domingo, outubro 31, 2004
Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para atravesssar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte
Para ver a verdade para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminhei.
Por ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite meu silêncio
Minha pérola redonda e seu orionte
Meu espelho minha vida minha imagem
E abandonei os jardins do paraíso.
Cá fora, à luz, sem véu, do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempo
Por isso com teus gestos me vestiste.
E aprendi a viver em pleno vento.
Sophia de Mello Breyner e Andresen
Foto:Paulo Castro
Quinto poema do pescador
Eu não sei de oração senão perguntas
ou silêncios ou gestos de ficar
de noite frente ao mar não de mãos juntas
mas a pescar.
Não pesco só nas águas mas nos céus
e a minha pesca é quase uma oração
porque dou graças sem saber se Deus
é sim ou não.
Manuel Alegre
Foto:Rui Dias Monteiro
Estou triste
Eu tinha grandes coisas para vos dizer
Porém não tenho tempo. Vou-me embora.
Deixo-vos com a vossa tristeza
mergulhada no vinho quieta envilecida.
Minha tristeza é mais pura
não se esconde no vinho não se esconde.
Precisa de grandes gritos ao ar livre.
De partir à pedrada o copo
onde a vossa tristeza apodrece.
Preciso de correr. Apertar muitas mãos
encher as ruas de muita gente.
Precisa de batalhas.
Manuel Alegre
Foto:Pedro Tavares
sábado, outubro 30, 2004
Aqui está a minha vida
Aqui está a minha vida.
Esta areia tão clara com desenhos de andar
dedicados ao vento.
Aqui está a minha voz,
esta concha vazia, sombra de som
curtindo seu próprio lamento.
Aqui está minha dor,
este coral quebrado,
sobrevivendo ao seu patético momento.
Aqui está a minha herança,
este mar solitário
que de um lado era amor e, de outro, esquecimento.
Cecília Meireles
Foto:Gonçalo Pereira
Exílio
Quando a pátria que temos não a temos
Perdida por silêncio e por renúncia
Até a voz do mar se torna exílio
E a luz que nos rodeia é como grades.
Sophia de Mello Breyner e Andresen
Imagem: Vangogh
Fernando Pessoa
"Isto"
Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.
Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!
"Ode"
Para ser grande, sê inteiro:nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Pões quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.
Foto:A Brito
Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.
Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!
"Ode"
Para ser grande, sê inteiro:nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Pões quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.
Foto:A Brito
sexta-feira, outubro 29, 2004
Ausência
Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua
Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua.
Sophia de Mello Breyner e Andresen
Foto:Filipa Mateus
O Vento na Ilha
O vento é um cavalo:
ouve como ele corre
pelo mar, pelo céu.
Quer me levar:escuta
como ele corre o mundo
para levar-me longe.
Esconde-me em teus braços
por esta noite erma,
enquanto a chuva rompe
contra o mar e a terra
sua boca inumerável.
Escuta como o vento
me chama galopando
para levar-me longe.
Como tua fronte na minha,
tua boca em minha boca,
atados nossos corpos
ao amor que nos queima,
deixa que o vento passe
sem que possa levar-me.
Deixa que o vento corra
coroado de espuma,
que me chame e me busque
galopando na sombra,
enquanto eu, protegido
sob teus grandes olhos,
por esta noite só
descansarei, meu amor.
Pablo Neruda
Foto:Tiago Relhas
Cantiga de amigo
Nem um poema nem um verso nem um canto
tudo raso de ausência tudo liso de espanto
e nem Camões Virgílio Shelley Dante
---o meu amigo está longe e a distância é bastante.
Nem um som nem um grito nem um ai
tudo calado todos sem mãe nem pai
Ah não Camões Virgílio Shelley Dante!
---o meu amigo está longe e a tristeza é bastante.
Nada a não ser este silêncio tenso
que faz do amor sozinho o amor imenso.
Calai Camões Virgílio Shelley Dante:
o meu amigo está longe e a saudade é bastante!
José Carlos Ary dos Santos
Foto:Ana Marta Pereira
quinta-feira, outubro 28, 2004
Ilha de Cos
Eu sabia que tinha de haver um sítio
Onde o humano e o divino se tocassem
Não propriamente a terra do sagrado
Mas uma terra para o homem e para os deuses
Feitos à sua imagem e semelhança
Um lugar de harmonia
Com sua tragédia é certo
Mas onde a luz incita à busca da verdade
E onde o homem não tem outros limites
Senão os da sua própria liberdade.
Manuel Alegre
Foto:Trina
Soneto do Amor como um Rio
Este infinito amor de um ano faz
Que é maior do que o tempo e do que tudo
Este amor que é real, e que, contudo
Eu já não queria que existisse mais.
Este amor meu é como um rio; um rio
Noturno, interminável e tardio
A deslizar macio pelo ermo
Em que seu curso sideral me leva
Iluminado de paixão na treva
Para o espaço sem fim de um mar sem termo.
Vinícius de Moraes
Foto:Ricardo Martinelli
quarta-feira, outubro 27, 2004
Crucificação
Vertical sou contra Deus
Horizontal a favor.
Nesta cruz me crucifico
Vertical com desespero
Horizontal com amor.
Natália Correia
Foto: Marta Gonçalves
Se eu pudesse iluminar por dentro as palavras de todos os dias
Se eu pudesse iluminar por dentro as palavras de todos os dias
para te dizer, com a simplicidade do bater do coração,
que afinal ao pé de ti apenas sinto as mãos mais frias
e esta ternura dos olhos que se dão.
Nem asas, nem estrelas, nem flores sem chão
- mas o desejo de ser a noite que me guias
e baixinho ao bafo da tua respiração
contar-te todas as minhas covardias.
Ao pé de ti não me apetece ser herói
mas abrir-te mais o abismo que me dói
nos cardos deste sol de morte viva.
Ser como sou e ver-te como és:
dois bichos de suor com sombra aos pés.
Complicações de luas e saliva.
José Gomes Ferreira
Foto:Betho Feliciano
Quase Haiku
Outubro é o silêncio
duma espiral morta,
no tempo parado.
É melancolia
de peixe dourado,
girando num globo
em ciclo fechado.
Manuel Filipe
Catedral 2004
Tudo o que te dou
Eu não sei, que mais posso ser
um dia rei, outro dia sem comer
por vezes forte, coragem de leão
às vezes fraco assim é o coração
eu não sei, que mais te posso dar
um dia jóias noutro dia o luar
gritos de dor, gritos de prazer
que um homem também chora
quando assim tem de ser
Foram tantas as noites sem dormir
tantos quartos de hotel, amar e partir
promessas perdidas escritas no ar
e logo ali eu sei...
(Que) Tudo o que eu te dou
tu me dás a mim tudo o que eu sonhei tu serás assim
tudo o que eu te dou
tu me dás a mim
e tudo o que eu te dou
Sentado na poltrona, beijas-me a pele morena
fazes aqueles truques que aprendeste no cinema
mais peço-te eu, já me sinto a viajar
pára, recomeça, faz-me acreditar
"Não", dizes tu, e o teu olhar mentiu
enrolados pelo chão no abraço que se viu
é madrugada ou é alucinação
estrelas de mil cores, ecstasy ou paixão
hum, esse odor, traz tanta saudade
mata-me de amor ou dá-me liberdade
deixa-me voar, cantar, adormecer
...
Pedro Abrunhosa
Foto:A Brito
terça-feira, outubro 26, 2004
Liberdade
Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...
Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...
Fernando Pessoa
Foto:May de Figueiredo
Soneto
Fecham-se os dedos donde corre a esperança,
Toldam-se os olhos donde corre a vida.
Poquê esperar, porquê, se não se alcança
Mais do que a angústia que nos é devida?
Antes aproveitar a nossa herança
De intenções e palavras proibidas.
Antes rirmos do anjo, cuja lança
Nos expulsa da terra prometida.
Antes sofrer a raiva e o sarcasmo,
Antes o olhar que peca, a mão que rouba,
O gesto que estrangula, a voz que grita.
Antes viver do que morrer no pasmo
Do nada que nos surge e nos devora,
Do monstro que inventámos e nos fita.
José Carlos Ary dos Santos
Foto:A Brito
Se tanto me dói que as coisas passem
Se tanto me dói que as coisas passem
É porque cada instante em mim foi vivo
Na busca de um bem definitivo
Em que as coisas de Amor se eternizassem.
Sophia de Mello Breyner e Andresen
Foto:Rui Pereira
Gravidez
O filho pergunta ao pai: - Oh Pai, a Maria pode engravidar?
Pai: - Quem é a Maria filhinho?
Filho: - É a minha namorada lá da escola.
Pai: - E quantos anos tem ela?
Filho: - Tem 4 anos.
Pai: - Claro que não!
Filho: - Uhh! Granda cabra! Com a história do aborto fez-me vender o
triciclo.
Tirado de um mail:)
segunda-feira, outubro 25, 2004
Fim (Quando eu morrer)
Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!
Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza...
A um morto nada se recusa
Eu quero por força ir de burro.
Mário de Sá-Carneiro
Espera
Dei-te a solidão do dia inteiro.
Na praia deserta, brincando com a areia,
No silêncio que apenas quebrava a maré cheia
A gritar o seu eterno insulto,
Longamente esperei que o teu vulto
Rompesse o nevoeiro.
Sophia de Mello Breyner e Andresen
Foto: Walmir Piva
Quando estou só reconheço
Quando estou só reconheço
Se por momentos me esqueço
Que existo entre outros que são
Como eu sós, salvo que estão
Alheados desde o começo.
E se sinto quanto estou
Verdadeiramente só,
Sinto-me livre, mas triste.
Vou livre para onde vou,
Mas onde vou nada existe.
Creio contudo que a vida
Devidamente entendida
É toda assim, toda assim.
Por isso passo por mim
Como por cousa esquecida.
Fernando Pessoa
Foto:Jorge Casais
Poema do gato
Este gato, é gato,
o gato, melhor gato,
meio gato, de gato,
manter gato, um gato,
idiota gato, distraído gato,
por 20 gato, segundos gato.
Ah! Nao entendeu nada ?
Entao, experimente ler sem
a palavra GATO:)))
Imagine
Imagine there's no heaven,
it's easy if you try,
No hell below us,
Above us only sky,
Imagine all the people living for today...
Imagine there's no countries,
It isnt hard to do,
Nothing to kill or die for,
No religion too,
Imagine all the people living life in peace...
You may say I'm a dreamer,
but I'm not the only one,
I hope some day you'll join us,
And the world will be as one
Imagine no possesions,
I wonder if you can,
No need for greed or hunger,
A brotherhood of man,
imagine all the people Sharing all the world...
You may say I'm a dreamer,
but I'm not the only one, I hope some day you'll join us,
And the world will live as one.
John Lennon
domingo, outubro 24, 2004
Explicação
Aqui está a minha vida.
Esta areia tão clara com desenhos de andar
dedicados ao vento.
Aqui está minha voz,
esta concha vazia, sombra de som
curtindo seu próprio lamento
Aqui está minha dor,
este coral quebrado,
sobrevivendo ao seu patético momento.
Aqui está minha herança,
este mar solitário
que de um lado era amor e, de outro, esquecimento.
Cecília Meireles
Foto:A. Brito
Vivam apenas
Vivam, apenas
Sejam bons como o sol.
Livres como o vento.
Naturais como as fontes
Imitem as árvores dos caminhos
que dão flores e frutos
sem complicações.
Mas não queiram convencer os cardos
a transformar os espinhos
em rosas e canções.
E principalmente não pensem na Morte.
Não sofram por causa dos cadáveres
que só são belos
quando se desenham na terra em flores.
Vivam, apenas
A Morte é para os mortos!
José Gomes Ferreira
Foto:António Ramos
Soneto da Separação
De repente do riso fez-se pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
Vinícius de Moraes
Foto:A. Brito
Desespero
Não eram meus os olhos que te olharam
Nem este corpo exausto que despi
Nem os lábios sedentos que poisaram
No mais secreto do que existe em ti.
Não eram meus os dedos que tocaram
Tua falsa beleza, em que não vi
Mais que os vícios que um dia me geraram
E me perseguem desde que nasci.
Não fui eu que te quis. E não sou eu
Que hoje te aspiro e embalo e gemo e canto,
Possesso desta raiva que me deu
A grande solidão que de ti espero.
A voz com que te chamo é o desencanto
E o espermen que te dou, o desespero.
José Carlos Ary dos Santos
Foto:Paulo Castro
Ainda que mal pergunte
Ainda que mal te pergunte,
Ainda que mal respondas;
Ainda que mal te entenda,
Ainda que mal repitas;
Ainda que mal insistas,
Ainda que mal desculpes;
Ainda que mal me exprima,
Ainda que mal me julgues;
Ainda que mal me mostre,
Ainda que mal te encare,
Ainda que mal te furtes;
Ainda que mal te siga,
Ainda que mal te voltes;
Ainda que mal te ame,
Ainda que mal o saibas;
Ainda que mal te agarre,
Ainda que mal te mates;
Ainda assim, pergunto: Me amas?
E me queimando em teu peito
Me salvo e me dano...
...de AMOR!!!
Carlos Drummond de Andrade
Foto:A. Brito
sábado, outubro 23, 2004
Com o Mar...
Com o mar,
as curvas das ondas
e o dorso dum peixe ao luar
fiz uma deusa
que criou o mar.
(E depois deitei-me ao comprido
com o mistério resolvido.)
José Gomes Ferreira
Foto : José Fagundes
Retrato
Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim magro, assim triste,
nem estes olhos tão vazios
nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
a minha face?
Cecília Meireles
sexta-feira, outubro 22, 2004
wind's blog (palavras à desgarrada)
Dedico este blog a todos que insistiram que o fizesse, mas principalmente a uma amiga que me deu a conhecer este mundo: À Ana:))
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