terça-feira, janeiro 31, 2006

Graffitis (frases e pinturas)



Matate estudiando y serás un cadaver culto.


Anónimo

Graffiti daqui

Sonho Árabe



I

Ser um árabe e ter perto
A morena companheira,
A vida um grande deserto,
Tu a única palmeira;

Manto ao vento, ir de carreira
A galope em campo aberto,
Na mão a lança guerreira...
—Assim eu sonho, desperto.

Cai a tarde. Volto a casa.
E já da planície rasa
Surge a cidade natal.

Voam cegonhas ao Sul;
Ofusca a alvura de cal;
E há minaretes no Azul.

II

E eu evoco a alcova já:
Mosaicos de lés a lés
E, para a nudez dos pés,
Alcatifas de Rabat.

Só a penumbra entra lá.
Perfumadores de aloés,
Colchas, coxins, narguilés,
E um tamborete com chá.

Das vivas cores o matiz,
O teu corpo, a tua fala,
Luz e olor, tudo condiz.

Bastam os tons: de garridos,
Entornam fogo na sala
E embebedam os sentidos.

III

Há rosas no azul do espaço;
A tarde lembra um jardim;
O deserto é d’oiro baço
E as mesquitas de marfim.

Caem flores quando passo,
Lá do alto sobre mim;
Allah abriu o regaço,
Cheira a cravos e a jasmim.

Entro na alcova, — alegrete
De cores festivas e aromas.
Tu bailas sobre um tapete.

Afago-te o seio duro,
E, ao beijar-te as duas pomas,
"Só Deus é grande!" — murmuro.

Jaime Cortesão

Foto:Elena Vasileva

Resposta a um poema meu do dia 3 de janeiro



imagina um dedo
sobre o teu umbigo.

só um dedo;
só o teu umbigo.

imagina as raízes
entrando
intempestivamente
na terra.

só uma árvore,
a velocidade
da sua raiz.

e vê agora o teu
umbigo branco,

como está rodeado
por uma auréola
de terra

castanha,

e os pequenos pêlos
de uma raiz,

como se aproximam
velozmente.

era assim
de tão poucas coisas
que a ciência antiga
da ervanária
se fazia.

e ensinava a aspirar
todos os sopros bons
da floresta.

odores fundos, fundos,
sanguíneos,

que deixavam
o corpo tranquilo,
a alma grata.

e os seios podiam
então expor-se,

e horizontalmente
multiplicar-se
como animais felizes
e saltitantes

sobre superfícies verdes:

em movimento
lento, lentíssimo
de festa.

v.o.j.(Vitor Oliveira Jorge)
4.1.06

Foto:Stanmarek

segunda-feira, janeiro 30, 2006

Amor, pois que é palavra essencial



Amor – pois que é palavra essencial
comece esta canção e toda a envolva.
Amor guie o meu verso, e enquanto o guia,
reúna alma e desejo, membro e vulva.

Quem ousará dizer que ele é só alma?
Quem não sente no corpo a alma expandir-se
até desabrochar em puro grito
de orgasmo, num instante de infinito?

O corpo noutro corpo entrelaçado,
fundido, dissolvido, volta à origem
dos seres, que Platão viu completados:
é um, perfeito em dois; são dois em um.

Integração na cama ou já no cosmo?
Onde termina o quarto e chega aos astros?
Que força em nossos flancos nos transporta
a essa extrema região, etérea, eterna?

Ao delicioso toque do clitóris,
já tudo se transforma, num relâmpago.
Em pequenino ponto desse corpo,
a fonte, o fogo, o mel se concentraram.

Vai a penetração rompendo nuvens
e devassando sóis tão fulgurantes
que nunca a vista humana os suportara,
mas, varado de luz, o coito segue.

E prossegue e se espraia de tal sorte
que, além de nós, além da prórpia vida,
como ativa abstração que se faz carne,
a idéia de gozar está gozando.

E num sofrer de gozo entre palavras,
menos que isto, sons, arquejos, ais,
um só espasmo em nós atinge o climax:
é quando o amor morre de amor, divino.

Quantas vezes morremos um no outro,
no úmido subterrâneo da vagina,
nessa morte mais suave do que o sono:
a pausa dos sentidos, satisfeita.

Então a paz se instaura. A paz dos deuses,
estendidos na cama, qual estátuas
vestidas de suor, agradecendo
o que a um deus acrescenta o amor terrestre.
Ir para o topo da página

Carlos Drummond de Andrade

Foto:Stanmarek

No Teu Poema



No teu poema
existe um verso em branco e sem medida,
um corpo que respira, um céu aberto,
janela debruçada para a vida.
No teu poema existe a dor calada lá no fundo,
o passo da coragem em casa escura
e, aberta, uma varanda para o mundo.
Existe a noite,
o riso e a voz refeita à luz do dia,
a festa da Senhora da Agonia
e o cansaço
do corpo que adormece em cama fria.
Existe um rio,
a sina de quem nasce fraco ou forte,
o risco, a raiva e a luta de quem cai
ou que resiste,
que vence ou adormece antes da morte.
No teu poema
existe o grito e o eco da metralha,
a dor que sei de cor mas não recito
e os sonhos inquietos de quem falha.
No teu poema
existe um cantochão alentejano,
a rua e o pregão de uma varina
e um barco assoprado a todo o pano.
Existe um rio
a sina de quem nasce fraco ou forte,
o risco, a raiva e a luta de quem cai
ou que resiste,
que vence ou adormece antes da morte.
No teu poema
existe a esperança acesa atrás do muro,
existe tudo o mais que ainda escapa
e um verso em branco à espera de futuro.

José Luis Tinoco

Foto:José Marafona

O homem e o cão



Quanto mais conheço o homem
Mais eu gosto do meu cão

Há homem que não merece
A comida do Sultão
Por isso quando falo
No fundo tenho razão
Quanto mais conheço o homem
Mais eu gosto do meu cão

A um amigo dei almoço
dividi meu capital
Meu cachorro dei um osso
Lá no fundo do quintal
E no fim quem foi ingrato
Não foi meu cachorro não
Quanto mais conheço o homem
Mais eu gosto do meu cão

(Ataulfo Alves e Arthur Vargas Júnior)

Foto:Anatolij Kivrin

domingo, janeiro 29, 2006

Graffitis (Frases e pinturas)



Si quieres una mano que te ayude, la encontrarás al final de tu brazo.


Anónimo

Graffiti daqui

Gazel I (Do amor imprevisto)



Ninguém compreendia esse perfume
da escura magnólia de teu ventre.
Ninguém sabia que martirizavas
um colibri de amor entre os teus dentes.

Mil eram os potros persas que dormiam
na praça com luar de tua fronte,
enquanto eu quatro noites enlaçava
tua cintura, inimiga da neve.

Entre gesso e jasmins, o teu olhar
era um pálido ramo de sementes.
Eu busquei, para dar-te, no meu peito
as letras de marfim que dizem sempre.

Sempre, sempre: jardim desta agonia,
teu corpo fugitivo para sempre,
o sangue de tuas veias em meus lábios,
teus lábios já sem luz p’rá minha morte.

Frederico García Lorca

Foto:Yuri B

À margem



Tudo o que brilha na noite,
colares, olhos, astros,
serpentinas de fogos de cores,
brilha em teus braços de rio que se curva,
em teu pescoço de dia que desperta.

A fogueira que acendem na floresta,
o farol de pescoço de girafa,
o olho, girassol da insónia,
cansaram-se de esperar e perscrutar.

Apaga-te,
para brilhar não há como os olhos que nos vêem:
contempla-te em mim que te contemplo.
Dorme,
veludo de bosque,
musgo onde reclino a cabeça.

A noite com ondas azuis vai apagando estas palavras,
escritas com mão volúvel na palma do sonho.

Octávio Paz

Foto:zet_ka aa (zet)

sábado, janeiro 28, 2006

Arte de amar



Não faço poemas como quem chora,
nem faço versos como quem morre.
Quem teve esse gosto foi o bardo Bandeira
quando muito moço; achava que tinha
os dias contados pela tísica
e até se acanhava de namorar.
Faço poemas como quem faz amor.
É a mesma luta suave e desvairada
enquanto a rosa orvalhada
se vai entreabrindo devagar.
A gente nem se dá conta, até acha bom,
o imenso trabalho que amor dá para fazer.
Perdão, amor não se faz.
Quando muito, se desfaz.
Fazer amor é um dizer
(a metáfora é falaz)
de quem pretende vestir
com roupa austera a beleza
do corpo da primavera.
O verbo exato é foder.
A palavra fica nua
para todo mundo ver
o corpo amante cantando
a glória do seu poder.

Thiago de Mello

Foto:Calvato

É quando estás de joelhos



É quando estás de joelhos
que és toda bicho da Terra
toda fulgente de pêlos
toda brotada de trevas
toda pesada nos beiços
de um barro que nunca seca
nem no cântico dos seios
nem no soluço das pernas
toda raízes nos dedos
nas unhas toda silvestre
nos olhos toda nascente
no ventre toda floresta
em tudo toda segredo
se de joelhos me entregas
sempre que estás de joelhos
todos os frutos da Terra.

David Mourão-Ferreira

Foto:Jerry Uelsmann

sexta-feira, janeiro 27, 2006

Soneto da Mulher ao Sol



Uma mulher ao sol - eis todo o meu desejo
Vinda do sal do mar, nua, os braços em cruz
A flor dos lábios entreaberta para o beijo
A pele a fulgurar todo o pólen da luz.

Uma linda mulher com os seios em repouso
Nua e quente de sol - eis tudo o que eu preciso
O ventre terso, o pelo úmido, e um sorriso
À flor dos lábios entreabertos para o gozo.

Uma mulher ao sol sobre quem me debruce
Em quem beba e a quem morda, com quem me lamente
E que ao se submeter se enfureça e soluce

E tente me expelir, e ao me sentir ausente
Me busque novamente - e se deixes a dormir
Quando, pacificado, eu tiver de partir...

Vinícius de Moraes

Foto:Georg Suturin

Se duvidas que teu corpo...



Se duvidas que teu corpo
Possa estremecer comigo –
E sentir
O mesmo amplexo carnal,
– desnuda-o inteiramente,
Deixa-o cair nos meus braços,
E não me fales,
Não digas seja o que for,
Porque o silêncio das almas
Dá mais liberdade
às coisas do amor.

Se o que vês no meu olhar
Ainda é pouco
Para te dar a certeza
Deste desejo sentido,
Pede-me a vida,
Leva-me tudo que eu tenha –
Se tanto for necessário
Para ser compreendido.

António Botto

Foto:Shubina Olga

Ver-te é como ter à minha frente todo o tempo



Ver-te é como ter à minha frente todo o tempo
é tudo serem para mim estradas largas
estradas onde passa o sol poente
é o tempo parar e eu próprio duvidar mas sem pensar
se o tempo existe se existiu alguma vez
e nem mesmo meço a devastação do meu passado.

Ruy Belo

Foto:Tomasz

quinta-feira, janeiro 26, 2006

Sombras



Vi a tua forma esguia
Como a chama de uma vela,
Fogo que tremeluzia,
Luz que as sombras alongava.

Era noite.
A ventania
Batia forte à janela.

Sei que o teu corpo tremia,
Sei que o teu corpo queimava
E que ao nascer novo dia
Ainda a noite brilhava.

Poema:Manuel Filipe

Foto: Elena Vasileva

A...Madrigal



Son tus labios un rubí
partido por gala en dos,
arrancado para ti
de la corona de un dios.

José de Espronceda

Foto:Satoshi Saikusa

Quem achar que sabe, responda



O homem pede pra depois poder doar
O homem prova pra depois poder sentir
O homem luta pra depois saber cair
O homem treina pra depois saber gozar

A mulher doa e é só depois que vai pedir
A mulher sente e é só depois que vai provar
A mulher cai e é do chão que vai lutar
A mulher goza mas não tem que antes agir

Então me digam: Qual será o lado frágil?
É o que teme pra depois poder ser ágil?
É o que luta com certeza da vitória?

Ou o que venda sua vista e entra em cena?
E que do chão derrota as feras da arena
Pra só depois ser aclamado em meio à glória

António Marinho do Nascimento

Foto:Stanmarek

Valsa cigana



As traças fizeram suas notas
Na partitura da velha senhora
"Adoráveis Tormentas"
(Valsa Cigana)
O tempo solfeja
Nos bueiros da pauta

(E como tocar agora
A melodia mais estranha
As semibreves confusas
Que os insetos inventam?)

Os dedos tortos no piano
Insistem soar a música
Mesmo que a casa se apague
E todas as teclas
Derretam

Rodolfo Dantas

Imagem daqui

quarta-feira, janeiro 25, 2006

Momento



Chegado o momento
em que tudo é tudo
dos teus pés ao ventre
das ancas à nuca
ouve-se a torrente
de um rio confuso
Levanta-se o vento
Comparece a lua
Entre línguas e dentes
este sol nocturno
Nos teus quatro membros
de curvos arbustos
lavra um só incêndio
que se torna muitos
Cadente silêncio
sob o que murmuras
Por fora por dentro
do bosque do púbis
crepitam-me os dedos
tocando alaúde
nas cordas dos nervos
a que te reduzes
Assim o momento
em que tudo é tudo
Mais concretamente
água fogo música

David Mourão-Ferreira

Foto:Fmk Fotodesign

Epístola sobre o suicídio



Matar-se
É coisa banal.
Pode-se conversar com a lavadeira sobre isso.
Discutir com um amigo os prós e os contras.
Um certo pathos, que atrai
Deve ser evitado.
Embora isto não precise absolutamente ser um dogma.
Mas melhor me parece, porém
Uma pequena mentira como de costume:
Você está cheio de trocar a roupa de cama, ou melhor
Ainda:
Sua mulher foi infiel
(Isto funciona com aqueles que ficam surpresos com essas coisas
E não é muito impressionante)
De qualquer modo
Não deve parecer
Que a pessoa dava
Importância demais a si mesmo

Bertolt Brecht

Foto:Gianni Candido

Valsinha



Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar
Olhou-a dum jeito muito mais quente do que sempre costumava olhar
E não maldisse a vida tanto quanto era seu jeito de sempre falar
E nem deixou-a só num canto, pra seu grande espanto convidou-a pra rodar

Então ela se fez bonita como há muito tempo não queria ousar
Com seu vestido decotado cheirando a guardado de tanto esperar
Depois os dois deram-se os braços como há muito tempo não se usava dar
E cheios de ternura e graça foram para a praça e começaram a se abraçar

E ali dançaram tanta dança que a vizinhança toda despertou
E foi tanta felicidade que toda a cidade enfim se iluminou
E foram tantos beijos loucos
Tantos gritos roucos como não se ouvia mais
Que o mundo compreendeu
E o dia amanheceu
Em paz

Chico Buarque/Vinícius de Moraes

Tela:Raquel Partnoi

Beijo



Sua boca
uva rubra
roça meus lábios
e por segundos
somos murmúrios úmidos
seiva cósmica
de línguas
púrpuras.

Virgínia Schall

Imagem daqui

Segredo



Não contes do meu
vestido
que tiro pela cabeça

nem que corro os
cortinados
para uma sombra mais espessa

Deixa que feche o
anel
em redor do teu pescoço
com as minhas longas
pernas
e a sombra do meu poço

Não contes do meu
novelo
nem da roca de fiar

nem o que faço
com eles
a fim de te ouvir gritar

Maria Tereza Horta

Foto:Alexander Feodorov

terça-feira, janeiro 24, 2006

Graffitis (frases e pinturas)



Yo soy un hijo de pluta.


Graffiti daqui

Não vou pôr-te flores de laranjeira no cabelo



Não vou pôr-te flores de laranjeira no cabelo
nem fazer explodir a madrugada nos teus olhos.

Eu quero apenas amar-te lentamente
como se todo o tempo fosse nosso
como se todo o tempo fosse pouco
como se nem sequer houvesse tempo.

Soltar os teus seios.
Despir as tuas ancas.
Apunhalar de amor o teu ventre.

Joaquim Pessoa

Foto:Volk56

Poema de Che Guevara para Fidel Castro-"Canto a Fidel"



Vamos ardoroso profeta da alvorada,
por caminhos longíquos e desconhecidos,
liberar o grande caimão verde que você tanto ama...
Quando soar o primeiro tiro
e na virginal surpresa toda a selva despertar,
lá, ao seu lado, seremos combatentes
você nos terá.
Quando sua voz proclamar para os quatro ventos,
reforma agrária, justiça, pão e liberdade,
lá, ao seu lado com sotaque idêntico,
você nos terá.
E quando o final da batalha
para a operação de limpeza contra o tirano chegar,
lá, ao seu lado, prontos para a última batalha,
você nos terá.
E se o nosso caminho for bloqueado pelo ferro,
pedimos uma mortalha de lágrimas cubanas
para cobrir nossos ossos guerrilheiros no trânsito para a história da América.
Nada mais.

Che Guevara

Foto daqui

segunda-feira, janeiro 23, 2006

Composição sobre a ideia do Espírito Santo



nada pode haver de mais
esplêndido
para os terminais acesos
dos sentidos

para os circuitos dourados
do cérebro,

onde cintilam
permanentemente
galáxias longínquas,

do que o som
deste órgão invisível

quando se ergue
poderoso
como a voz de Deus

do interior negro
das naves

fazendo dilatar
as abóbadas
em plena noite,

na mais total solidão,

provocando a inesperada
surpresa,

a subida

- de coluna a coluna,
de arcada a arcada,

ao longo do corpo
do edifício magnífico -

de todos os princípios
da arquitectura

erguidos pelos compassos
do Espírito Santo.

oh óleo brilhante
que lubrificas
e unges
este delírio

entre biliões
de lanternas
aéreas

resplandesces
do odor
do cosmos

quando o rubor
das faces exaltadas
de todas as imagens

postadas
em adoração
ao seu próprio êxtase

atinge o auge

ah,
não há tacto,
nem língua,

nem verbo
por mais sábios,

que se igualem ao modo
como esta música
acaricia a cintura
das talhas,

há séculos suspensas

do momento sensível

em que a mão do Senhor
se acercará.

música
de uma limpidez tal

que perfura até
os olhos azuis
da eternidade

insinuando-se
por entre forros
dobras, escaninhos,

com a astúcia
do pequeno rato,

em cuja energia
imperceptível
se simbolizam todas
as criaturas.

asperge
de sémen puro

perpetuamente
estes lugares ermos

numa ascensão miraculosa
contra a gravidade;

brota, sagrada água,
do interior vaginal
secreto,

consuma a cópula
das espécies mais nobres,
onde cintila o ouro.

e grita
em efervescências de luz
esta apoteose
dos grenás,

estas dobras
dos veludos,

este ininterrupto
derrame

pelas escadarias;

lá onde a pomba
rasteira

tremula desde o início
do universo

no nervosismo
das asas


Vítor Oliveira Jorge
Porto, início do ano de 2006.

Tela:Salvador Dali

Pequeno poema de amor I



À distância,
ouvi o tremor da tua voz
(o teu discreto encanto)
quando me propuseste irmos sós
a ver o mar.

Vi a tua errância
ao longe
entre rochedos.

Pressenti o teu espanto
e os teus segredos.

Poema:Manuel Filipe

Foto:A Brito

Afrodite



Formosa.
Esses peitos pequenos, cheios.
Esse ventre, o seu redondo espraiado!
O vinco da cinta, o gracioso umbigo, o escorrido
das ancas, o púbis discreto ligeiramente alteado,
as coxas esbeltas, um joelho único suave e agudo,
o coto de um braço, o tronco robusto, a linha
cariciosa do ombro...
Afrodite, não chorei quando te descobri?
Aquele museu plácido, tantas memórias da Grécia
e de Roma!
Tantas figuras graves, de gestos nobres e de
frontes tranquilas, abstractas...
Mas aquela sala vasta, cheia, não era uma necró-
pole.
Era uma assembleia de amáveis espíritos, divaga-
dores, ente si trocando serenas, eternas e nunca
desprezadas razões formais.

Afrodite, Afrodite, tão humana e sem tempo...
O descanso desse teu gesto!
A perna que encobre a outra, que aperta o corpo.
A doce oferta desse pomo tentador: peito e ventre.
E um fumo, uma impressão tão subtil e tão pro-
vocante de pudor, de volúpia, de reserva, de
abandono...
Já passaram sobre ti dois mil anos?

Estranha obra de um homem!
Que doçura espalhas e que grandeza...
És o equilíbrio e a harmonia e não és senão corpo.
Não és mística, não exacerbas, não angústias.
Geras o sonho do amor.

Praxíteles.
Como pudeste criar Afrodite?
E não a macerar, delapidar, arruinar, na ânsia de
a vencer, gozar!
Tinha de assim ser.
Eternizaste-a!
A beleza, o desejo, a promessa, a doce carne...

Irene Lisboa

Foto:Elena Vasileva

LXII



Aviso aos não-comunistas.
Tudo é comum, até Deus.


Baudelaire

Tela:Salvador Dali

domingo, janeiro 22, 2006

Coisa amar



Contar-te longamente as perigosas
coisas do mar. Contar-te o amor ardente
e as ilhas que só há no verbo amar.
Contar-te longamente longamente.

Amor ardente. Amor ardente. E mar.
Contar-te longamente as misteriosas
maravilhas do verbo navegar.
E mar. Amar: as coisas perigosas.

Contar-te longamente que já foi
num tempo doce coisa amar. E mar.
Contar-te logamente como dói

desembarcar nas ilhas misteriosas.
Contar-te o mar ardente e o verbo amar.
E longamente as coisas perigosas.

Manuel Alegre

Foto:Shubina Olga

"O amor puro"



Quero fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado.
Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.

Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo". O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas.

Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje.
Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá tudo bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?

O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso "dá lá um jeitinho sentimental". Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar. O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto.

O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não dá para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre.
Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem.

Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir.
A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a vida inteira, o amor não.
Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também.

Texto de Miguel Esteves Cardoso

Foto:Stanmarek

PS:Peço desculpa por não indicar de onde tirei este texto, mas como já foi há algum tempo, esqueci-me.

PS2:Segundo informações nos comentários, este texto estava no jornal "Expresso". Obrigada

sábado, janeiro 21, 2006

Poema II



De amor nada mais resta que um Outubro
e quanto mais amada mais desisto:
quanto mais tu me despes mais me cubro
e quanto mais me escondo mais me avisto.

E sei que mais te enleio e te deslumbro
porque se mais me ofusco mais existo.
Por dentro me ilumino, sol oculto,
por fora te ajoelho, corpo místico.

Não me acordes. Estou morta na quermesse
dos teus beijos. Etérea, a minha espécie
nem teus zelos amantes a demovem.

Mas quanto mais em nuvem me desfaço
mais de terra e de fogo é o abraço
com que na carne queres reter-me jovem.

Natália Correia

Foto:Yuri B

Quando eu morrer



Quando eu morrer, não digas a ninguém que foi por ti.
Cobre o meu corpo frio com um desses lençóis
que alagámos de beijos quando eram outras horas
nos relógios do mundo e não havia ainda quem soubesse
de nós; e leva-o depois para junto do mar, onde possa
ser apenas mais um poema - como esses que eu escrevia
assim que a madrugada se encostava aos vidros e eu
tinha medo de me deitar só com a tua sombra. Deixa

que nos meus braços pousem então as aves (que, como eu,
trazem entre as penas a saudades de um verão carregado
de paixões). E planta à minha volta uma fiada de rosas
brancas que chamem pelas abelhas, e um cordão de árvores
que perfurem a noite - porque a morte deve ser clara
como o sal na bainha das ondas, e a cegueira sempre
me assustou (e eu já ceguei de amor, mas não contes
a ninguém que foi por ti). Quando eu morrer, deixa-me

a ver o mar do alto de um rochedo e não chores, nem
toques com os teus lábios a minha boca fria. E promete-me
que rasgas os meus versos em pedaços tão pequenos
como pequenos foram sempre os meus ódios; e que depois
os lanças na solidão de um arquipélago e partes sem olhar
para trás nenhuma vez: se alguém os vir de longe brilhando
na poeira, cuidará que são flores que o vento despiu, estrelas
que se escaparam das trevas, pingos de luz, lágrimas de sol,
ou penas de um anjo que perdeu as asas por amor.

Maria do Rosário Pedreira

Foto:Shubina Olga

sexta-feira, janeiro 20, 2006

Serenata



Pelas ribeiras do rio
está a noite a molhar-se
e nos peitos de Lolita
só de amor morrem os ramos.

Só de amor morrem os ramos.

A noite canta despida
sobre as pontes que tem Março.
Lolita lava o seu corpo
com água salgada e nardos.

Só de amor morrem os ramos.

A noite de anis e prata
rebrilha pelos telhados,
Prata de arroios e espelhos.
Anis de tuas coxas brancas.

Só de amor morrem os ramos.

Frederico García Lorca

Foto:Stephane Bourson

Lugar onde



Há um lugar onde o olhar se faz silêncio,
há um lugar onde a luz rompe a bruma,
há um lugar onde repousa a dor mais crua;
No meio do mar,
onde esvanece,
onde se esfuma.

Um castelo de ar,
um certo canto de outro mundo,
alva coroa de inocência ou negro manto;
No meio do mar,
no seu abismo mais profundo
onde as penas não nos pesem tanto, tanto...

Por ele partiram,
se deitaram a matar,
com as velas desfraldadas, uma a uma,
aqueles que se perderam,
por achar
o refúgio do Sol,
além da espuma.

Poema:Manuel Filipe

Foto:José Marafona

quinta-feira, janeiro 19, 2006

Frente a frente



Nada podeis contra o amor,
Contra a cor da folhagem,
contra a carícia da espuma,
contra a luz, nada podeis.

Podeis dar-nos a morte,
a mais vil, isso podeis
- e é tão pouco


Eugénio de Andrade

Foto:Sascha Huettenhain

Grito



Cedros, abetos,
pinheiros novos.
O que há no tecto
do céu deserto,
além do grito?
Tudo que e' nosso.

São os teus olhos
desmesurados,
lagos enormes,
mas concentrados
nos meus sentidos.
Tudo o que é nosso
é excessivo.

E a minha boca,
de tão rasgada,
corre-te o corpo
de pólo a pólo,
desfaz-te o colo
de espádua a espádua,
são os teus olhos,
depois o grito.

Cedros, abetos,
pinheiros novos.
É o regresso.
É no silêncio
de outro extremo
desta cidade
a tua casa.
É no teu quarto
de novo o grito.

E mais nocturna
do que nunca
a envergadura
das nossas asas.
Punhal de vento,
rosa de espuma:
morre o desejo,
nasce a ternura.
Mas que silêncio
na tua casa.

David Mourão-Ferreira

Foto:Bert Z

quarta-feira, janeiro 18, 2006

Quando vier me visitar...



Quando vier me visitar
Traga flores,
Muitas delas...
Porém, não me traga apenas flores:
Não se esqueça de juntar a elas
A beleza do seu sorriso,
A ternura do seu olhar,
A força do seu abraço.
O calor dos seus beijos...
Quando vier me visitar,
Traga flores,
Muitas delas...
Mas não esqueça de tirar-lhes
Os espinhos que machucam,
As folhas envelhecidas,
Os galhos secos,
As dores embutidas...
Quando vier me visitar,
Traga flores,
Muitas delas...
Perfumadas, coloridas, alegres:
Todas parecidas com você!
Quando vier me visitar,
Traga você por inteira...
As flores?
Nem sei se vai precisar!

Vinícius de Moraes

Foto:A. Obolenski

segunda-feira, janeiro 16, 2006

O Espírito



Nada a fazer amor, eu sou do bando
Impermanente das aves friorentas;
E nos galhos dos anos desbotando
Já as folhas me ofuscam macilentas;

E vou com as andorinhas. Até quando?
À vida breve não perguntes: cruentas
Rugas me humilham. Não mais em estilo brando
Ave estroina serei em mãos sedentas.

Pensa-me eterna que o eterno gera
Quem na amada o conjura. Além, mais alto,
Em ileso beiral, aí espera:

Andorinha indemne ao sobressalto
Do tempo, núncia de perene primavera.
Confia. Eu sou romântica. Não falto.

Natália Correia

Foto:Elena Vasileva

Confluência



Ter-te amado, a fantasia exata se cumprindo
sem distância.
Ter-te amado convertendo em mel
o que era ânsia.
Ter-te amado a boca, o tato, o cheiro:
intumescente encontro de reentrâncias.
Ter-te amado
fez-me sentir:

no corpo teu, o meu desejo
– é ancorada errância

Affonso Romano de Sant'Anna

Foto:Ef Kozhevnikov

Gaivota



Se uma gaivota viesse
trazer-me o céu de Lisboa
no desenho que fizesse,
nesse céu onde o olhar
é uma asa que não voa,
esmorece e cai no mar.
Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.
Se um português marinheiro,
dos sete mares andarilho,
fosse quem sabe o primeiro
a contar-me o que inventasse,
se um olhar de novo brilho
no meu olhar se enlaçasse.
Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.
Se ao dizer adeus à vida
as aves todas do céu,
me dessem na despedida
o teu olhar derradeiro,
esse olhar que era só teu,
amor que foste o primeiro.
Que perfeito coração
no meu peito morreria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde perfeito
bateu o meu coração.

Alexandre O'Neill

Foto:Dennis Mecham

domingo, janeiro 15, 2006

A caça



Eles chegam e olham como quem não quer a coisa.
Dirigem-se ao bar e pedem uma bebida.
Voltam-se para a pista e olham novamente. Alguns vão dançar.
Começam primeiro muito disfarçadamente e aos poucos com movimentos cada vez mais sexuais.
Olham…Olham…Olham…
Se esta presa não servir, há que procurar mais…
Entretanto no bar vão-se juntando as feras. Olham…Já não disfarçadamente!
Já beberam um pouco de maneira que mexem o corpo à procura da presa que lhes pague um copo.
A presa chega finalmente, bebem e pronto, já está. Mas mesmo assim continuam a olhar…Há sempre que prevenir!
Convém sempre ter mais que uma presa, para o caso desta conseguir fugir…

Wind (escrito em 7/04/2004)

Foto:Howard Schatz

A fé



"A fé é a coisa mais complexa que eu conheço. Supõe-se que acreditemos todos na mesma coisa de forma diferente. É como se estivéssemos todos comendo do mesmo prato com colheres de várias cores."


Oscar Wilde

Foto:Misha Gordin

O Sono



O sono que desce sobre mim,
O sono mental que desce fisicamente sobre mim,
O sono universal que desce individualmente sobre mim —
Esse sono
Parecerá aos outros o sono de dormir,
O sono da vontade de dormir,
O sono de ser sono.
Mas é mais, mais de dentro, mais de cima:
E o sono da soma de todas as desilusões,
É o sono da síntese de todas as desesperanças,
É o sono de haver mundo comigo lá dentro
Sem que eu houvesse contribuído em nada para isso.

O sono que desce sobre mim
É contudo como todos os sonos.
O cansaço tem ao menos brandura,
O abatimento tem ao menos sossego,
A rendição é ao menos o fim do esforço,
O fim é ao menos o já não haver que esperar.

Há um som de abrir uma janela,
Viro indiferente a cabeça para a esquerda
Por sobre o ombro que a sente,
Olho pela janela entreaberta:
A rapariga do segundo andar de defronte
Debruça-se com os olhos azuis à procura de alguém.
De quem?,
Pergunta a minha indiferença.
E tudo isso é sono.

Meu Deus, tanto sono! ...

Álvaro de Campos

Foto:Jean-Claude Aubry

Elegia das águas negras para Che Guevara



Atado ao silêncio, o coração ainda
pesado de amor, jazes de perfil,
escutando, por assim dizer, as águas
negras da nossa aflição.

Pálidas vozes em prado procuram
O potro mais livre, a palmeira
mais alta sobre o lago, o barco talvez
Ou o mel entornado da nossa alegria.

Olhos apertados pelo medo
aguardam na noite o sol do meio-dia,
a face viva do sol onde cresces,
onde te confundes com os ramos
de sangue do verão ou o rumor
dos pés brancos da chuva nas areias.

A palavra, como tu dizias, chega
húmida dos bosques: temos que semeá-la;
chega húmida da terra: temos que defendê-la;
chega com as andorinhas
que a beberam sílaba a sílaba na tua boca.

Cada palavra tua é um homem de pé;
cada palavra tua
faz do orvalho uma faca,
faz do ódio um vinho inocente
para bebermos contigo
no coração em redor do fogo.

Eugénio de Andrade

Imagem daqui

sábado, janeiro 14, 2006

Soneto de Áspera Resignação



Não me digas segredos nessa voz
em que dizes também o que não dizes.
Fica o silêncio ainda mais atroz
depois de entremostradas as raízes.

Prefiro que não digas nada, nada.
Que não sejas arbusto nem canção,
mas sombra entreaberta, recortada
por um lívido e breve coração.

Já que não podes dar-me o que eu sonhara
- inteireza de ramos e raiz -,
ao menos dá-me, intacta, a sombra clara
onde se esbatam vultos e perfis.

Pois nesta solidão melhor é ter
a sombra que um segredo de mulher.

David Mourão-Ferreira

Foto:Paul Bolk

"Striptease"



Depois de ler isto fiquei a matutar no assunto e embora sabendo que é um risco escrever sobre isso, vou fazê-lo, sem qualquer juízo de valor para as prostitutas.
Quero que tal fique bem claro.
Todos sabemos que há muitos anos, altos senhores e empresários de casas de striptease “acolhem” emigrantes ilegais e as exploram.
Deram várias reportagens sobre isso, inclusivé que vão rodando, para não serem sempre as mesmas. Predominam as mulheres brasileiras e as dos países de Leste.
Dentro do striptease muita coisa se pode fazer: dançar, estar na mesa com os clientes, ir para uma sala a sós…e assim o preço varia.
Quem ganha com isto tudo?
Os DONOS das casas, pois elas recebem uma percentagem mínima.
Não me adianto muito mais, porque é um tema que deixo para quem quiser continuar, ou comentar.

Wind

Imagem daqui

Actualizado às 13h:

Sobre este assunto, sópergunto porque é que Souto Moura não se demite, ou porque é que o Presidente não o demite?

Muita coisa está mal neste país...e eu não me calo!

Dança do amor



Ela dança olhando para ele
Disfarça o olhar para que ele não se aperceba
Que ela está interessada nele
Ele olha-a fixamente
Não a perde de vista
E dá-lhe a entender que está de olho nela
Ela dança com outros rapazes
Ele com outras raparigas
A música obriga o corpo a se mexer
Ele vai dançando até ir ao encontro dela
Ele sabe que a música romântica vem aí
Ela disfarça, faz de conta que não o vê
O dj coloca a música romântica,
Tão esperada por ele
E temida por ela
Ele convida-a para dançar, ela cora, rebaixa o olhar e recusa
Com o dedo ele levanta-lhe a barbela
Olha-a nos olhos, volta a pedir-lhe para dançar
Ela tremendo aceita a dança
A pista é só deles, não vêm mais ninguém
A música é só deles, mais ninguém a ouve
Ele abraça-a até há cintura,
Ela coloca as mãos á volta do pescoço dele
Ela coloca a cabeça sobre o ombro dele
Os corpos se juntam mais e mais
Ele afasta-a um pouco
Olham-se olhos nos olhos
E beijam-se apaixonadamente


Poema de Teu-Olhar

Foto:Howard Schatz

Os sumérios eram sumários



Os sumérios eram sumários
e por isso foram sumírios
daí vem que foram semírios
mírios de se ou de si

os sumírios eram sumários sendo sumério
e daí vem que foram sumiros
sumaros e sumêros

os sumários eram suma dos
é daí que vem o sumo
a soma e a suma-a-uma

os sumórios eram sumêdos
porque eram semudos
e mudos de se ou de si
eram sumúrios

os sumúrios eram semílicos
simólicos e simulados
daí vem que amaram a sêmula
a súmula
e o tacão alto

Ana Hatherly

Imagem daqui