na queda lhe é permitido
Desde que entre o céu e a terra flutue –

Mas não o olhes na cara enquanto fodes
E as asas, rapaz, não lhas amarrotes.

Bertolt Brecht

Foto:Massi Cricco

Álbum japonês



A gueixa dentro de mim
aprova o homem que tu és
Já meu samurai
retesou-se ao máximo
quando a mulher dentro de ti
soltou os cabelos
nuvens douradas sobre os ombros
e ofereceu-me sensualmente
a cabeça para que os prendesse
As minhas mãos
prontas para o vôo
ficaram ao longe de meu corpo
nenhum músculo se mexeu.
Só meu coração
era cavalo bravo
galopando
alucinado
de desejo.

Eliane Pantoja Vaidya

Imagem:Utamaro

quarta-feira, agosto 22, 2007

Fim



Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!

Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza:
A um morto nada se recusa,
E eu quero por força ir de burro!...

Mário de Sá-Carneiro

Foto:Eric Richmond

Átono



A solidão
Sem ponte ou porta
Desde anteontem
Me revisita

Sem que eu resista
Faz-me asfixia
Raro sufoca.

Márcia Maia

Foto:Gabriele Rigon

Santana & Clapton - Jingo



Jingo
Jingo
Jingo
Jingo Ba
Lo
Ba, Ba, Lo
Ba, Ba, Lo
Ba, Ba, Lo
Ba, Lo
Ba, Ba, Lo
Ba, Ba, Lo
Ba, Ba, Lo
Ba
Jingo



Foto:Chou Chiang

Não resisti a partilhar este dueto com 2 grandes gigantes e senhores da viola.
Decico este post à Fatyly, ela sabe porquê:)


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Penélope*



Mais do que sonho: comoção!
sinto-me tonto, enternecido,
quando, de noite, as minhas mãos
são o teu único vestido.

E recompões com essa veste,
que eu, sem saber, tinha tecido,
todo o pudor que desfizeste
como uma teia sem sentido;
todo o pudor que desfizeste
a meu pedido.

Mas nesse manto que desfias,
e que depois voltas a pôr,
eu reconheço melhores dias
do nosso amor.

David Mourão-Ferreira

Foto:Yuri Bonder

*Acho que é repetido, mas apeteceu-me.

terça-feira, agosto 21, 2007

A Excepção e a Regra



Estranhem o que não for estranho.
Tomem por inexplicável o habitual.
Sintam-se perplexos ante o cotidiano.
Tratem de achar um remédio para o abuso
Mas não se esqueçam de que o abuso é sempre a regra.

Bertolt Brecht

Foto:Elena Vasilieva

***



O desejo A surpresa
Ou a maravilha
Não pela igual imagem
mas destroçando-a

Resíduos só ou a passagem dos sinais
que dizem a passagem do que será
se for o contacto imprevisível
do obscuro
inacessível corpo em outro corpo vivo

António Ramos Rosa

***Sem título, retirado daqui.

Foto:Victor Ivanovski

Pink Floyd-Live 8



28 minutos de música estectacular:)

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Imagem daqui

segunda-feira, agosto 20, 2007

Evocação de Silves



Saúda, por mim, Abu Bakr,
Os queridos lugares de Silves
E diz-me se deles a saudade
É tão grande quanto a minha.
Saúda o palácio dos Balcões
Da parte de quem nunca os esqueceu.
Morada de leões e de gazelas
Salas e sombras onde eu
Doce refúgio encontrava
Entre ancas opulentas
E tão estreitas cinturas!
Mulheres níveas e morenas
Atravessavam-me a alma
Como brancas espadas
E lanças escuras.
Ai quantas noites fiquei,
Lá no remanso do rio,
Nos jogos do amor
Com a da pulseira curva
Igual aos meandros da água
Enquanto o tempo passava...
E me servia de vinho:
O vinho do seu olhar
Às vezes o do seu copo
E outras vezes o da boca.
Tangia cordas de alaúde
E eis que eu estremecia
Como se estivesse ouvindo
Tendões de colos cortados.
Mas retirava o seu manto
Grácil detalhe mostrando:
Era ramo de salgueiro
Que abria o seu botão
Para ostentar a flor.

Al Mu'Tamid

Foto:Stanmarek

Gostaria



Gostaria
Gostaria
De vir a ser um grande poeta
E que as pessoas
Me pusessem
Muitos louros na cabeça
Mas aí está
Não tenho
Gosto suficiente pelos livros
E penso demais em viver
E penso demais nas pessoas
Para estar sempre contente
De só escrever vento.

Boris Vian

Foto:Howard Schatz

Para ler de manhã e à noite



Aquele que amo
Disse-me
Que precisa de mim.
Por isso
Cuido de mim
Olho meu caminho
E receio ser morta
Por uma só gota de chuva.

Bertolt Brecht

Foto:Valery Lemberg

domingo, agosto 19, 2007

A canção de Lisboa



Os serões habituais
As conversas sempre iguais
Os horóscopos, os signos e ascendentes
Mais a vida da outra sussurrada entre os dentes
Os convites nos olhos embriagados
Os encontros de novo adiados
Nos ouvidos cansados ecoa
A canção de Lisboa

Não está só a solidão
Há tristeza e compaixão
Quando sono acalma os corpos agitados
Pela noite atirados contra colções errados
Há o silêncio de quem não ri nem chora
Há divórcio entre o dentro e o fora
E há quem diga que nunca foi boa
A canção de Lisboa

Mamã, mamã
Onde estás tu mamã
Nós sem ti não sabemos mamã
Libertar-nos do mal

A urgência de agarrar
Qualquer coisa para mostrar
Que afinal nos também temos mão na vida
Mesmo que seja a custa de a vivermos fingida
O estatuto para impressionar o mundo
Não precisa de ser mais profundo
Que o marasmo que nos atordoa
Ó canção de Lisboa

As vielas de néon
As guitarras já sem som
Vão mantendo viva a tradição da fome
Que a memória deturpa e o orgulho consome
Entre o orgasmo e a gruta ainda fria
O abandonado da carne vazia
Cada um no seu canto entoa
A canção de Lisboa

Jorge Palma

Foto:Ludo Dijckmans

Do campo dos mortos



Do campo dos mortos
Em terra estrangeira
Por onde passámos
Absortos os dois,
Saímos ilesos de melancolia,
Por irmos tão vivos, tão livres
E juntos os dois.
Em vão sobre as campas
Dos mortos estrangeiros
Visível olvido
Na terra sem rosas votivas
Chamava por nós.
Nós íamos indo,
Felizes, felizes,
E o ventre da terra
Sonhava raízes
À volta de nós.
Nós íamos indo
Na hora que, breve, passava,
Vivendo-a somente.
E a nossa presença encarnava
No campo dos mortos em terra estrangeira
- Passado, passado -
O presente.

Reinaldo Ferreira

Foto:Frédéric Kerikese

The Beatles - The Long and Winding Road (LIVE - 90´s)



Linda música num espectacular vídeo onde montaram a imagem de John Lennon a tocar.

The long and winding road that leads to your door
Will never disappear.
I've seen that road before,
It always leads me here, lead me your door
Many times I've been alone
And many times I've cried
Anyway, you'll never know the many ways I've tried
But still they lead me back to the long and winding road.
You left me standing here
A long long time ago
Don't keep me waiting here,
Lead me to your door
Don't keep me waiting here,
Lead me to your door
The wild and windy night
That the rain washed away
Has left a pool of tears
Crying for the day
Don't leave me waiting here (don't keep me waiting)
Let me know the way



Foto:Hannu Makela

Na mesa do Santo Ofício



Tu lhes dirás, meu amor, que nós não existimos.
Que nascemos da noite, das árvores, das nuvens.
Que viemos, amámos, pecámos e partimos
Como a água das chuvas.

Tu lhes dirás, meu amor, que ambos nos sorrimos
Do que dizem e pensam
E que a nossa aventura,
É no vento que passa que a ouvimos,
É no nosso silêncio que perdura.

Tu lhes dirás, meu amor, que nós não falaremos
E que enterrámos vivo o fogo que nos queima.
Tu lhes dirás, meu amor, se for preciso,
Que nos espreguiçaremos na fogueira.

Ary dos Santos

Foto:Ira Bordo

sábado, agosto 18, 2007

Fontes



Nasces, ferido de dor,
e para as fontes te obrigam a nascer,
elas trespassam tua sede de horizontes,
porqe fluem das nascentes do amor.

Pelas margens das dores, que te acicata,
pelo azul que não te desampara,
corres pela vida à desfilada,
pois ela é a corrida para as fontes.

Potro
esporeado nas ilhargas
do amor que une,
à dor, que separa,
as fontes são amargas.

Manuel Filipe, in "Tempo de Cinza", pág.44, Apenas Livros

Foto:Paul Dzik

Creio



Creio que já não entendo tudo aquilo que me dizes,
é porque tremem as linhas dos teus versos?

Creio que sopraram ventos infelizes.

Creio que os teus dedos criaram gelados universos,
onde estrelas frágeis vivem num sopro de ar.

Creio que, apenas subindo pelas sombras,
encontrarei, em repouso, o teu olhar.

Manuel Filipe, in "Tempo de Cinza", pág.53, Apenas Livros

Foto:Elena Vasileva

Deus que me fez e fizera



Deus que me fez e fizera
O pecado antes de mim,
Junto de Si não me espera,
Sabe o destino a que vim.

Pode tudo; e não altera
O pecador que há em mim,
Nem nunca tanto pudera:
Pecarei até ao fim.

Pois que tudo em mim venera
O pecador que há em mim.
Deus já não pode nem espera:
Fez o destino a que vim.

Reinaldo Ferreira

Foto:Ozgur Donmaz

sexta-feira, agosto 17, 2007

Canções de António Botto ( 3 )



Se duvidas que teu corpo
Possa estremecer comigo -
E sentir
O mesmo amplexo carnal,
- desnuda-o inteiramente,
Deixa-o cair nos meus braços,
E não me fales,
Não digas seja o que for,
Porque o silêncio das almas
Dá mais liberdade
às coisas do amor.

Se o que vês no meu olhar
Ainda é pouco
Para te dar a certeza
Deste desejo sentido,
Pede-me a vida,
Leva-me tudo que eu tenha -
Se tanto for necessário
Para ser compreendido.

António Botto

Já foi colocado, mas como a Fatyly reclamou do último ser triste, este é-lhe dedicado:)

Foto:Victor Ivanovski

André Sardet & Mafalda Veiga - Hoje Vou Ficar



André Sardet:
Hoje eu vou ficar por aqui, não esperes por mim
Eu já te dei mais do que eu sei
Eu já fui, já andei, não esperes por mim
E tudo o que eu queria, um tempo pra mim, sabes bem que é inútil mudar
E o tempo faz parte de mim
Hoje vou ficar, hoje quero ir, ao fim desse olhar só para te sentir
Hoje vou ficar, hoje quero ir, ao fim desse olhar só para te sentir

Mafalda Veiga:
Hoje parei e pensei outra vez
Não esperes por mim
Eu já mudei mais do que eu sei
Eu já fui, já andei, não esperes por mim
E tudo o que eu queria
Um tempo para mim
Sabes bem que é inútil mudar
E o tempo faz parte de mim

Mafalda Veiga e André Sardet:
Hoje vou ficar, hoje quero ir, ao fim desse olhar, só para te sentir
Hoje vou ficar, hoje quero ir, ao fim desse olhar
Só para te sentir
Vou ficar...

Foto:Gabriele Rigon

Vento incerto



(...)
o vento incerto
levanta pó,
cavalo inquieto
girando só,
girando incerto
cavalo de pó,
o vento só
dança, inquieto,
(...)

Manuel Filipe,in "Tempo de Cinza", pág. 48, Apenas Livros

Foto:Paul Elliott

Humor - Definições do indefinível



· Nada mais humorístico do que o próprio humor, quando pretende definir-se (Friedrich Hebbel).

· Definir o humor é como pretender pregar a asa de uma borboleta usando como alfinete um poste de telégrafo (Enrique Jardiel Poncela).

· Humor é a maneira imprevisível, certa e filosófica de ver as coisas (Monteiro Lobato).

· O humorismo é o inverso da ironia (Bergson).

· O humorismo é o único momento sério e sobretudo sincero da nossa quotidiana mentira (G. D. Leoni).

· O humor é o açucar da vida. Mas quanta sacarina na praça! (Trilussa).

· O humor é o único meio de não sermos tomados a sério, mesmo quando dizemos coisas sérias: que é o ideal do escritor (M. Bontempelli).

· O humor compreende também o mau humor. O mau humor é que não compreende nada (Millôr Fernandes).

· O espírito ri das coisas. O humor ri com elas (Carlyle).

· A fonte secreta do humor não é a alegria, mas a mágoa, a aflição, o sofrimento. Não há humor no céu (Mark Twain).

· O humor é uma caricatura da tristeza (Pierre Daninos).

· O humor é a vitória de quem não quer concorrer (Millôr Fernandes).

· A própria essência do humor é a completa, a absoluta ausência do espírito moralizador. Interessa-lhe pouco a pregação doutrinal e a edificação pedagógica. O humor não castiga, não ensina, não edifica, não doutrina (Sud Menucci).

· O humorismo é dom do coração e não do espírito (L. Boerne).

· O humorismo é a arte de virar no avesso, repentinamente, o manto da aparência para por à mostra o forro da verdade (L. Folgore).

· O humor tem não só algo de liberador, análogo nisso ao espirituoso e ao cômico, mas também algo de sublime e elevado (Freud).

· Humorismo é a arte de fazer cócegas no raciocínio dos outros. Há duas espécies de humorismo: o trágico e o cômico. O trágico é o que não consegue fazer rir; o cômico é o que é verdadeiramente trágico para se fazer (Leon Eliachar).

· O humorismo é a quintessência da seriedade (Millôr Fernandes).

· O humorista é um forte bom, vencido, mas sobranceiro à derrota (Alcides Maia).

· O humor é a polidez do desespero (Chris Marker).

PS:Segundo sem-se-ver o cartoon é da autoria de Quino.
Não sei se é pois não está assinada e retirei a imagem do google.

quinta-feira, agosto 16, 2007

Pintura



Pinto de vermelho
O teu olhar de desejo
Em mim repousado...

Jacky (16.08.2007)

(wind, podes escolher uma foto para este haiku se fazes o favor)

Trabalho de casa feito, Jacky:)

Os cinco sentidos



São belas - bem o sei, essas estrelas
Mil cores - divinais têm essas flores;
Mas eu não tenho amor, olho para elas;
Em toda a natureza
Não vejo outra beleza
Senão a ti - a ti!
Divina - ai! sim, será a voz que afina
Saudosa - na ramagem densa, umbrosa.
Será; mas eu do rouxinol que trina
Não oiço a melodia,
Nem sinto outra harmonia
Senão a ti - a ti!
Respira - n'aura que entre as flores gira,
Celeste - incenso de perfume agreste.
Sei... não sinto: minha alma não aspira,
Não percebe, não toma
Senão o doce aroma
Que vem de ti - de ti!
Formosos - são os pomos saborosos,
É um mimo - de néctar o racimo:
E eu tenho fome e sede... sequiosos,
Famintos meus desejos
Estão... mas é de beijos,
E só de ti - de ti!
Macia - deve a relva luzidia
Do leito - se por certo em que me deito;
Mas quem, ao pé de ti, quem poderia
Sentir outras carícias,
Tocar noutras delícias
Senão em ti - em ti!
A ti! ai, a ti só os meus sentidos
Todos num confundidos,
Sentem, ouvem, respiram;
Em ti, por ti deliram.
Em ti a minha sorte,
A minha vida em ti;
E quando venha a morte,
Será morrer por ti.

Almeida Garrett

Foto:Oleg Seleznev